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2 EU NO CAMPO: PERCURSO EPISTEMO-METODOLÓGICO

2.3 Entrevistas

2.3.1 Entrevistadas

Descrevo abaixo minhas entrevistadas, a partir de seus perfis sócio- demográficos, numa tentativa de caracterizar as mulheres que participaram do grupo de discussão que pesquisei, sem perder de vista que as experiências são particulares e os significados que elas assumem são individuais, apesar de levar em consideração, como referido na introdução desta tese, que os processos subjetivos também incluem dimensões normativas, constituídas por saberes e verdades engendradas culturalmente.

                                                                                                               

É importante esclarecer aqui que em respeito ao princípio de sigilo e anonimato que guia a pesquisa com seres humanos, mas em contrapartida, para não tornar este anonimato incongruente em relação ao referencial teórico- metodológico adotado, os nomes das mulheres entrevistadas foram substituídos por nomes fictícios escolhidos por elas mesmas. Assim, suas identidades não foram desconsideradas, à luz do respeito as suas condições de pessoas. Ao escolher o nome que substituiu o seu verdadeiro, as mulheres podem se identificar no texto e se reconhecerem como coautoras (KRAMER, 2002)26.

Ana estava com 29 anos no momento da entrevista, morava no bairro Aflitos

e se considerava espírita. Ela é graduada em medicina e estava fazendo residência médica em pediatria, trabalhando em um hospital público, com uma renda mensal individual de aproximadamente R$2.500 (dois mil e quinhentos reais). Era casada há mais de quatro anos e tinha um filho de um ano, que nasceu quando ela estava com 28 anos. A gravidez foi desejada e, segundo a entrevistada, foi e não foi planejada, porque ela e o companheiro haviam decidido que era o momento de engravidar e

liberaram, mas logo ela iniciou a residência e resolveu voltar atrás no plano de

engravidar, mas, quando se deu conta, já estava grávida. Além do grupo de discussão participante da pesquisa, Ana também frequentou outro. Seu filho nasceu por um parto normal hospitalar.

Camila tinha 32 anos quando foi entrevistada e estava na 27a semana de gestação do segundo filho. O primeiro, que nasceu quando ela tinha 30 anos, estava com dois anos e nasceu por uma cesárea intraparto. Ela morava em Boa Viagem, bairro da zona sul do Recife/PE, era casada há seis anos e, apesar de ter uma origem católica, se identificava com a filosofia espírita kardecista, mesmo sem estar frequentando nos últimos tempos. Camila possuía graduação em jornalismo, era pós-graduada e trabalhava no Exército, o que lhe conferia uma renda mensal em torno de R$7.000 (sete mil reais). A primeira gravidez foi superplanejada e ela frequentou o grupo pesquisado no período. Na presente gravidez, ainda não estava conseguindo acompanhar o grupo assiduamente e, apesar de muito deseja, esta gravidez não tinha sido exatamente planejada.

Carmem estava com 40 anos quando me concedeu a entrevista. Morava nos

Aflitos, mesmo bairro de Ana e trabalhava como servidora pública do Tribunal                                                                                                                

26 As pessoas e instituições citadas por elas durante as entrevistas tiveram seus nomes substituídos por mim, de acordo com a minha avaliação de real necessidade de preservação de anonimato.

Federal, tendo uma renda em torno de R$6.000 (seis mil reais) por mês. Carmem possuía mestrado, estava numa união estável com o pai de seu segundo filho que tem dois anos e nasceu quando ela estava com 38 anos. O primeiro filho, fruto de uma união anterior, tinha cinco anos e nasceu quando ela estava com 34 para 35

anos. A primeira gravidez foi desejada, mas não foi planejada. Apesar de já ter

decidido, junto com o ex-marido, que teriam um filho, ainda não tinham definido o momento. Já o segundo filho, fruto da atual relação, foi planejadíssimo. O primeiro filho nasceu em um parto natural27 hospitalar e o segundo nasceu em um parto normal induzido por pré-eclâmpsia. Na primeira gravidez ela frequentou um grupo de apoio a casais grávidos, pois, nesta ocasião, o grupo pesquisado ainda não existia. Na segunda gestação frequentou os dois grupos, além de participar de outros grupos na internet.

