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2 EU NO CAMPO: PERCURSO EPISTEMO-METODOLÓGICO

2.1 Etnografia no grupo de discussão pela humanização do

2.1.1 O grupo

Para a realização desta pesquisa, foi escolhido um dos grupos de discussão pela humanização do parto e do nascimento existentes em Recife/PE. O grupo foi fundado por três mulheres que, a partir de suas experiências com partos (duas delas

com partos humanizados e uma com uma história de cesárea desnecessária), alimentaram o desejo de dividir suas experiência e conhecimentos com outras mulheres, para que elas tivessem histórias mais autorais para contar sobre seus partos. Duas delas tinham acabado de fazer um curso de doula17 e se deram conta de que, na época, não havia nenhum grupo de discussão pela humanização do parto e do nascimento e de apoio à amamentação em Recife/PE com um direcionamento regido pela Medicina Baseada em Evidências (MBE), bem como não havia nenhum destes grupos em uma região específica da cidade, onde começou a acontecer seus encontros, em setembro de 2007. Depois desse primeiro grupo, foram fundados, no decorrer dos anos, outros com o mesmo nome, que posso chamar aqui de filiais, em dez cidades do Brasil. O anonimato do grupo será mantido, em respeito à decisão tomada pela coordenação geral (que envolve não apenas o grupo de Recife/PE), depois de uma consulta minha sobre o assunto com as coordenadoras locais.

A escolha por este grupo se deveu ao fato de que eu comecei a frequentá-lo em 2010, na ocasião de minha primeira gestação. Com isto, já havia estabelecido boas relações com a coordenação, já fazia parte da lista virtual de discussão, o que facilitaria meu acesso às informações e debates veiculados no grupo. Sendo assim, a pesquisa de campo foi realizada nos anos de 2010, 2011 e 2012. Além desse, existiam, durante a realização de minha pesquisa de campo, funcionando regularmente, outros dois grupos de discussão pela humanização do parto e do nascimento voltados para mulheres/casais grávidos no Recife/PE e região metropolitana. Havia ainda um grupo que funcionava sem uma constância determinada e outro em vias de ser iniciado quando minha inserção no campo estava por ser findada18.

O grupo participante desta pesquisa promovia dois ou três encontros presenciais mensais, a depender da quantidade de semanas do mês. Estes encontros eram gratuitos e aconteciam sempre aos sábados, durante a manhã, com duração prevista de três horas. No entanto, era comum ocorrerem atrasos para o início da reunião e extensões ao final. Além disso, após concluída a sessão, as mulheres grávidas ou casais costumavam procurar as coordenadoras para tirar                                                                                                                

17 Profissionais que dão suporte físico e emocional durante a gravidez, parto e pós-parto, exercendo uma função de orientação e apoio.

dúvidas ou conversar sobre assuntos pertinentes à gravidez e parto ou, quando não com as coordenadoras, algumas/alguns frequentadoras/es permaneciam conversando entre si, de modo que os encontros geralmente excediam as três horas previstas.

Ao início de meu contato com o grupo, os encontros aconteciam no playground do prédio de uma das coordenadoras e, logo depois, foram transferidos para um estabelecimento comercial situado no centro da cidade. Neste local, inicialmente e em algumas outras situações especiais, as reuniões ocorriam no auditório, mais especificamente, no espaço reservado para palco do auditório, onde as/os frequentadoras/es poderiam sentar no chão, em uma disposição circular. Entretanto, a maioria dos encontros que ocorreram durante minha pesquisa de campo, foi num espaço deste estabelecimento chamado de mezanino, onde os artigos a venda também estavam expostos e, por conseguinte, havia circulação de pessoas. O que delimitava o local destinado ao grupo eram os emborrachados colocados no chão, onde as/os participantes podiam se acomodar em círculo.

