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PERCURSO METODOLÓGICO E SUGESTÕES DE NAVEGAÇÃO Faço uma incursão nos campos da dança, do teatro e da

1 DA PRESENÇA DA BAILARINA QUE ACONTECEU COMO OUTRAS PRESENÇAS

1.2 PERCURSO METODOLÓGICO E SUGESTÕES DE NAVEGAÇÃO Faço uma incursão nos campos da dança, do teatro e da

performance, pesquisando as possibilidades de relação entre artista e público – no que se refere à noção de presença –, e colocando em jogo os conceitos que vivencio, seja por meio da literatura sobre o assunto, seja por meio da experimentação de proposições artísticas15. Nesta perspectiva de

conexões entre leituras e experimentos venho acompanhando o processo de pesquisa do grupo Cena 11 Cia. de dança, dirigido pelo coreógrafo Alejandro Ahmed, desde abril de 201216, experiência da qual extraio

grande parte dos elementos apresentados neste trabalho. Também faz parte deste campo experimental a participação em mais dois processos: o Workshop Exercises for rebel artists17, com o grupo La Pocha Nostra,

15 Desenvolvo atualmente uma pesquisa experimental de composição em dança e performance, partindo das noções de espacialidade, presença e interatividade, junto a outros quatro artistas-pesquisadores: André Sarturi, Michele Louise Schiocchet, Paloma Bianchi e Raquel Purper. Nos propomos a experiências compositivas que consideram a transformação das relações entre corpo-tempo-espaço. Observamos com isso as reverberações, na produção artística, da lógica da descentralização de informações, característica da cibercultura apresentada pelo filósofo da informação francês Pierre Lévy (1999). Embora essa experiência não seja analisada nesta dissertação, suas reverberações a integram, uma vez que entendo a experimentação de conceitos como modo de testar seus efeitos no corpo, de colocá-los em movimento. 16 O grupo, com sede em Florianópolis, tem vinte anos de existência; a pesquisa desenvolvida em seu trajeto implica no desenvolvimento de possibilidades de criação em dança a partir de direcionamentos éticos e estéticos que relacionam corpo e ambiente. Há nesse grupo um interesse em aliar dança e tecnologia, como a exploração de dispositivos de mídia, softwares interativos, robôs, e próteses, e quando não há a utilização desses aparatos, há a contaminação no movimento por uma lógica de operação algorítmica, que se revela esteticamente ao se provocar emergências no ato relacional entre os corpos por meio da exploração de parâmetros, que exploram basicamente estados de inevitabilidade e prontidão. Os integrantes do grupo são: Adilso Machado, Alejandro Ahmed, Aline Blasius, Anderson do Carmo, Hedra Rockenbach, Jussara Belchior, Karin Serafin, Malu Rabelo, Marcos Klann e Mariana Romagnani. Outras informações sobre o grupo podem ser consultadas em Spanghero (2003) e no site: www.cena11.com.br.

17 Workshop com Guillermo Gómez-Peña, Roberto Sifuentes e Dani d’Emilia, realizadono SESC de São José do Rio Preto, no período de 06 a 09 de julho de 2012,com duração de 28h/aula. O workshop integrou a programação do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, que trouxe também

liderado pelo artista mexicano Guillermo Gómez-Peña18; e a Residência

MODO OPERATIVO AND19 com João Fiadeiro e Fernanda Eugénio20.

As vivências desses três processos artísticos, em suas diferenças e semelhanças, contaminaram o percurso desta pesquisa de mestrado, ao que se incluem as questões geradas, as descobertas e as contradições. O modo pelo qual esses artistas/pesquisadores abordam as relações entre corpo e ambiente foram cruciais para o desenvolvimento do meu processo de escrita sobre presença, uma vez que, ao experimentar seus conceitos e modos de operação, a pesquisa pôde se aproximar da ordem da vivência no corpo, da materialidade da relação com outros corpos e ambientes.

o trabalho do grupo intitulado La Pocha Remix: Psycho-Magic Actions Against Violence, o qual tive a oportunidade de presenciar no dia 12 de julho de 2012. 18 Performer que incursiona em distintas áreas artísticas como fotografia, vídeos e ciber-arte, explorando assuntos como: imigração, novas tecnologias e políticas da linguagem. É fundador do grupo La Pocha Nostra em parceria com Roberto Sifuentes e Nola Mariano, sediado em San Francisco, EUA, que conta hoje com a colaboração de nove performers de diferentes países, além de parcerias com outros grupos de performance do México, Espanha, Austrália, Inglaterra, Colômbia entre outros. O grupo mantém pesquisas constantes sobre performance e propõe atividades pedagógicas nos países em que apresentam seus trabalhos. A experiência aqui descrita tem entre outras fontes o livro: Exercises for Rebel Artists: Radical Performance Pedagogy, de Guillermo Gómez-Penã e Roberto Sifuentes (2011). Outras informações sobre o grupo podem ser obtidas no site: <http://www.pochanostra.com/home/>.