Clarice tinha 29 anos quando foi entrevistada. Morava no bairro de Campo

Grande, possuía pós-graduação e trabalhava como enfermeira obstetra em uma maternidade, o que lhe gerava uma renda pessoal de R$2.700 (dois mil e setecentos reais). Era casada, espírita e tinha uma filha de um ano e quatro meses, nascida quando Clarice estava com 28 anos em um parto normal hospitalar. A gravidez não foi exatamente planejada, porque depois de três anos e meio de tentativas e tratamentos, ela e o marido receberam o diagnóstico de infertilidade e partiram para a adoção, no entanto, quando ela deu entrada nos papéis da adoção, descobriu a gravidez. Sendo assim, apesar de não ter sido planejada, a gravidez foi muito desejada e festejada. Além do grupo pesquisado, frequentou também outro durante a gravidez, mas não com a mesma regularidade.

Julia estava com 32 anos quando me concedeu a entrevista. Morava no

Prado e trabalhava como professora da Universidade Federal de Pernambuco, o que lhe conferia uma renda por volta de R$5.000 (cinco mil reais). Era católica, casada há mais de sete anos, possuía mestrado e uma filha com sete meses, nascida quando Julia estava com 31 anos, em um parto natural hospitalar. A gravidez foi                                                                                                                

27 Aqui vale esclarecer as concepções que circulam nos grupos de discussão pela humanização do parto e do nascimento sobre os diferentes tipos de parto. Assim, parto natural é uma categoria êmica que se refere ao parto que transcorre sem intervenções. O parto humanizado é considerado aquele que cumpre os desejos e/ou necessidades da mulher e de cada parto, desta forma, pode ser, por exemplo, um parto induzido, desde que haja indicação para isso. O parto normal diz respeito ao parto vaginal, com ou sem intervenções, podendo, portanto, ser um parto natural ou um parto padrão, cheio de intervenções de rotina e, comumente, violento. Neste último caso, o parto pode também ser chamado de Frankenstein ou, simplesmente, Frank. A cesárea pode ou não ser considerada parto, pode ser chamada de extração cirúrgica do feto, parto cirúrgico e até de não-parto.  

bastante planejada, tendo, inclusive, demorado para acontecer de acordo com as expectativas de Julia, que frequentou o grupo pesquisado apenas presencialmente.

Maria morava no Espinheiro e tinha 40 anos na ocasião da entrevista. Foi

criada no judaísmo, mas se identifica mais com a parte história, cultural e identitária,

do que com a parte religiosa propriamente dita, refere que não há nenhuma religião até hoje com a qual se identificasse ao ponto de ser praticante. Tem doutorado, e

trabalha num hospital público como médica, coordenando dois setores nele. É obstetra e possui uma renda mensal em torno de R$10.000 (dez mil reais). É casada com o pai da filha mais nova, que estava com quatro anos, tenho nascido quando Maria tinha 36 anos, em um parto normal hospitalar. As outras duas filhas tinham 16 e 12 anos e nasceram quando a entrevista estava com 24 e 28 anos, através de cesáreas. Já passou por quatro perdas e conta que todas as gestações foram planejadas. A sua frequência no grupo se deu muito mais na condição de profissional, quando convidada para alguma participação especial.

Mariana, no momento da entrevista, morava no bairro de Jardim Atlântico, em

Olinda, cidade componente da Grande Recife. Estava com 32 anos, era evangélica, casada há quatro anos, possuía o ensino superior completo, uma especialização em obstetrícia, trabalhava como enfermeira obstetra em um hospital particular de Recife/PE e fazia bico como doula ou com orientação para o aleitamento materno. Sua renda mensal individual girava em torno de R$2.000 (dois mil reais) e a familiar em torno de R$7.000 (sete mil reais). Tinha duas filhas, uma de dois anos e cinco meses e outra de três meses, nascidas quando ela tinha 29 e 32 anos. A primeira nasceu por meio de cesárea, após 14 horas de trabalho de parto e a detecção de batimentos cardíacos não tranquilizadores do feto. A segunda nasceu em um parto domiciliar. As gravidezes não foram planejadas, na primeira, apesar disso, a notícia foi recebida com felicidade pela mãe, que também curtiu a gravidez, já a segunda, devido à experiências de parto anterior, interferências negativas no casamento e modificações corporais, a notícia da gravidez foi recebida com tristeza. Frequentou o grupo pesquisado nas duas gravidezes, mas com pouca regularidade. Na segunda, frequentou também outro grupo.

