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Clima de final de ano, dia 13 de dezembro, última semana de trabalho do grupo em 2012. Em uma conversa descontraída e pouco formal, os integrantes do Cena 11 Cia de Dança revelam partes de uma história de 20 anos de pesquisa em dança, falando de relações entre dança e política, e dos entrecruzamentos ético - estéticos que alimentam esta trajetória (co) movente, construída com perseverança e compromisso. Resistindo aos percalços financeiros e (re)existindo como dança, o Cena 11 se mantém num fazer que afeta, e nos convida a olhar para pesquisa em dança com mais rigor, em favor de sua sobrevivência. Poucos meses depois dessa entrevista, ao retornar aos ensaios do grupo, me deparo com um clima tenso, o assunto era a não renovação do contrato de manutenção da companhia com seu principal patrocinador. Neste dia, mesmo diante da iminência de extinção do grupo, os bailarinos ensaiaram, preocupados com a necessidade de cumprir com uma agenda de viagens pelo país, e preocupados também com a possibilidade de extinção do grupo. Nunca assisti a um ensaio em que os bailarinos se arriscassem tanto. Em vinte anos de história, o maior desafio do Cena 11 não é fazer a dança, mas resistir ao descaso de seu fazer.

Eu: Sem caretice viu gente. Eu queria que vocês não se preocupassem mesmo com uma formalidade porque eu vou utilizar estas informações em alguns trechos, do modo como acontecer... Tudo bem então o fato de eu estar gravando?

Alguns do grupo: Tudo bem.

Eu: Depois eu passo a transcrição pra vocês, por e-mail, para vocês dizerem: Ah! Não foi isso que eu falei... Tá errado, essa menina está louca!

(Alguns integrantes sorriem)

Eu: Eu queria ouvir de vocês como foi este encontro com o Cena 11. Comecei, quando comecei, o que eu estava fazendo... Olho para isso hoje e o que vejo... O que é que me interessa. A pergunta é: O que move o bailarino do Cena 11? E aí uma segunda pergunta é: Depois deste encontro, o que o fez ficar?

Mari: A minha aproximação com o Cena 11 foi quando eu tinha 16 anos, eu fui assistir ao Violência1 e aquilo me chamou muito a atenção,

é... Eu não sei exatamente explicar, mas esteticamente aquilo me fisgou de um jeito muito diferente de qualquer coisa vinculada à arte com o que eu já tinha me relacionado. Eu não tinha um interesse muito grande em arte, mas o que eu acho que me prendeu mais foi a sensação de que eu poderia entrar em um lugar diferente, eu vinha da ginástica olímpica, com uma relação muito forte com alcançar um desafio, ultrapassar um desafio, e quando eu vi o Violência, pra mim, naquela época ainda tinha uma coisa muito de: Ah, eu consigo fazer isso, eu acho que eu consigo fazer isso... Uma ideia de desafio que ao mesmo tempo não tinha a ver com o esporte, e trazia uma coisa que, pra mim, era um mundo totalmente novo. E aí eu entrei no grupo com 18 e ainda muito com essa ideia vinculada ao esporte, que eu fui modificando aos poucos mas, a minha relação com arte mudou muito durante estes 10 anos que eu estou na companhia, os meus interesses mudaram, o meu envolvimento mudou. Mas eu acho que o que me fez ficar na companhia foi ainda, a ideia de desafio, só que passou a ser outro tipo de desafio. Ao invés de ser um desafio de conseguir fazer algo, de... É... Físico mesmo, de conseguir fazer uma novidade, uma coisa que eu ainda não sabia se eu ira aprender, se eu iria conseguir, era este desafio de estar sempre indo para um lugar que a gente não sabe que lugar que é, e estar procurando uma coisa que a gente não sabe exatamente que coisa é e, ao mesmo tempo, estar investindo e descobrindo outros lugares, outros mundos, e outras coisas, outras possibilidades de pensar dança, de pensar arte, de pensar corpo. Acho que foi isso que me fez ficar na companhia até agora.

Karin: Eu posso dizer que entrei no Cena 11 duas vezes. Foi assim, foi a primeira paixão pela dança, pelo jazz, eu comecei a fazer jazz, e ai eu namorava o Alejandro, e aí o Anderson2, que era o coreógrafo do grupo que ele (Alejandro) dançava foi ver meu espetáculo de final de ano, e o Anderson me chamou para o Cena 11 (risos do grupo). O interesse pela dança era... (A dança) enquanto a coisa mais legal que tinha no mundo, era o interesse de alguém que tinha 14 anos, e o Cena 11 era algo muito incrível aqui, porque já naquela época algo importante ia começar, 1 Espetáculo que estreou em 2002. Trechos deste espetáculo podem ser conferidos em: <http://www.youtube.com/watch?v=am4u5sIZ6Bc>

eu nem dançava e tinha achado aquilo muito profissional, assim, muito legal. Aí depois esse Cena 11 das pessoas de 14, 15 anos se dissolveu, aí eu fui dançar em São Paulo, continuei dançando jazz e quando a gente voltou pra Florianópolis, cada um por seus motivos, a gente voltou para aquele espaço que era o Cena 11, que tinha sobrado no Cena 11. E aí o Ale (Alejandro) chegou depois, mas ele também veio pra esse Cena 11. E essa é a história... Não sei te dizer o que me fez ficar... (risos). O que me fez ficar foi a vontade de construir aquilo, né, me tornar profissional da dança, e fazer o lugar do profissional da dança em Florianópolis porque isso também não existia.

