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1 DA PRESENÇA DA BAILARINA QUE ACONTECEU COMO OUTRAS PRESENÇAS

1.1 PRESENÇA CONSTRUÍDA

A noção de presença, do modo que eu a compreendia ao ver a Roberta Carreri, ou os bailarinos de Pina Bausch, ou até mesmo a que Esse vídeo que também compõe o documentário Pina do cineasta alemão Ernst Wilhelm (Wim Wenders), traz um dos momentos que inspiraram as observações sobre a noção de presença a partir do trabalho do Tanztheater Wuppertal. 5 Professora dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina.

teria alimentado meu sonho de infância de ser bailarina, poderia se tratar de uma presença socialmente construída, como observou a pesquisadora Maria Brígida de Miranda6 em uma discussão sobre esta dissertação7. Essa

presença construída estaria sujeita a uma noção prévia, que geralmente mensura os trabalhos artísticos por juízo de valor e, consequentemente, poderia nos provocar encantamento, admiração ou indiferença, antes mesmo de termos contato com os artistas e seus trabalhos.

Que dinâmicas poderiam ter construído tão fortemente uma presença da bailarina, capaz de fazer com que uma criança (eu) chegasse a prenunciar seu futuro, sem sequer ter assistido a um espetáculo de balé, e mal tendo acesso à mídia televisiva? Tenho perseguido, de muitos modos, a presença da bailarina desde então. E talvez muitas outras pessoas o tenham, a seus modos, porque há todo um sistema de construção de imagens-presença, envolta nos metros de tule engomado do tutu da bailarina8, e reafirmada tanto nos traços suaves e delicados

da figura da jovem princesa dos roteiros clássicos, quanto no poder de, virtuosamente, dançar nas pontas dos pés diante de um grande público.

Tais conexões convidam a discutir a esfera política dessa construção de presença, ao ter implícitas questões sócio-culturais que, de algum modo, determinam nossa forma de ver e viver as coisas, muitas vezes orientados por noções de maior ou menor valor. Essa baliza que constrói pré-presenças pode nascer e se alimentar em sistemas acadêmicos, literários, e midiáticos, apresentando artistas, espetáculos e pesquisadores de modo a se imprimir uma aura, que pode, por sua vez, cultivar em nós certo fascínio diante dessas presenças preconcebidas. A noção de presença, se abordada nesses termos, estaria ligada a uma espécie de validação, que tem o potencial de homogeneizar opiniões e alimentar estruturas de poder, como as problematizadas pelo filósofo francês Michel Foucault (1984).

6 Professora dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina.

7 Por ocasião de minha banca de qualificação que aconteceu no dia 16/09/2013 no Centro de Artes da UDESC.

8 Parte do vestuário do balé clássico, de estilo romântico composto por um corpete apertado e uma saia de várias camadas de tule.

Imagem 2- Certificado de participação do concurso de coreografias da Academia Marcia Angeli do ano de 1998, em Maringá - PR.

Fonte: Acervo pessoal

A felicidade, por receber como presente da diretora da escola de balé um par de sapatilhas de pontas, durou somente alguns meses, não lembro se era o meu pé que havia crescido, ou se as sapatilhas eram menores que meu número, o fato é que a dificuldade de dançar nas pontas, com unhas encravadas, aumentava a distância entre o que eu sonhava e o que eu vivia na realidade. De qualquer forma, precisei vivenciar isso para conhecer as implicações dessa escolha, e para reconhecer que a bailarina do sonho, plantado em mim já aos quatro anos, era bem diferente da bailarina que eu conseguia ser naquele momento. Diante de alguns fatos como esse, a negação da bailarina clássica foi se revelando, aos poucos, em minhas ações. Passei a dançar a ausência dessa bailarina do sonho, buscando outros modos de estar no mundo, dançando.

Imagem 3 – Trabalho da artista polonesa Erwina Ziomkowka – s/título.