Rita tinha 41 anos na ocasião da entrevista. Morava nas Graças, possuía

ensino superior, era servidora pública do Ministério Público Federal e tinha uma renda de R$ 5.000 (cinco mil reais) mensais. Rita disse que não seguia uma religião oficial, mas que tinha religiosidade, procurava ler muito e se informar sobre filosofias

e ideologias religiosas. Portanto, se fosse necessário, se denominaria universalista.

Já havia passado por uma união estável com o pai dos filhos, mas estava solteira. Era mãe de uma menina de quatro anos e meio e de um menino de um ano e meio, que nasceram quando ela estava com 37 e perto de fazer 40, por uma cesárea e por um parto natural hospitalar, respectivamente. Entre uma gravidez e outra, Rita sofreu a perda de um bebê na 31a semana de gestação, que nasceu por um parto normal induzido. Nenhuma de suas gravidezes foram planejadas, mas sempre recebidas com alegria. Na primeira delas frequentou um grupo de apoio ao parto ativo na cidade onde morava na época. Nas outras duas, além do grupo pesquisado, frequentou um outro.

Roberta, quando foi entrevistada, havia se mudado há pouco tempo para

Caruaru, cidade no agreste do estado de Pernambuco, situada a 130km da capital. Estava com 27 anos, era cristã protestante, possuía uma pós-graduação incompleta e trabalhava em casa, fazendo cupcakes para vender, o que lhe gerava uma renda por volta de R$1.000 (mil reais) mensais. Disse que estava casadíssima e feliz, grávida de sete semanas da/o segunda/o filha/o. A primeira, nascida quando ela tinha 26 anos, estava com um ano e meio. A gravidez foi bem planejada, decidiu engravidar depois de três anos de casamento, e passou nove meses tentando. Teve um parto normal induzido sob a justificativa de pré-eclâmpsia, frequentou o grupo pesquisado, presencialmente e virtualmente, e também outros grupos de discussão virtual.

Rosa tinha 36 anos e duas crianças. Um menino de três anos e dez meses e

uma menina de quatro meses, que nasceram quando a mãe estava com 32 e 35 anos. Antes destas, teve uma gravidez que resultou num aborto espontâneo. As gravidezes foram planejadas, com exceção da segunda, que deu origem ao primeiro filho, porque após a perda, decidiram esperar um pouco mais para engravidar de novo, mas, na verdade, não esperaram. Ela não tinha religião específica, diria que é

espiritualista, era casada e morava com a família em Aldeia, bairro de Camarajibe,

cidade da grande Recife/PE. Possuía mestrado e trabalhava na prefeitura do Recife/PE como médica, o que lhe garantia uma renda mensal em torno de R$6.500 (seis mil e quinhentos reais). Frequentou dois grupos de apoio ao parto ativo durante as gravidezes e teve dois partos domiciliares, sendo que o último deles foi desassistido, porque ninguém que estava previsto para acompanhar conseguiu chegar a tempo.

Depois de apresenta-las individualmente, gostaria de destacar que a maioria das entrevistadas referem ter planejado as gestações, afirmam estar em uniões estáveis e não ter religião definida. Todas eram graduadas, possuíam acesso à internet e rendas individuais, o que garantia que elas não fossem dependentes financeiramente. Nenhuma delas recorreu ao SUS para a assistência a seus partos e a maioria arcou com os custos do acompanhamento ao pré-natal e ao parto através da junção de recursos próprios e do uso dos planos de saúde, estes, quase sempre, para a cobertura hospitalar e/ou de outras especialidades médicas, tais como anestesista e neonatologista. Houve casos também nos quais a assistência foi garantida a partir de outros tipos de trocas com a equipe profissional, como por exemplo o acompanhamento gratuito ao parto como parte do projeto da Parteria Urbana (descrito no capítulo 1) ou o acompanhamento gratuito por conta de relações de amizade.