Adilso: Eu entrei no Cena 11 porque me avisaram da audição do grupo, e era bem na época que eu estava interessado em sair de onde eu morava. Me falaram da audição... Eu já dançava antes no Rio Grande do Sul, e foi quando eu decidi seguir, ser bailarino. Eu já tinha pensado em desistir algumas vezes, mas aí eu decidi fazer a audição e abriu essa audição. Eu tinha visto duas vezes o Cena 11. Eu nem dançava... Em 96, daí não me chamou atenção, porque eu não dançava. E em dois mil, dois mil e alguma coisa, foi o Violência em Porto Alegre. Daí eu achei interessante o trabalho e depois disso eu não acompanhava o grupo, não sabia muito do grupo. Um amigo meu avisou da audição, eu queria ser profissional nisso, eu vim fazer a audição e passei. E o que me mantém dentro do grupo são as relações, claro, estéticas, que eu gosto, que de certa maneira eu me identifiquei, por isso que eu entrei no grupo, e o lance também de ser profissional, isso é legal de falar, de certa maneira, não fosse isso, não teria como se manter - acho que eu teria trocado de profissão mesmo -. E é isso, essa vontade de procurar, de fazer a coisas que a gente faz... Sem mais.

Jussara: Eu conheci o Cena 11 quando estava na faculdade, conheci por vídeo, e aí depois eu assisti (...) e o Skinerbox3, assisti

Pequenas4 (Pequenas Frestas de Ficção Sobre Realidade Insistente)

antes de vir pra cá - mas aí eu já estava fazendo audição - a aí logo que eu terminei a faculdade, abriu a audição, e eu já gostava do trabalho, e minhas amigas achavam que eu tinha perfil para o grupo, e aí deu muito 3 Espetáculo que estreou em 2005. Trechos deste espetáculo podem ser conferidos em: <http://www.youtube.com/watch?v=hqkXvlqQey8>

4 Espetáculo que estreou em 2007. Trechos deste espetáculo podem ser conferidos em <http://www.youtube.com/watch?v=CQFj0QAyWzc>

certo, acabei a faculdade e abriu audição, passei na audição e vim pra cá, tudo engatilhado.

Eu: Faculdade do quê que você fez Ju?

Ju: Artes do Corpo na PUC-SP, eu sou de lá. Eu sou bailarina desde pequena, desde criança eu sempre quis ser bailarina, sempre quis trabalhar com dança. E o Cena 11 tinha uma possibilidade de trabalhar de um jeito que me interessava. Quando eu entrei na faculdade eu comecei a entender corpo de um jeito muito diferente, porque eu vim de uma ideia clássica de pensamento. E eu sempre fui gordinha e isso aqui nunca foi um problema, e... Aqui dentro eu posso usar meu corpo do jeito que... Que ele é, o que vier de movimento, todas as possibilidades dele aqui cabe, bom né, dentro da linha de pesquisa (risos do grupo). Afinal de contas eu estou aqui há bastante tempo e a gente tem uma linha de pesquisa em comum né.

Alejandro: A gente já sabe mais ou menos o que faz né.

Ju: É justamente uma das coisas que me interessa. A gente não tá aqui por oba oba, só pra dançar também. Não é só. E hoje em dia o que me mantém aqui é que a gente tem pesquisado cada vez mais a questão das ferramentas de construção, mais do que passos, ou movimentos, só movimento. E isso é o que tem mais me interessado na pesquisa em dança hoje em dia.

Anderson: É... então. Eu conheci o grupo em 2008 quando teve temporada do Pequenas aqui em Florianópolis, daí eu assisti. Eu não sabia de muita coisa do grupo ainda, eu não queria dançar, eu vim pra Florianópolis pra fazer teatro, eu vim pra fazer UDESC, e tal, e daí eu assisti o Pequenas, e foi uma sensação tanto minha quanto dos meus amigos, a gente gostou muito, mas ficamos meio mudos, fomos para o ponto (de ônibus) mudos (risos de alguns do grupo), daí no outro dia saímos pra tomar cerveja e ficamos ainda sem saber o que falar da coisa realmente, só que, ao mesmo tempo, essa coisa de não conseguir falar não era... Sei lá, não era uma sensação de aniquilamento, uma coisa que te diminuiu. Era uma coisa tão além do que a gente conhecia mesmo que faltavam palavras na verdade, éramos bem imaturos, estávamos no primeiro ano da faculdade. E daí dentro da faculdade eu fui gostando cada

