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POSSIBILIDADES DE PRESENÇA/AUSÊNCIA NO TERRENO MOVEDIÇO DE CO-INCIDÊNCIAS

4 QUE CORPO PODERIA ESTAR NO AQUI-AGORA?

5 POSSIBILIDADES DE PRESENÇA/AUSÊNCIA NO TERRENO MOVEDIÇO DE CO-INCIDÊNCIAS

Como abordar a presença também como possibilidade de ausência? A pesquisa em artes, dialogando com outras áreas do saber, amplia-se em perspectivas favoráveis a um fazer mais conectado com outras dimensões da vida, cujas implicações éticas e estéticas não estão contidas somente em um poder retórico – discursivo –, mas se desenvolvem em práticas que ultrapassam limites espaço-temporais do encontro no aqui-agora, borrando fronteiras entre arte e vida. Trato aqui de Modos de fazer/ser que mantém um olhar fixado nas relações. O MODO OPERATIVO AND surge como uma dessas pesquisas que se encontra no espaço do entre, e que propõe outros modos de ser/estar na arte e na vida, com um olhar para as relações, o que exige um diálogo equilibrado entre instâncias de presença e ausência do sujeito, convidando-nos a reparar134 as relações, prolongando-as, em uma

gestão de comunidade que não hierarquiza sujeito, objeto e acontecimento. Observo uma dinâmica de operação que emergiu em percursos artísticos e antropológicos, e que também não se restringe somente a essas áreas, mas, diante da extensão do tema, concentrarei informações lidas e vividas, desse modo específico de abordagem das relações, para a dimensão das artes presenciais.

Tive a oportunidade de fazer a residência artística MODO OPERATIVO AND e vivenciar o processo que traz as questões: “Como viver junto? e Como não ter uma ideia?”. Por meio dessa experiência, com textos de João Fiadeiro e Fernanda Eugénio, e de uma conferência-demonstração dos pesquisadores mencionados135, apresento algumas aproximações com a

134 No M.O. AND, o ato de reparar aparece tanto como possibilidade de observação atenta ao que se tem no jogo (objeto, ação ou acontecimento), defendendo a perspectiva de não agir espontânea ou instantaneamente, para observar o que ali se apresenta, quanto possibilidade de facilitar a emergência de acontecimento ao manusear os elementos do jogo.

135 A conferência demonstração intitulada “O jogo das perguntas” aconteceu no dia 01/06/2013 no Sesc Prainha de Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança, com direção geral de Marta Cesar, que também partilhou a coordenação de programação e curadoria com Jussara Xavier. A conferência- demonstração foi organizada pela professora Sandra Meyer Nunes, e promovida pelo Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina em parceria com a Funarte.

noção de ausência no ato do encontro, que identifiquei durante o processo, ressaltando que, apesar de trazer informações sobre o trabalho, exponho, sobretudo, as minhas impressões da experiência. No contato com essa filosofia, pude perceber possibilidades restritivas136 das operações em arte, que

têm na convivência um meio de sobreviver, ou como os dois pesquisadores expõem, de “re-existir” (FIADEIRO; EUGÉNIO, 2012).

Um pequeno espaço cênico iluminado por alguns refletores revelam um bloco vertical envolvido por uma espécie de cartolina branca. João e Fernanda, sentados de um lado e outro do bloco, respectivamente, começam a escrever.

Imagem 32 - Fernanda Eugénio e João Fiadeiro na Conferência-demonstração do MODO OPERATIVO AND que aconteceu no dia 01/06/2013 no SESC Prainha de Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança. Foto:

Cristiano Prim

Fonte: Acervo Festival Múltipla Dança.

A conferência-demonstração acontecia no som do atrito entre os pincéis e o papel, nas formulações e reformulações de palavras, no jogo das

136 Utilizo restrição como parâmetro de operação, não atribuindo juízo de valor à palavra.

perguntas: Como viver junto? e Como não ter uma ideia? (que se configurava entre os dois), e também na minha recepção desse jogo. Tratava-se de uma performance na qual o objetivo maior era compartilhar as ferramentas/ conceito do MODO OPERATIVO AND, dentre elas, a intenção de adiar o fim, mas aceitá-lo, caso ele ocorresse.