Fonte: Blog da artista <http://erwina-ziomkowska.blogspot.com.br/> Dinâmicas de validação que ratificam o ato de julgar as coisas, pessoas ou fazeres, por mais ou por menos, contribuem com uma configuração social que pode ser dintinguível em duas polaridades: ter poder ou sujeitar-se a ele. Fredric Jameson9 (2001) em sua observação do

desenvolvimento político-social pós-moderno, afirma que a cultura está associada às formas de manutenção do modo de produção capitalista. A diligência capitalista, por exemplo, reforça essas polaridades vinculadas à atribuição de juízo de valor ao construir modelos a serem seguidos, imagens-presença a serem conquistadas. Na arte, mais especificamente, na indústria da cultura, se sustenta um mecanismo de criação de pré- presenças diante da intenção de se vender produtos. E assim, movem-se em direção a um show de rock’n roll milhões de fãs, cujo maior sonho é ver determinado artista, de perto. E assim, permite-se que uma pintura de grafite possa valer sessenta dólares em um dia, quando apresentada por um vendedor anônimo na rua, e trinta e dois mil dólares em outro,

ao ser revelada a identidade do artista que a pintou, o grafiteiro e ativista político britânico Banksy10.

John Dewey11 (2010), ao observar o contexto em que a

produção artística se desenvolve no início do século XX, afirma que o entendimento do espaço do museu como forma de ostentação de poder, e a transformação da arte em moeda de troca pelos colecionadores, imprimem um cerceamento da cultura, com a noção de bom gosto que determina o que faz (ou não) parte desse mundo da arte. Segundo Dewey, essas transformações ligadas ao crescimento do capitalismo desvinculam a experiência artística da experiência comum. Obra e artista ganham com isso uma aura, algo que os torna inacessíveis e admiráveis. O fazer artístico se afasta de uma possibilidade de partilha para, segundo Dewey, se prestar a contemplação. Seria quase como dizer: “Não se aproxime! Arte!” E, com isso, alimentar o fascínio por algo intocável12.

Para o filósofo norte-americano Abraham Kaplan (in: DEWEY, 2010, p. 39), as reações à arte dependem de convenções estabelecidas, essas convenções dizem respeito, entre outras coisas, a exigências de coerência, relacionadas à noção de significado. Conforme observa esse autor, “os materiais expressivos são prenhes de significação” e “os significados apreendidos são extraídos de experiências anteriores,

10 Refiro-me a uma das ações realizadas por Banksy em Nova York, que integram uma residência artística chamada Better Out Than In (Melhor fora do que dentro) que aconteceu durante o mês de outubro de 2013 em que o artista se encarregou de revelar pelo menos uma obra de arte por dia nas ruas de Nova York. Outras informações sobre esta ação podem ser conferidas no site: < http://en.wikipedia.org/wiki/Better_Out_Than_In > Acesso em: 02/01/2014. E outra ação do artista com esse mesmo caráter pode ser conferida no site: < http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/ noticia/2013/11/quadro-de-us-50-e-vendido-por-us-615-mil-apos-intervencao- de-banksy-4320674.html > Acesso em: 02/01/2014.

11 Filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano.

12 O brasileiro Marcelo de Andrade Pereira, professor na graduação e Pós- Graduação do Centro de Educação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no artigo intitulado: Ne pas toucher aux oeuvres: o princípio da (in) tangibilidade da obra de arte... (Educar em Revista, 2013) traz questionamentos sobre o acesso à experiência da e com a arte, ao abordar as implicações do estabelecimento de espaços da arte como ambientes que, de algum modo, sacralizam e favorecem a relação de poder entre arte e público. Tal leitura permite uma extensão do tema aqui levantado.

inclusive do condicionamento cultural”. A presença previamente contruída estaria vinculada a essa ideia de condicionamento, que determina como recebemos a proposição artística. Embora o tema desta pesquisa ofereça possibilidades de aprofundar a discussão convocada por Hans Ulrich Gumbrecht13 (2010), sobre a criação e manutenção de significados para

as coisas, e as consequências de atribuição de juízo de valor nas relações, a abordagem de presença que esta dissertação contempla está mais direcionada ao que o artista pode produzir e compartilhar14.

Imagem 4- Anotações a partir de leituras do livro Arte como Experiência de John Dewey do dia 02/05/2013.

Fonte: Acervo pessoal

13 Alemão, Professor de literatura da Universidade de Stanford, na California. 14 Discussões de caráter mais explicitamente político, como as que Michel Foucault nos convida, não serão ampliadas nesta dissertação devido à necessidade de estreitar o espaço de operação da pesquisa, no estágio em que se encontra, restringido seu foco a noções de presença na arte que se aproximem da tangibilidade das relações entre artista e público no aqui-agora.

1.2 PERCURSO METODOLÓGICO E SUGESTÕES DE NAVEGAÇÃO