vez menos de fazer teatro e cada vez mais de fazer dança, principalmente em função de... Por mais que tenha investigação no teatro, por mais que exista um outro tipo de abordagem contemporânea, eu ainda acho que tem um ranço muito grande de reprodução de algo que já está colocado. E daí hoje olhando pra sensação que eu tinha quando eu assistia lá (no teatro), que eu vejo o que me interessa na dança, muito mais do que no teatro, é justamente a possibilidade de tu ativar uma possibilidade nova, e não ficar fazendo variações sobre o mesmo assunto porque é um sistema universal, eternamente, justamente encontrar um outro desfiado pra puxar, para a partir disso, é... enfim, tentar coisas. Por isso. Eu fiquei com vontade de ser dançarino porque assisti o grupo, daí em 2010 abriu audição e eu comecei a fazer as aulas do grupo. E é isso... Só. E daí eu estou aqui... (risos do grupo).

Ju: E daí deu certo (risos do grupo).

Alejandro: A minha relação com dança, com coreografia, com convívio em arte, e comigo mesmo não se distancia do Cena 11, e também eu não sei qual é o lugar onde eu não sou isso, e onde isso não sou eu também. É... Eu comecei a dançar muito cedo, com 12 anos - Em Florianópolis, ou seja, Twin Peaks5, e em Twin Peaks não se dança

com 12 anos. Quando é 1983/84, e você está dançando, é esquisito aqui em Florianópolis. Essa foi a minha história. É... O Cena 11 foi a primeira oportunidade de eu dançar de forma mais séria. Aos 16 anos eu achava que eu poderia dançar mesmo. Mas também quase desisti aos 16. Naquele lugar bem adolescente. E aí eu dançando uma coreografia do Anderson(Gonçalves), inclusive, veio o Klauss Vianna6 pra mim e falou:

Ah, o grupo é legal. A gente ganhou um prêmio lá de coreografia... Karin: O Klauss Vianna enquanto pessoa humana (risos). Ale: O Klauss Vianna enquanto pessoa (risos).

5 Alejandro se refere aqui à série de televisão norte-americana Twin Peaks, criada por Mark Frost e David Lynch. O nome da série diz respeito à cidade ficcional de Twin Peaks, cenário principal da trama

6 Klauss Vianna foi bailarino e coreógrafo brasileiro que desenvolveu um método próprio de preparação corporal para a bailarinos e atores. Klauss Vianna é considerado um dos pioneiros nas pesquisas em Técnicas Somáticas no Brasil. Mais informações podem ser conferidas em:

Anderson: Gente eu pensei que era uma metáfora fantasmática... Ale: Foi em 1988, a gente ganhou um prêmio lá de novos coreógrafos com a coreografia do Anderson (Gonçalves), e eu estava dançando, era o único menino da companhia. Eu tinha dezessete anos. Aí ele foi, cumprimentou a companhia inteira e me chamou num cantinho, e aí ele falou: Ah, é muito legal o grupo, é muito legal o que vocês fizeram, não sei o que... Mas, é... Não para de dançar porque tu tem uma coisa muito diferente, muito especial, que as outras pessoas geralmente não têm. Então investe na tua dança e vá em frente. E é engraçado, porque o Klauss Vianna falou isso, e eu não sabia nada, eu conhecia o trabalho dele pelo que as pessoas falavam. Eu fazia jazz em 1988, eu fui fazer minha dança para ganhar meu troféu... eu fui lá e quebrei geral... (risos do grupo) Daí ele foi no cantinho e falou para mim: Continua. Depois que eu fui saber da história que ele tinha as questões dele com o corpo, com a questão do limite, a técnica que ele criou... O universo que ele desenvolveu, no Brasil que era uma coisa muito importante, mas eu fui saber disso depois. Ele foi tão convincente e generoso na colocação, que eu me senti muito especial naquele momento. Que aí eu disse ó, vamos lá né cara, é isso aí, vamos fazer... Que também tem uma história física esquisita, que não vale à pena contar, mas, que naquele momento quando alguém fala alguma coisa, você diz, é então tá né... Deve ser legal fazer dança, mas naquele tempo tinha que ser maluco. Daí eu parava de estudar, não ia mais para o colégio, entrava no supletivo, ia fazer aula de dança... Eu ficava fazendo aula o dia inteiro, e eu ia com o Anderson para todos os ensaios que tinha aqui, do Desterro... De tudo, eu passava o dia inteiro assistindo ensaio sentado em uma cadeira vendo as pessoas coreografarem... Bom isso é...

Karin: É pré-história...

Ale: Bem pré-história, poucas pessoas sabem disso. E aí eu entrei em 1987/88 foi quando aconteceu isso, e aí eu continuei, e começou a ter certa rebeldia em mim, de eu não aceitar as proposições que estavam, mesmo as do Cena 11, aí eu fui buscar em outros lugares, eu fui pra São Paulo, acabei fraturando o pé... Aí eu tive que voltar pra cá, não tinha nada aqui - Twin Peaks de novo, e aí em Twin Peaks meu pensamento tentou ganhar corpo. Eu lembro que eu tinha o Cena 11 ainda, naquela