Imagem 33 - Resultado da escrita em papel durante o jogo realizado por Fernanda Eugénio e João Fiadeiro na Conferência demonstração do MODO

OPERATIVO AND que aconteceu no dia 01/06/2013 no SESC Prainha de Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança. Foto: Cristiano Prim

Fonte: Acervo Festival Múltipla Dança.

A junção dessas vontades de desenvolver modos de fazer que não obedecessem a uma lógica do impulso da criatividade, da hierarquia de valor, inerente à atribuição da genialidade, da capacidade individual de se gerir uma grande ideia, calhou no princípio da Secalharidade, que é a prática de improvisação e criação coletiva de paisagens de convivência, resultante do método de Composição em Tempo Real desenvolvido por Fiadeiro, e que se juntou à etnografia como ferramenta para performances que Eugénio desenvolvia. Tal encontro resultou em uma metodologia que se apresenta como jogo em que todos os envolvidos, com suas ações individuais em favor do coletivo, são responsáveis pela sustentação da relação, com a intenção de adiar o seu fim por meio de ações justas – que se ligam à justeza e não à ideia de justiça.

O Jogo de com-posição do M.O. AND acontece basicamente da seguinte forma: estabelece-se um espaço inicial com a demarcação de um quadrado no chão com fita adesiva, há geralmente um grande e variado número de objetos à disposição do grupo para o manuseio, o corpo também pode ser inserido neste contexto, mas em princípio há um investimento maior na observação e exploração da materialidade dos objetos. Quando algum participante coloca um objeto no quadrado, há então a chance do jogo começar a se desenvolver. A primeira instrução ao grupo é a de reparar no que ali se apresenta, observar a materialidade da coisa, para depois tomar uma posição relacional, clara e objetiva diante do objeto ou acontecimento. O acontecimento é percebido neste contexto, como algo não planejado, mas que oferece possibilidade de mudança no jogo, sem que haja uma manipulação137;

seria uma potência que emerge geralmente do acaso, e que está vinculada à própria materialidade do objeto. Somente depois de três tomadas de posição é que o jogo pode ser encontrado. Quando se encontra a direção do jogo, o desafio passa a ser, então, sua continuidade a partir de uma escuta atenta ao que acontece. De acordo com o andamento do processo, o espaço do quadrado passa a se ampliar chegando até a não ser mais demarcado por fita, incluindo, por exemplo, todo o espaço da sala. O ato de escutar o que o jogo pede é o que aparece como princípio. Embora a finalidade do jogo seja adiar o seu fim, não há o estímulo para forjar uma continuidade, caso o grupo perceba que tenha chegado o final, uma vez que na proposição da escuta, identificar quando não há mais alternativas é também pertinente ao jogo.

Nesse trânsito, a responsabilidade de geração de potência de afeto é transferida para o que acontece ao objeto, ao corpo, ao espaço, e o estímulo ao participante desse jogo é a possibilidade de intervir pontualmente no que ali, no espaço do aqui-agora, emerge das relações. A ideia genial é abandonada nesse jogo, em que é o objeto, o corpo ou o acontecimento, com sua materialidade, que traz os elementos a serem manuseados, e não manipulados. Desse modo, o exercício da escuta e o do re-parar norteiam as ações que só deverão ocorrer se o acontecimento pedir, se calhar.

137 Eugénio e Fiadeiro ressalta a diferença entre manipular um objeto e manuseá-lo, o manuseio estaria mais próximo ao ato de perceber o que se apresenta no jogo.

Imagem 34 - Cópia das instruções do jogo distribuída no dia 03/06/2013 durante a residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João

Fiadeiro no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança.

Imagem 35 - Anotações do dia 03/06/2013 durante a demonstração das ferramentas-conceitos na residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João Fiadeiro no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião

do Festival Múltipla Dança.

Imagem 36 - Anotações do dia 03/06/2013 durante a demonstração das ferramentas-conceitos na residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João Fiadeiro no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião

do Festival Múltipla Dança.

Imagem 37 - Anotações do dia 06/06/2013 durante a demonstração das ferramentas-conceitos na residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João Fiadeiro no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião

do Festival Múltipla Dança.