Quadro 01: Mulheres entrevistadas

Mulher Idade Situação afetiva

Grau de instrução

Trabalho Renda Filhas/os Partos

Ana 29 Casada Residência

médica em andamento Médica R$ 2.500 1 Normal hospitalar Camila 32 Casada Pós- graduação Exército R$ 7.000 1 + grávida do 2o Cesárea intraparto

Carmem 40 Casada Mestrado Servidora

pública

R$ 6.000 2 Natural

hospitalar + normal hospitalar

Clarice 29 Casada Graduação Enfermeira

obstetra

R$ 2.700 1 Normal

hospitalar

Julia 32 Casada Mestrado Professora

da UFPE

R$ 5.000 1 Natural

hospitalar

Maria 40 Casada Doutorado Médica

obstetra

R$10.000 3 2 cesáreas

+ normal hospitalar

Mariana 32 Casada Graduação Enfermeira

obstetra

R$ 2.000 2 Cesárea +

natural domiciliar

Rita 41 Solteira Graduação Servidora

pública

R$ 5.000 2 Cesárea +

natural hospitalar

Roberta 27 Casada Graduação Dona de

casa + venda de cupcakes R$ 1.000 1 + grávida da/o 2a/o Normal hospitalar

Rosa 36 Casada Mestrado Médica R$ 6.500 2 Naturais

Os locais em que moram são, de acordo com dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicados pela Prefeitura da cidade do Recife/PE28, majoritariamente composto por brancos ou pardos, com níveis de alfabetização da população com dez anos ou mais acima de 97% (noventa e sete por cento), e com rendimento nominal mensal a partir de R$1.000 (mil reais) por domicílio29. A média de moradores por domicílio não chega a quatro em nenhum dos bairros e quase sempre a mulher é a responsável pelo domicílio.

Tendo em vista essas informações, bem como aquelas constantes nas fichas preenchidas pelas mulheres ao comparecer a uma reunião do grupo pesquisado, estou inclinada a afirmar que esta pesquisa se refere a camadas médias. De acordo com Gilberto Velho (2008), a realização de pesquisa nesse segmento social contribui para a compreensão de como sistemas simbólicos operam em nossa sociedade, bem como as redes de significados que compõem as relações e permitem a comunicação entre diferentes segmentos sociais. Assim como salientado por este autor, foi possível notar entre as mulheres que participaram desta pesquisa uma forte ênfase na família nuclear e a definição de uma trajetória condizente com projetos individuais.

Vale destacar também que, assim como Tânia Salem (1986) alude em relação às pesquisas com camadas médias, para minhas interlocutoras, a temática familiar assume contornos bastante relevantes na estruturação da visão de mundo. Ademais, é fundamental levar em conta que critérios socioeconômicos não dão conta das lógica simbólica e padrões éticos, nem das divergências entre visões de mundo e ethos neste segmento social. Existem fronteiras simbólicas que delimitam diferentes formas de identificação nas camadas médias, onde não é possível (nem necessário) observar uma unidade, na medida em que há uma condição plural expressa pela coexistência de múltiplos códigos culturais. Nesta perspectiva, a identificação como parte deste segmento aponta para a relação com outras identidades sociais, demarcadas por fronteiras simbólicas e experiências sintetizadoras que condensam uma visão de mundo, as regras que constituem a moralidade do grupo e um tipo específico de ethos a quem adere a suas práticas,                                                                                                                

28 Para mais informações consultar http://www2.recife.pe.gov.br/a-cidade/perfil-dos-bairros/

29 É importante lembrar que o valor do salário mínimo no Brasil no ano de 2011 era de R$ 545 (quinhentos e quarenta e cinco reais) e no ano de 2012 era de R$ 622 (seiscentos e vinte e dois reais).

como é o caso das mulheres que desejam ter um parto humanizado. Nesta perspectiva, para além de uma demarcação quanto à camada social a qual estas mulheres pertencem, dado a diversidade que as caracteriza, é interessante situá-las como detentoras de capital cultural, como argumentado por Carneiro (2011).