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1 DA PRESENÇA DA BAILARINA QUE ACONTECEU COMO OUTRAS PRESENÇAS

1.3 MENOS IMPOSIÇÃO

As noções de presença mais evidentes em práticas e discussões herdadas de artistas do teatro, principalmente encenadores, com registro e produções datadas no início do século XX – como Constantin Stanislavski24 (1863 – 1938), Edward Gordon Craig25 (1872 – 1966),

Vsevolod Meyerhold26 (1874 – 1940) e Antonin Artaud27 (1896 – 1948) –

aparecem com proposições que buscam uma aproximação com os aspectos sensoriais das relações. De acordo com o pesquisador teatral italiano Marco De Marinis28 (1995), um movimento em favor da redescoberta do

corpo, a partir da reação à sujeição ao texto dramático, acontece nesse período. Tais intenções direcionaram práticas pedagógicas nas artes presenciais que requeriam um aprimoramento da atenção, da escuta, por

24 Ator, diretor, pedagogo e escritor russo.

25 Ator, cenógrafo, produtor e diretor de teatro inglês. 26 Ator de teatro, diretor e teórico de teatro russo.

27 Poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro.

28 Professor de disciplinas das artes do espectáculo na Universidade de Bolonha.

meio da percepção das possibilidades da ação corporal para a abertura às relações, assumindo a probabilidade de se provocar efeitos no performer e no espectador. De acordo com De Marinis (1995), uma ação cênica eficaz deveria conter o potencial de gerar (e de gerir) o acontecimento – acontecimento esse que ocorre nos momentos em que a experiência artística torna-se potente e intensa ao ponto de provocar transformações nos corpos. A possibilidade de se causar efeitos sobre o espectador foi atribuída, dentre outros elementos, à presença do artista.

A presença seria aproximada, tempos depois, à ideia de dilatação, proposta pelo encenador Eugenio Barba, que, a partir de um conjunto de abordagens da ação do ator/bailarino, desenvolve preceitos pré-expressivos, destinados à articulação de energia que evidenciariam a presença cênica do artista (BARBA; SAVARESE, 1995). O pesquisador brasileiro Gilberto Icle29 (2011 p. 17) ressalta que “Eugenio Barba e o

grupo de pesquisadores e artistas que compõe a ISTA (International School of Theater Anthropology) circunscrevem os elementos da presença em torno do paralelismo com o significado, ao cunhar o termo pré-expressividade”. Ao trazer essa informação, Icle aponta para uma das questões a serem abordadas nesta dissertação que diz respeito a uma tradição de interpretação de significados que, segundo Gumbrecht (2010), nos afasta da materialidade das coisas, e que parece, portanto, se afastar das relações tangíveis entre os corpos envolvidos em uma experiência estética, assunto que será retomado ao longo desta dissertação.

No final do século XX e início do século XXI, as noções atribuídas à energia do ator não parecem ainda descartadas, mas agregadas a outras demandas que respondem às aspirações de uma abordagem contemporânea do corpo a partir da noção de embodiment30,

uma reação ao pensamento dualista, como se observa em afirmações de Meyer (2009). A adesão à interdisciplinaridade, ao crescimento de um movimento que reage à noção de corpo fragmentado – dividido em dimensões físicas e espirituais –, a confluência de discussões filosóficas, científicas e artísticas não dualistas, contaminam gradualmente o modo de fazer arte, evidenciando a noção de experiência vivida no corpo. 29 Ator, diretor e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 30 Que pode ser traduzida do inglês por mente incorporada.

A ênfase na experiência do corpo foi ganhando inúmeros desdobramentos, e estes foram potencializados em práticas performativas, como se pode observar em trabalhos como os dos artistas brasileiros Lygia Clark (1920 – 1988) e Hélio Oiticica (1937 – 1980), e da performer sérvia Marina Abramovic. Tais encadeamentos abriram caminhos a abordagens do corpo em devir constante, tornando possível também a incorporação mais recente das ciências cognitivas às pesquisas artísticas31.