Ao considerarmos que a negociação em favor do acontecimento na experiência artística reside em um trânsito de afetos, haveremos de considerar também o ambiente de partilha. É nesse ambiente que as renúncias e ausências são requisitadas, pois na negociação entre os desejos individuais, entre o propor e o ceder, é que se pode chegar a algo comum e partilhável. As relações baseadas em diferenciação de poder, que dividem por atribuição de juízo de valor um dominante e um dominado, oferecem pouco espaço à partilha de uma experiência, uma vez que o desejo de quem tem mais poder é que prevalece na relação.

Imagem 38 - Registro da demonstração das ferramentas-conceitos na residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João Fiadeiro

no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança.

Fonte: Acervo pessoal

A partilha na arte, se observada como partilha do sensível, tal qual Jacques Rancière descreve – “a maneira comum que se presta a participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha” (2005, p. 15) –, é exigente de um senso de comunidade, de meios de fortalecimento nas relações, que poderão estar entre o ceder e o tomar parte. Nesse ambiente de escuta para uma ação mais precisa, apresenta-se a

necessidade de ausência: ausência da grande ideia, do protagonismo, da presença impositiva. No percurso desta pesquisa, pude identificar que a responsabilidade de gerar afetos não estaria exclusivamente na presença do artista como um propositor, mas no encontro entre as presenças no aqui-agora, no compartilhamento da experiência.

Vale ressaltar que a atribuição de juízo de valor às coisas pode se estabelecer no fazer artístico, alimentando uma noção de aura, de destaque, que exclui a arte do cotidiano, do que pode ser comum, como observa Dewey (2010). A esse tipo de diferenciação entre as dimensões do fazer, cabe o questionamento do papel da arte e da figura do artista como propositor e determinante da experiência. Rancière (2005, p. 69) observa que: “Qualquer que seja a especificidade dos circuitos econômicos nos quais se inserem, as práticas artísticas não constituem uma exceção [grifo do autor] às outras práticas. Elas representam e reconfiguram as partilhas dessas atividades”. Como instaurar então o ambiente de partilha?

Fernanda Eugénio e João Fiadeiro (2012, p. 62), ao definirem o conceito de Secalharidade, impulsionam a abordagem da renúncia ao protagonismo do artista em favor da criação coletiva, propondo um refinamento da escuta e a abertura a um devir. Os autores explicam que a secalharidade é um modo de relação que subtrai a ideia de controle, de manipulação, por uma “ética do manuseamento suficiente”, atribuindo ao ato do encontro a potencialidade da medida justa na criação de um plano comum, o que possibilita uma “assistência não expectante, desarmada do eu e atenta ao outro”.

Para Rancière (2005), o lugar comum seria o espaço de partilha e, para Eugénio e Fiadeiro (2012), esse seria o lugar de des-autorização, onde as noções de autoria e território podem e devem ser questionadas. As figuras de autor/artista desaparecem, o Eu só tem vazão na necessidade de continuidade da relação comunitária. Essa é a Ética do suficiente, que torna as ações no convívio mais justas, favorecendo o que é coletivo. O que se quer é observar o acontecimento emergir na gestão do plano comum da atuação que, por sua vez, surge na relação. Para Eugénio e Fiadeiro (2012, p. 64), todos são investigadores, “não há espectadores; não há artistas, somos todos (quer assumamos a responsabilidade ou não) artesãos do nosso próprio convívio”. Nessa relação, a resiliência

é palavra-convite que exige um re-aprender a olhar, para “lidar com o que se tem e operar na reinvenção, não na negação”. A tarefa em favor da “des-cisão” é “re-existir a cada encontro, ser a consequência, e não a causa, da relação”. O re-existir pode ser aqui comparado à própria organização corporal que se refaz a todo instante, re-existindo no aqui- agora, esse corpo que re-existe pode ser o corpo presente, atento ao agora das relações, aberto ao encontro, e poroso; que propõe, mas que também escuta e articula possibilidades para que o jogo não acabe, para que a relação persista entre esses corpos presentes.