19 Residência que aconteceu em Florianópolis na semana de 03 a 07 de junho de 2013, por ocasião do Festival Múltipla Dança. Organizada pela professora Sandra Meyer Nunes e promovida pelo Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, contou com a parceria da Funarte. Os encontros aconteceram nas dependências do Ceart – UDESC, totalizando 20h/aula.

20 João Fiadeiro é bailarino, coreógrafo e pesquisador em dança, e Fernanda Eugénio é antropóloga. Ambos coordenam os processos do AND Lab no Atelier Real, em Lisboa, que é um Centro de Investigação Artística e Criatividade Científica que, apesar de inicialmente abarcar o campo das artes presenciais, se destina à profissionais de áreas mais diversas. João Fiadeiro desenvolvia o método da Composição em Tempo Real, e Fernanda Eugénio o método da Etnografia Aplicada à Performance Situada, juntos eles desenvolveram o MODO OPERATIVO AND, que é uma metodologia relacional de composição baseada em uma filosofia que, dentre outras coisas, busca formas de re-existência na configuração de um plano comum. Outras informações sobre esse processo podem ser consultadas no site: <www.re-al.org> e no blog: < http://andlabpt. blogspot.com.br/>.

No percurso metodológico da dissertação, articulo, inicialmente, dados provenientes de pesquisa bibliográfica, com a intenção de levantar certas questões que considero importantes sobre a noção de presença; em seguida, faço conexões entre essas referências literárias, problematizando o conceito de presença em algumas práticas artísticas contemporâneas que observei, e que vivenciei de modos distintos no decurso da pesquisa, considerando suas especificidades, mas também buscando o que pudesse ser comum entre esses processos, não distinguindo, por atribuição de juízo de valor, uma e outra prática. A orientação metodológica tem referência nas afirmações de Sylvie Fortin21 (2009) que, a partir de um

estudo sobre metodologia de pesquisa em artes, propõe a etnografia e a auto-etnografia como possibilidades metodológicas que consideram as especificidades do fazer artístico na pesquisa acadêmica em artes.

Fortin (2009) defende que uma forma de compreender a prática artística seria “colocá-la em relação ao pensamento e ao agir dos participantes”, e para isso, uma das proposições seria acolher a transposição do processo de “bricolagem”, inerente aos processos artísticos, para a metodologia da escrita, bricolagem esta definida como a “integração de elementos vindos de horizontes múltiplos” (2009, p. 78). A autora afirma que a coleta de material na pesquisa etnográfica é fundamental, e a vivência do pesquisador sobre o campo pode considerar, inclusive, as suas reações somáticas como um tipo de dado etnográfico. Tal investimento carrega “o potencial de aproximar o leitor de uma compreensão baseada na experiência do pesquisador em presença íntima com a coisa a ser compreendida” (FORTIN, 2009, p. 82). Por outro lado, Fortin ressalta que há distinção entre estudos etnográficos e dados etnográficos, pois os dados etnográficos poderão emergir de métodos distintos, tais como: a etnografia, “descrição para compreender as culturas dadas”; a fenomenologia, “descrição para compreender a essência de um fenômeno”; a heurística, “descrição para compreender a experiência vivida”; e a sistêmica, “descrição para compreender uma dinâmica de conjunto” (FORTIN, 2009, p. 79).

Diante dessa possibilidade de percurso metodológico

21 Professora do Departamento de Dança da Universidade de Quebec em Montreal.

apresentada por Fortin, considero as referências textuais sobre presença e sua relação com as vivências em contato com os coletivos Cena 11 Cia. de dança, La Pocha Nostra e AND Lab, como uma articulação de dados etnográficos, pois tanto na conexão de leituras quanto nas observações e experimentações de conceitos, exponho minhas percepções e meus afetos acerca do vivido – compreendendo a leitura e a escrita também como vivência.