Novas palavras surgem para descrever possibilidades desse fazer nas artes presenciais, a presença cênica passa à presença, aproximando- se da noção de performatividade enraizada em conceitos de John Langshaw Austin32 (1962), e que atualmente é abordada por muitos

estudiosos das artes presenciais, dentre eles a alemã Erika Fischer-Lichte33

(2011). A apresentação transforma-se em presentação, ao considerar esse artista que transita entre a ficção e a realidade do seu estado corporal, em produções cujas fronteiras de linguagens tornam-se cada vez mais fluídas. O estar ali, característica primeira da arte da presença, passa a exigir outros modos de operação do artista e do público. O artista parece mais o propositor do que o determinante da experiência, que já não se faz somente vinculada aos significados (GUMBRECHT, 2010): quer subvertê-los, como na abordagem da performance que a brasileira Eleonora Fabião34 (2009) nos apresenta. O público, antes testemunha da

ação, passa a participante, a compositor no ato presencial do encontro. A presença passa a se configurar como ausência de uma pessoalidade exacerbada, em favor da emergência do acontecimento entre corpos que se afetam mutuamente na relação.

Explico as conexões.

31 Estudos como os das pesquisadoras brasileiras Christine Greiner; Helena Katz (2005), de Meyer (2009), e do pesquisador italiano Marco De Marinis (2012) estabelecem conexões interdisciplinares entre a arte e as ciências cognitivas em abordagens do corpo em relação com o ambiente.

32 Filósofo britânico.

33 Professora no Instituto de Estudos de Teatro na Universidade Livre de Berlim.

34 Professora do Curso de Direção Teatral da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O artista, já na era da reprodutibilidade técnica que Walter Benjamin35 (1987) observa, perde, juntamente com a obra, sua aura.

Na era da cibercultura, a lógica digital influencia o comportamento humano que a recria constantemente, mas que também é recriado nesse movimento fractal, rizomático, como as afirmações de Pierre Lévy (1999) nos esclarecem. Neste contexto “hipertextual” (LÉVY, 1999) da lógica digital – contexto em que absorvemos e somos absorvidos, simultaneamente, por múltiplas janelas que se abrem instantaneamente aos nossos sentidos –, a proposição artística que se mantém nos apegos ilusórios de uma audiência passiva, arrisca-se ao congelamento mútuo. Em tempos de simultaneidade, a noção de experiência artística presencial ganha novas articulações ao assumir os afetos (ESPINOSA, 1992), já que estes incorrem no aqui-agora do encontro entre corpos36.

A arte como experiência presencial, no aqui-agora, convida aos múltiplos sentidos com outros meios relacionais que parecem invitar o artista a um dado de renúncia, de espera, de ausência, pois a potência de acontecimento, de mudança, reside agora nas emergências do encontro entre os corpos (AHMED, 2012), (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012), (LEPECKI, 2012). A audiência já não é somente audiência, o espectador não espera para testemunhar o que acontece ao artista; o público, já acostumado às mídias, às muitas janelas, carece de outras vias de afeto, e assim é convidado a participar, a comprometer-se no ato do encontro, a exemplo do que aponta a psicanalista brasileira Suely Rolnik (1996, p. 9): “O artista como propositor de condições para o receptor deixa-se embarcar no desmanchamento das formas – inclusive as suas –, em favor das novas composições de forças que seu corpo-vibrátil vai vivendo ao longo do tempo”.

Ao identificar que, em uma relação, todos os envolvidos podem sofrer transformações, a noção de verticalidade vai sendo substituída pela de horizontalidade. O filósofo francês Jacques Rancière37 (2010), ao

35 Walter Benedix Schönflies Benjamin (1892 - 1940) foi um filósofo, sociólogo e pensador judeu alemão.

36 No primeiro capítulo desta dissertação faço uma breve exposição da definição de afeto pelo filósofo holandês Bento Espinosa (1632 – 1677), a fim de incorporá-la à discussão sobre presença relacional.

37 Professor da European Graduate School de Saas-Fee e professor emérito da Universidade de Paris.

questionar a distância que se criou entre artista e espectador, traz pistas para essa configuração de disposição hierárquica entre o propositor da experiência artística e o participante, associando esse fato à herança de uma educação que imprimiu a divisão entre sábios e ignorantes. Em uma entrevista concedida a Guilherme de Freitas38, Rancière afirma:

Creio que a questão não é tanto o que as artes podem fazer pela emancipação das pessoas, mas sim o que podem fazer para emancipar a si mesmas. Os artistas só poderão contribuir para a emancipação se entenderem que se dirigem a semelhantes, em vez de achar que estão transformando ignorantes em sábios. Isso só é possível se a instituição artística colocar seus princípios em questão permanentemente. Assim como um pedagogo não pode achar que está lidando com aprendizes incapazes, um artista não pode tentar antecipar o que o espectador deve ver ou compreender. Nessa nebulosa confusa que chamamos de arte contemporânea, abraçar a dúvida sobre as capacidades da arte pode ter uma função emancipatória (RANCIÈRE apud FREITAS, 2012).