O encontro é uma possibilidade de “com-posição” – tomada de posição com o outro, “pôr-se com”– na “co-dependência” entre as diferenças (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012, p. 65), daí a consideração da complementaridade nas diferenças e da interdisciplinaridade, já inerentes à dinâmica de funcionamento do corpo. Por que não ampliar essa dinâmica para outras dimensões, ou melhor, por que não percebê-la? Para o encontro é necessário “revogarmos os escudos protetores, seja do sujeito, seja do objeto”, mas, para que isso ocorra, é necessário:

[...] um enorme esforço por retroceder da Ação e do Eu, um esforço por estancar o imediatismo impulsivo de conhecer e saber o que aquilo é [grifo dos autores]. Um esforço subtrativo [grifo dos autores]: subtração (Deleuze, 2010) do Eu e do Porquê (da fixação pelo significado, em sua forma explicativa ou interpretativa) a fim de extrair o retorno à simplicidade do direito de seguir [grifo dos autores], ou seja, do sentido entendido tão somente como direção emergente e não-teleológica. (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012, p. 65 – 68).

A questão da subtração da fixação pelo significado é abordada inicialmente nesta dissertação a partir de Gumbrecht (2010), que atribui como consequência a essa postura o distanciamento da tangibilidade da presença. Nas afirmações de Bondía (2002), o ato de nomear as coisas também se liga à atribuição de significado, e à distância da configuração da experiência. Erika Fischer-Lichte (2011), por sua vez, propõe uma abordagem do corpo enquanto fenomênico, permitindo um questionamento das atribuições da semiótica. Tais posicionamentos

mostram uma ação de resistência ao ato de identificar o que as coisas significam, ao invés de tentar a aproximação com o que as coisas apresentam, estão ou têm, no devir de sua existência, assim como o faz Eugénio e Fiadeiro (2012). O sentido, para não ser conformado em instâncias de significado como nos mostra Deleuze (2007), assume sua relação paradoxal. E em práticas como as do grupo Cena 11 e no processo do AND Lab, é compreendido como direção, como vetor. Quais sentidos seriam possíveis para a presença quando abordada como relação, como entreter? Quando as presenças potencializam a emergência do acontecimento, e de novos sentidos como possibilidade de seguir?

A prática do AND Lab resiste na seguinte questão: Como criar condições para que a matéria apareça no acaso? Como preservar a potência e o devir da matéria? O espaço do já saber, da interpretação, da representação, do sentido – que se traduz por importância/valor, não contemplam as emergências, reforçam o “pressuposto do saber para depois agir”. Desse modo, “abdicar das respostas, largar a obstinação por se definir o que as coisas são, o que significam, o que querem dizer, o que representam” [grifos dos autores] parece pertinente. (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012, p. 3) Para esses autores,

recuamos com o corpo e avançamos com o olhar – que julga apenas constatar objetivamente o que lá está – ou com o ver que parte da premissa de que há um sentido por detrás das coisas, a ser interpretado subjetivamente. O saber, o ponto de vista, a manipulação, são posturas antagonistas da medida justa. A força na certeza, ou no achar [grifos dos autores] desconsideram o acidente (2012, p. 2).

Algumas possibilidades de re-existência surgem então na pausa, na inibição, na vontade de adiar o fim, na possibilidade de identificar a potência de afeto no acidente. Para isso, um refinamento da percepção é constantemente solicitado: ver o que a coisa tem, e não o que é, aproveitar o inesperado – achar meios para que ele emerja –, aceitar, retribuir, re-parar, são estímulos constantes nessa prática. Assim se constrói o ambiente comum:

Dessa implicação recíproca emerge um meio, um ambiente mínimo cuja duração se irá, aos poucos, desenhando, marcando e inscrevendo como paisagem comum. O encontro, então, só se efetua – só termina de emergir e começa a acontecer – se for reparado e consecutivamente contra-efetuado – isto é, assistido, manuseado, cuidado, (re) feito a cada vez in-terminável. (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012, p. 66).