O sociólogo norte-americano Howard Becker (2007) afirma que há uma estreita ligação entre ciência e conceito, e que este, por sua vez considera o empírico. Para esse autor, o cruzamento de informações advindas de áreas distintas, podem convergir para um mesmo fim, ou até mesmo originar questões ao se comparar diferentes abordagens. Becker volta a atenção à falta de consenso quanto ao conceito, o que pode trazer embates para a pesquisa, mas que também podem instrumentalizá-la, alargando o campo de visão com as questões que possam emergir desses encontros de informações. Os encontros são percebidos nesta pesquisa como um meio de aproximação entre teorias, e também entre teoria e prática, e por esse motivo tanto a articulação de referências bibliográficas, quanto as experimentações de conceitos aparecem como possibilidades de cruzamento de dados que podem contribuir com o desenho de uma noção de presença relacional.

Bruno Latour22

(2008, p. 52), afirma haver um equívoco na ideia de distância entre o que deve ser pesquisado e o pesquisador, para ele, “a distância que devemos investigar não é entre observador e observado – exotismo barato –, mas entre os conteúdos do mundo antes e depois da pesquisa, nem a distância nem a empatia são bons indicadores de que se fez boa ciência”. Diante disso, convido o leitor a uma navegação em territórios distintos, em um percurso que acolhe as descobertas, as deducões e os equívocos, entendendo-os por uma perspectiva etnográfica, como elementos inerentes ao fazer artístico e acadêmico. A dissertação que aqui apresento é composta por uma articulação entre: referências textuais, observações de trabalhos artísticos, vivências de processos artísticos, entrevista com integrantes de um dos grupos abordados, e exposição de reverberações das 22 Antropólogo, sociólogo e filósofo da ciência francês.

vivências no percurso da pesquisa. A partir dessa iniciativa, gostaria de explicitar a tentativa de diluição de hierarquias de valor na abordagem sobre presença relacional, discussão que se inicia já na divisão dualista entre corpo e mente, e que vai direcionar, por muitos anos o modo de sermos e percebermos o corpo, de percebermos as coisas, de vermos e/ou produzirmos arte, e até mesmo de escrevermos sobre ela. O espanhol Jorge Larrosa Bondía23 questiona a divisão entre teoria e

prática ao exemplificar uma postura comum nos centros de ensino, em que “se aprende na teoria o saber que vem dos livros e das palavras, e no trabalho se adquire a experiência, o saber que vem do fazer ou da prática” (2002, p. 23). Muitas são as instâncias pelas quais se podem observar os resquícios dualistas, que inclusive favorecem atribuições de maior ou menor valor. Nesta dissertação procuro alguns meios para problematizar questões como essa, utilizando diferentes fontes de informação, não distinguindo teoria e prática por hierarquia de valor.

Chamo a atenção neste trabalho para alguns hábitos enraizados na divisão entre corpo e mente, teoria e prática, e diferenciação por juízo de valor, o que identifico inicialmente na linguagem, sublinhando algumas palavras que denotam uma herança dualista, e de atribuição de significados estanques às coisas, as quais revelam também a minha própria dificuldade em substituí-las por termos mais abrangentes. Com essa postura, pretendo dar foco à noção de presença tangível, conforme é apresentada por Gumbrecht (2010).

O desejo de aproximar pesquisa acadêmica e prática artística, nessa mídia que é a palavra escrita, explicita-se na desobediência a algumas convenções indicadas para dissertações e teses. O leitor poderá observar: a eventual utilização de uma linguagem coloquial, que se aproxima da fala; a presença de vestígios da pesquisa com esboços manuais e imagens de trabalhos artísticos não relacionados diretamente com o texto entre as páginas digitadas; a exposição do não saber, como elemento da pesquisa; e a minha exposição pessoal. Diante disso, insiro algumas marcas do processo de desenvolvimento desta pesquisa como possibilidade de deixar transparecer os afetos que me incorreram no

23 Professor de filosofia da educação da Universidade de Barcelona na Espanha

decurso de sua escrita, sem o compromisso de que sejam explicativas. Ao vivenciar a leitura desta dissertação, o leitor poderá verificar a defesa de algumas ideias, descobertas e interrogações que podem transparecer certa pretensão; contudo, tais características nada mais são do que a revelação de momentos entusiasmados na imersão no tema. Paixão haverá de ser uma consideração para este trabalho, por mais que eu tente explicitar as tentativas de imparcialidade. As informações vivenciadas são impressas também em outras memórias, as memórias estimuladas pelas sensações, como a muscular e a do estômago, por exemplo. Reconheço o desafio de recuperar as fontes provenientes de leituras no momento da escrita, muitas delas dissolvidas ao experimentar, como performer, o conceito de presença. Assumo tais riscos diante da vontade de convidar o interlocutor a um fazer junto, a um questionamento de padrões inerentes à prática artística, a exemplo da postura dos artistas e pesquisadores do La Pocha Nostra, Cena 11 e AND Lab.