Nesta observação de Rancière é possível identificar que o mesmo defende a diluição de uma barreira de pré-conceitos39 que colocam de um

lado o artista, como aquele que sabe das coisas, e do outro o espectador, como aquele que, passivamente, recebe as informações. Essa postura de diferenciação, que estabelece um tipo de hierarquia, é ainda vigente nas práticas artísticas contemporâneas. Algumas possibilidades de diluição dessas fronteiras (in)surgem nesse movimento em favor de uma arte relacional, que quer afetar sensorialmente, e que posiciona o artista como aquele que também é afetado na relação. Nestes termos, a tentativa de antecipar o que o espectador deverá sentir na experiência artística, já não parece tão adequada, uma vez que as relações passam a considerar, nesse

38 Publicada no jornal O Globo em 08/12/2012.

39 A palavra pré-conceito é utilizada aqui como: ideia preconcebida e possibilidade de julgamento; como se observa na acepção do termo pelo Dicionário online de português disponível em: < http://www.dicio.com.br/ preconceito/ >. Acesso em: 04/01/2014.

trânsito, as conexões de cada sujeito diante dos estímulos sensoriais e das respostas a eles. A segurança do significado, do consenso, nos quais antes era possível se apegar, parece escorrer entre os dedos daqueles artistas que ainda insistem nessa ilusão de domínio sobre o espectador.

Imagem 5 – Performance dos artistas chineses Sun Yuan e Peng Yu Teenager teenager (2011) – Sofás, gel de sílica e fibra de vidro

Fonte: <http://highlike.org/?s=sun+yuan++peng+yu&x=0&y=0> Considero que os projetos dos artistas aqui citados – grupo Cena 11, grupo La Pocha Nostra e AND Lab –, em suas respectivas abordagens, buscam uma espécie de emancipação próxima àquela apontada por Rancière. A noção de presença, aquela do destaque, da segurança, da apreensão da atenção do espectador, se dilui em favor da incidência, do que emerge das presenças no aqui-agora, no entre corpos. Tais evidências contaminam minha prática artística e minha escrita. Com o intuito de dividir essas conexões, faço um convite à imersão neste contexto, ciente de que se trata de uma possibilidade investigativa dentre muitas que já existem sobre presença, acreditando também que, ao se tecer questões por meio de experiências teórico- práticas, convida-se ao movimento na arte.

No primeiro capítulo, intitulado Entre presença e experiência tangível, desenvolvo questões sobre as noções de presença e experiência

vivida, buscando referências para os termos: afeto – em Espinosa (1992); experiência e experiência na arte – em Benjamin (1987) e Dewey (2010); sujeito da experiência e escuta – em Bondía (2002); e inicio uma discussão acerca dos efeitos das atribuições de significado em relação à presença tangível, a partir de teorias de Gumbrecht (2010), que traz um posicionamento sobre a distância da materialidade das coisas diante da cultura da interpretação de significados.

No segundo capítulo, intitulado Iminências do corpomente na arte: Pistas para uma genealogia, apresento reflexões acerca da noção de presença na arte a partir do advento da redescoberta do corpo, observada em práticas de encenadores do início do século XX, chegando a algumas abordagens da presença como: a capacidade de gerar empatia; a presença como energia e dilatação; a presença como conexão com o ambiente; e a presença como possibilidade de afeto/convite. Neste capítulo, utilizo referências de Marco De Marinis (2005), Béatrice Picon-Vallin40 (2008),

Eugenio Barba e Nicolas Savarese41 (1995), Erika Fischer-Lichte (2011) e

Suzanne M. Jaeger42 (2006), entre outros.

No decurso da escrita do terceiro capítulo, questiono: Que corpo poderia estar no aqui-agora?, traçando um recorte em favor da noção de embodiment a partir de abordagens de António Damásio43

(1996, 2004, 2011), Sandra Meyer (2003, 2009), José Gil44 (2001, 2004),

Paul Churchland45 (2004) e Michel Bernard46 (2001), entre outros.