Esse poderia ser o ambiente da partilha de sensibilidades, o local do encontro, que exige estar presente, vivo, atento e poroso, pois “encontrar é ir ‘ter com’”. Ter o quê? Uma experiência. Essa experiência em que se quer deixar emergir o acontecimento, na concretude do que está, a fim de gerar e de gerir outras possibilidades de acontecimento. Para isso renúncias são necessárias; a ausência, neste sentido, seria abrir mão do protagonismo, recuar, ouvir, viver o jogo do encontro. Encontrar é um “entreter que envolve desdobrar a estranheza que a súbita aparição do imprevisto nos traz. Desdobrar o que ela tem e, ao mesmo tempo, o que nós temos a lhe oferecer [...]” (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012, p. 68). A relação é um “encaixe situado entre possibilidades compossíveis que co-incidem” para enfim – ou na protelação do fim – “acolher o que emerge no acontecimento”, acontecimento esse “que só dura enquanto não é, que só dura enquanto re-existimos” para “reencontrar aí, nesse comparecer recíproco” o que há na multiplicidade. (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012, p. 4).

O processo do AND Lab ocorre no jogo, não há a intenção de instaurar um processo criativo para a composição de espetáculo, por mais que artistas estejam vivenciando esse processo e contaminando suas práticas com esse modo de fazer. A noção de espetáculo não existe porque não há espectador, há participantes. Eugénio e Fiadeiro definem esse encontro como possibilidade de partycipação, e afirmam que:

Convocar alguém para uma partycipação [grifo dos autores] envolve ampliar a membrana do pequeno grupo e abrirmo-nos a uma conversa sobre os modos de estarmos juntos, na partilha das responsabilidades pelo gerir do nosso próprio entorno. Mas como usar o que temos para desenhar um território de party-cipação

[grifo dos autores] franco e recíproco, quando o que temos são mecanismos de poder que escoam quase irresistivelmente para a representação, a demonstração ou a exposição? E estes, a primeira coisa que fazem é imobilizar o outro, em algum grau, na condição de objeto, retirar-lhe a agência e a responsabilidade, cancelar o convite a ele recém-endereçado, organizar o evento [grifo dos autores] e suspender a hipótese do acontecimento como acidente emergente e auto-organizativo. (EUGÉNIO; FIADEIRO, 2012, p. 68).

Nessa possibilidade de partycipação Eugénio e Fiadeiro questionam os mecanismos de poder em favor da formação e manutenção de um comum, porém, para vivenciar esse processo, que vai contra muitas lógicas de produção nas artes presenciais, uma re-educação é necessária, e para isso re-parar passou a exigir um comando, o do controle do impulso, da ideia. Para Eugénio e Fiadeiro, a reação impulsiva, a espontaneidade, dão vazão às ações individualizadas, ao desejo particular, nos impossibilitando de viver o comum, de compartilhar. Por isso, descrevi inicialmente essa prática como possibilidades restritivas de operação em arte, uma vez que esses parâmetros instauram um ambiente de suspensão do ato impulsivo, e da vontade de ser genial ou criativo.

O M.O. AND seria então uma proposição de extinção da possibilidade de criação do artista? Penso que a ação de recuo, de escuta, de ausência, implica em novas acomodações do artista na relação com o meio (artista, público, objetos, etc). Para a abordagem do acontecimento na arte como emergência nas relações tangíveis, e não somente como efeito da imposição de uma figura aurática – inflada de presença/energia, e cheia de ideias criativas –, parece necessário re-parar e re-agir em favor da possibilidade de se compartilhar uma experiência, para que não se multiplique na arte um retrato social bastante conhecido na atualidade: um apanhado de vontades individuais que se congestionam.

Imagem 39 - Registro de um dos exercícios realizados no dia 06/06/2013 na residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João Fiadeiro

no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança.

Imagem 40 - Registro de um dos exercícios realizados no dia 05/06/2013 na residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João Fiadeiro

no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança.

Fonte: Acervo pessoal

Imagem 41 - Registro de um dos exercícios realizados no dia 04/06/2013 na residência MODO OPERATIVO AND com Fernanda Eugénio e João Fiadeiro

no CEART/UDESC, em Florianópolis/SC, por ocasião do Festival Múltipla Dança.

Como ser o efeito e não a causa da relação num terreno propositivo como o das artes presenciais? Cabe tarefa mais difícil ao artista do que