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CAPÍTULO 1 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: os pilares da pesquisa

1.1. Funcionalismo linguístico

1.1.5. Tópico e Foco

Em estudos de orientação funcionalista, a interação verbal entre falantes das línguas apresenta propriedades no nível informacional que permeiam o contexto e os conhecimentos dos interlocutores na situação de interação. Nesse sentido, a estrutura gramatical pode assumir distinções correspondentes às suas funções pragmáticas. Estas, por sua vez, constituem “o conjunto completo de conhecimento, crença, suposições, opiniões e sentimentos disponíveis aos falantes no momento da interação” (PEZATTI, 1998, p. 134).

Isso implica dizer que as funções pragmáticas refletem o espectro informacional que as estruturas gramaticais podem revelar, conforme as intenções e necessidades dos interlocutores. Por isso, a “atribuição de funções pragmáticas é o mecanismo linguístico

que define a característica mais identificadora da linguagem, a de uma atividade cooperativa entre interlocutores socialmente organizados” (PEZATTI, 1998, p. 134).

De modo geral, as funções pragmáticas são reconhecidas de acordo com sua estrutura. A respeito disso, Pezatti (1998) aponta que textos, nas línguas, podem conter funções pragmáticas intra-oracionais e extra-oracionais. As primeiras referem-se às relações entre estatuto informacional dos constituintes e contexto da oração. Tópico e foco são funções pragmáticas intra-oracionais. Já as funções pragmáticas extra- oracionais correspondem aos constituintes que estão “de fora” da predicação per si, com uma funcionalidade mais pragmática e informacional. Vocativos, modais, iniciadores da enunciação, etc. são alguns exemplos de elementos que assumem funções pragmáticas extra-oracionais. E suas propriedades, segundo Pezatti (1998, p. 137):

1. Podem preceder, interromper ou seguir a oração;

2. São tipicamente separados da oração por uma pausa entonacional própria;

3. Não são sensíveis a regras gramaticais da oração, embora possam estabelecer relações de co-referência, paralelismo (mesma marcação de caso) ou metátese com a oração à qual estão associados; e

4. Não são essenciais à integridade interna da estrutura da oração, isto é, quando são subtraídos, a oração conserva a sua integridade estrutural e gramatical.

Sobre tópico ser intra-oracional, Givón (2001) tem uma postura diferente. Ele afirma que tópico é função extra-oracional, pois se trata de um discurso-relatado, em que a oração está presente em contexto discursivo. Para Pezatti (1998, p. 137), tópico “apresenta a entidade sobre a qual a predicação predica alguma coisa numa dada situação; em outras palavras, na predicação nós dizemos alguma coisa sobre o Tópico”. Mais adiante, a autora destaca que tópico, nos termos de Dik (1989), é um conceito discursivo, no sentido de que discurso trata de entidades de modo geral. Assim, Dik refere-se a essas entidades como tópicos-discursivos.

Um discurso pode apresentar diferentes tópicos-discursivos, organizados hierarquicamente. O tópico-novo ocorre quando o tópico é dito pela primeira vez no discurso. Depois dessa introdução, o tópico, dito mais vezes, passa a ser tópico-dado. Pezatti (1998) lembra que, de certo tópico, é possível enunciar outros relacionados, como se já tivessem sido ditos; estes são os subtópicos. E se um tópico for retomado depois de seu esquecimento por algum tempo, há o tópico-retomado.

Após essa explanação acerca do tópico, reconhecemos que esta entidade pragmática pode sim constar em diferentes elementos da predicação e da estrutura

argumental. Contudo, como nosso intuito é promover as relações entre transitividade e discurso, buscaremos tratar o tópico aqui à luz do contexto discursivo, além da oração que Givón (2001) e Dik (1989 apud Pezatti, 1998) apontam. Assim, quando o tópico surgir em nossos dados, buscaremos discutir como ele influencia na transitividade do discurso do parto da comunidade kalunga Vão de Almas-GO. Mas antes de tratar de topicalidade, cabe ressaltar o conceito de foco e focalização.