Neste capítulo, exponho também alguns encontros que tive no percurso desta pesquisa de mestrado, experiências com as quais apresento as

40 Professora de história do teatro no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática de Paris.

41 Pesquisador teatral membro da ISTA (International School of Theatre Anthropology).

42 Professora de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Central Florida em Orlando.

43 Médico neurologista, neurocientista português que trabalha nos estudo do cérebro e das emoções humanas. É professor de Neurociência na University of Southern California.

44 Filósofo, ensaísta e professor universitário português.

45 Filóso canadense, professor da Universidade da Califórnia em San Diego. 46 Filósofo francês.

reverberações das leituras em situações vividas na condição de artista e espectadora. Encontrei Guillermo Gómez-Peña, Dani d’Emilia e Roberto Sifuentes em um compartilhamento de seus processos, no Workshop Exercises for rebel artists, uma experiência-ritual na qual pude experimentar as possibilidades de presença que estavam latentes em mim, descobrindo as potências e as impotências nesse movimento; e encontrei Alejandro, Aline, Adilso, Anderson, Hedra, Jussara, Karin, Malu, Marcos e Mariana, que dançaram, discutiram, caíram, mudaram- se, correram riscos, nesse processo investigativo que o Cena 11 propõe, permitindo que eu trouxesse a esta pesquisa o movimento de exposição de afetos, ora os deles, ora os meus.

Finalizo a sequência deste percurso da pesquisa apresentada no quarto capítulo, intitulado: Possibilidades de presença/ausência no terreno movediço de co-incidências, ambicionando uma abordagem da presença como ausência. Neste capítulo, trago relatos de um encontro que vivenciei na aproximação com as ferramentas-conceitos do MODO OPERATIVO AND de João Fiadeiro e Fernanda Eugénio (2012), que propõem uma oposição a algumas lógicas de funcionamento já automatizadas no corpo, como a da manipulação das coisas e da busca pela grande ideia, em favor do ato de re-parar, convidando o artista a se desvencilhar da figura propositiva para permitir que a potência de acontecimento seja gerada e gerida no encontro, na comunidade. Ainda neste contexto, o antropólogo cultural e estudioso de performance brasileiro André Lepecki47 (2009, 2012) oferece algumas possibilidades

de abordagem da presença no ato de refinar a escuta, ao analisar as relações entre sujeito, objeto e dispositivo. O autor oferece também em seu trabalho um percurso acerca da presença como ausência, deixando pistas para a continuidade do processo instigante que tem sido a abordagem da presença em relação.

47 Professor no Departamento de Estudos da Performance da Universidade de Nova York.

2 ENTRE PRESENÇA E EXPERIÊNCIA TANGÍVEL

A abordagem de presença que tem me interessado, cada vez mais, no decurso desta pesquisa, está muito próxima de noções vivenciais, do aqui-agora, dos modos de incursão em terrenos de iminências no encontro entre os corpos. Diante disso, proponho a articulação de algumas referências acerca da noção de experiência tangível e presença, que servirão como uma espécie de introdução ao tema que pretendo problematizar ao longo deste trabalho. Algumas questões direcionam o recorte teórico que apresento, e também serão recorrentes nesta pesquisa, sendo uma delas: Que noções de presença poderiam carregar o potencial de gerar afetos na experiência artística?

2.1 AFETO

A acepção espinosiana de afeto (affectus) o traz como efeito que emerge do encontro entre os corpos. Segundo Espinosa (1992), o corpo é constantemente modificado diante dessas relações, o que poderia aumentar ou diminuir sua potência de agir. Há, para ele, um esforço inerente à existência para conservar sua natureza, o que é chamado de conatus, mas há também os efeitos dos encontros que não são passíveis de controle, pois não seria possível comandar a interferência de um corpo sobre outro.

Diante disso, é possível afirmar que a proposição de Espinosa (1992) para a noção de afeto, trata da vida se fazendo e refazendo em interação com outras vidas, sem que se possa apreender conscientemente todo esse processo, muito menos prevê-lo, uma vez que os corpos não se relacionam de maneira preestabelecida. Existe, neste contexto, a ação – que são as minhas vontades; e a paixão – que são as vontades que não vêm de mim. Por outro lado, há o resultado dos encontros entre os corpos, apresentado inicialmente pelo filósofo como bons e maus afetos, como alegria e tristeza, por exemplo, e identificá-lo seria um modo de percepção imediata do que se imprimiu no corpo durante o encontro. Tal possibilidade estaria inerente ao ato de raciocinar, na tentativa de compreender o que acontece ao corpo, e de explicar os afetos, o que é

compreendido por Espinosa como paixões ativas. Portanto, por mais que os afetos possam ser imprevisíveis, e que não seja possível ter consciência de todos os afetos que incorrem em um encontro, conforme nos esclarece o autor, é possível compreender as impressões dos afetos no corpo ao reconhecê-los.

A filósofa francesa Chantal Jaquet (2011, p. 126) afirma que Espinosa “restringe o domínio dos afetos somente às afecções que aumentam ou diminuem, ajudam, ou coíbem a potência de agir”. Segundo ela, Espinosa chega a fazer uma separação do que são afetos e afecções. A admiração é afecção mais não é afeto. Alegria e tristeza o são porque alteram nossa potência de agir. Desta forma, Jaquet (2011, p. 124) conclui que “todo afeto é uma afecção, mas nem toda afecção é um afeto”. Segundo a autora, a afecção é uma espécie de estado da essência humana, inato ou não, em suas transformações no tempo, seja atribuído pela extensão seja pelo pensamento.

Se nos aproximarmos das noções de afecção e de afeto, do modo que Espinosa (1992) as expõe, a noção de presença em relação consideraria também as afecções que circunscrevem o encontro entre artista/performer e público. O performer seria capaz de afetar com sua presença, mas ao mesmo tempo perceber os afetos que a presença do público lhe causaria. Nas palavras de Espinosa: “Por afeto, entendo as afecções do corpo, pelas quais a potência de agir desse corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou entravada, assim como as ideias dessas afecções” (1992, p. 267). O filósofo holandês traz as proposições de afecção e afeto nesse trânsito entre o afetar e perceber-se afetado.

O afeto, segundo exposição do filósofo francês Gilles Deleuze, é o que não representa nada, que não está relacionado ao sentido, à ideia de algo, como o sentimento de amor, angústia ou esperança, “que qualquer um chama de afeto” (1978, p. 2). Para Deleuze, o afeto trata de “uma volição, uma vontade, implica, a rigor, que eu queira alguma coisa; o que eu quero, isto é objeto de representação, o que eu quero é dado numa ideia, mas o fato de querer não é uma ideia, é um afeto, porque é um modo de pensamento não representativo” (1978 p. 2). A noção de afeto (affectus) liga-se, portanto, ao que escapa a definições de significado, e está relacionada às afecções do corpo e suas percepções no ato de afetar

e ser afetado. As duas acepções serão evocadas ao longo deste trabalho, por permitirem aproximações com as práticas artísticas contemporâneas que tem foco na relação entre artista e espectador.

Vincular produção de afeto à proposição artística, reconhecendo os efeitos que um corpo ou um objeto artístico tem sobre o outro corpo, conforme observa Simon O’Sullivan48 (2011), é um movimento que se

mostra contra a efetivação de uma abordagem transcendente da arte. O afeto, neste contexto, estaria ligado à factualidade nas relações, ao que escapa à ideia de controle dos afetos que podem incorrer em uma relação presencial. Às artes da presença parece pertinente assumir as consequências de habitar um terreno movediço, no qual as conexões entre corpo e ambiente se fazem e refazem no aqui-agora.

2.2 EXPERIÊNCIA

Para tratarmos da noção de experiência, convido a uma breve incursão à teoria de Walter Benjamin (1987), um autor que localiza esse conceito na modernidade, distinguindo experiência (Erfahrung) e vivência (Elerbnis). Para Benjamin, a experiência - entendida como o conhecimento tradicional passado de geração a geração - se liga à possibilidade de narração, o que assegurava ao ser humano uma ligação com sua história. Porém, na modernidade, narrar a história já não seria mais possível, segundo o autor, diante do avanço da capacidade técnica, vinculada ao desenvolvimento do capitalismo, e também diante das situações extremas da primeira Guerra Mundial que, na visão do autor,