Pezatti (1998) mostra o foco como uma função pragmática que revela a informação mais importante em um contexto. Com a função foco, o jogo pragmático entre informação do falante sobre o conhecimento do seu interlocutor fica mais evidente. Assim, como o foco apresenta a informação mais importante do discurso, a focalização é um fenômeno “discursivo-pragmático, visto estar vinculada às estratégias argumentativas e ao conteúdo informacional do enunciado (isto é, à embalagem da informação)” (GONÇALVES, 1998, p. 34). A focalização pode ser realizada via morfossintaxe e/ou prosódica. Verificar a focalização em nossa análise significa reconhecer, em níveis pragmáticos, na transitividade, quais são as informações mais relevantes, segundo nossos/as colaboradores/as kalunga, sobre os conhecimentos do parto. E essas informações mais relevantes também podem influenciar na composição transitiva, especialmente em níveis morfossintáticos associados às imbricações discursivas.

Diante dessa explanação, até aqui, notamos que tópico e foco são funções pragmáticas que constituem o discurso e demonstram as relações interacionais entre os interlocutores. E reconhecer esses componentes é altamente produtivo para tecermos as relações entre transitividade e discurso, destacando os propósitos comunicativos dos falantes. Dessa forma, a topicalidade deve ser compreendida também em uma dimensão cognitiva, “tendo a ver com o foco de atenção em um ou dois importantes participantes de eventos-ou-estados durante o processamento de orações com vários participantes”. (GIVÓN, 2001, p. 198). Nesse instante, o autor retoma as relações gramaticais, RGs, (cf. subseção 1.1.6.3) como ponto de partida, afirmando que a topicalidade pode ser codificada pelo sujeito ou objeto direto das RGs.

Givón (2001, p. 198) aponta duas propriedades de topicalidade no discurso: a) persistência catafórica: argumentos marcados como mais tópico; por qualquer meio gramatical, tendem a persistir por muito mais tempo no discurso subsequente.

b) acessibilidade anafórica: para pelo menos alguns dispositivos gramaticais de tópico- codificado, argumentos marcados por eles tendem a ter já sido tópico no discurso anterior.

O contraste entre sujeito e objeto direto, e entre objeto direto e objeto indireto em algum discurso pode mostrar esses espectros de topicalidade ligados à catáfora e à anáfora.

Por fim, o autor apresenta a hierarquia de topicalidade dos argumentos da oração. Antes, ele cita o mapeamento de papéis semânticos para o sujeito e objeto das RGs. Givón (2001, p. 199-200) aponta as seguintes restrições universais:

Restrições sobre mapeamento de papéis semânticos às relações gramaticais em orações simples [orações tipicamente transitivas, com dois argumentos: sujeito e objeto direto] a. Um agente pode ser apenas o sujeito.

b. Um paciente pode ser sujeito ou objeto direto.

c. Um dativo pode ser sujeito, objeto direto ou objeto indireto. d. Todos os outros papéis semânticos só podem ser objeto indireto.

É importante dizer que, nas orações passivas, o papel semântico agente pode estar no adjunto (que não é argumento). Sobre mapeamento prototípico entre transitividade semântica e sintática: considerando uma oração simples, em um evento semanticamente transitivo, o agente do evento será sujeito da oração, e o paciente do evento será o objeto direto da oração.

Outra questão que merece destaque é que, considerando o protótipo, papéis semânticos associados ao tópico e ao foco podem estar desalinhados. No português brasileiro, por exemplo, o agente é prototipicamente tópico. Mas, na passiva, esse tópico se torna um paciente.

As restrições supracitadas são pautadas na definição de oração declarativa, afirmativa, ativa, sem marcação na sintaxe. E Givón (2001, p. 200) generaliza mais sobre essas restrições, no tocante à hierarquia de topicalidade de papéis semânticos:

Hierarquia de topicalidade de papéis semânticos (Hawkinson and Hyman 1974; Givon 1976) Agt > Dat/Ben > Pat > Loc > outros

Essa hierarquia é compreendida considerando acessibilidade preferida do sujeito e do objeto direto nas RGs da oração simples:

a. O acesso para sujeito da Relação Gramatical

Se a oração simples tem um argumento agente, este tem a maior possibilidade de ser sujeito da RG. Caso contrário, o argumento em tela passa para baixo da hierarquia de topicalidade de papéis semânticos em ordem.

b. O acesso para objeto da Relação Gramatical

Se a oração simples tem um argumento dativo/benefactivo, este tem a maior possibilidade de ser objeto direto da RG. Caso contrário, o argumento em tela passa para baixo da hierarquia de topicalidade de papéis semânticos em ordem.

Tal hierarquia proposta por Givón (2001) demonstra que a topicalidade, de natureza pragmática, é revelada no discurso via interface entre sintaxe e papéis semânticos.