A quantidade de participantes variava muito. Já acompanhei reuniões com três participantes e outras com mais de vinte, mas a maior parte delas acontecia com dez a quinze pessoas. Na primeira vez que uma gestante chegava ao grupo, era solicitado que esta preenchesse uma ficha com itens que contemplavam uma breve descrição sócio-demográfica, desejos e expectativas em relação à gravidez presente, informações básicas sobre esta gravidez, modo como chegou até o grupo, dentre outras. A partir da leitura de tais fichas referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, período em que a pesquisa de campo foi efetuada, conclui que 77 (setenta e sete) mulheres visitaram o grupo, independente de terem mantido frequência. A partir da contagem das informações preenchidas na ficha, 61 (sessenta e uma) gestantes estavam esperando a/o primeira/o filha/o, quatro já tinham passado por um parto normal e nove por cesarianas. As idades variaram entre 22 e 42 anos, e as profissões mencionadas foram, em ordem de quantidade: servidora pública, administradora, estudante, professora, arquiteta, bióloga, jornalista ou publicitária, dentre outras. Apenas duas fichas não contavam o preenchimento do campo profissional. O espaço para colocar o nome do companheiro foi preenchido por 73 (setenta e três) mulheres e deixado em branco por quatro. Isso não indica, necessariamente, uma união estável. Apesar de ter notado, durante minha inserção no campo que a maioria das mulheres estavam em uniões estáveis, havia situações

de namoro e outras formas de relacionamentos, o que me fez supor que algumas mulheres responderam no campo dedicado ao nome dos companheiros, colocando o nome do pai de seus filhos. Uma coisa que saltou como comum a todas/os frequentadoras/es do grupo foi o acesso à internet. Este, inclusive, tem sido um veículo privilegiado de comunicação e pesquisa entre as mulheres que querem parir diferente da maneira corriqueira no Brasil.

As reuniões presenciais eram facilitadas por uma ou mais das três coordenadoras do grupo e os temas eram definidos com antecedência, divulgados no encontro precedente, no blog do grupo e por meio de convite virtual enviado aos e-mails das cadastradas e giravam em torno da gravidez, parto e amamentação. Abaixo estão especificados todos os temas trabalhados nas reuniões no período em que realizei minha pesquisa de campo:

• Amamentação;

• Cuidados com o bebê;

• Mitos da gestação e do parto;

• Procedimentos com o recém-nascido;

• Atenção ao parto no Brasil – discussão do filme Nascendo no Brasil; • Últimos dias;

• A dor do parto; • A cesárea;

• Fisiologia do parto; • O plano de parto;

• Recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS); • Tipos de parto;

• O pós-parto;

• Intervenções no trabalho de parto e parto; • A doula;

• Relatos de parto;

• Higiene e sono dos bebês; • O parto domiciliar;

• Direitos da gestante; • A volta ao trabalho.

Estes temas eram trabalhados em ciclos, que se repetiam periodicamente, sem obedecer a uma ordem específica. Ou seja, cada dia era dedicado a um tema e, portanto, cada dia se encerrava nele mesmo, não havia um necessário encadeamento entre os assuntos trabalhados ou uma continuidade que exigisse a frequência ininterrupta. A par do tema que seria abordado, a/o participante poderia optar por ir ou não para o encontro, de acordo com seu interesse.

Além dos temas fixos citados acima, ocorreram algumas participações de convidadas/os para tratar questões específicas, tais como: ‘dança com gestantes’ conduzido por uma bailarina; ‘preparando o corpo e a mente para o parto’ conduzido por uma professora de pilates e ioga; divulgação da campanha ‘pai não é visita’ conduzido por um representante da instituição responsável; e a minha participação para expor aspectos relacionados à minha pesquisa. Também eram comemorados, a cada ano, o aniversário do grupo, com alguma proposta diferencial, tal como troca de brinquedos, doação de vidros para congelamento de leite materno etc.

No decorrer de minha pesquisa, aconteceu, por duas vezes, a alteração de uma das coordenadoras do grupo, mas este, a meu ver, manteve as mesmas características de abordagem aos temas e organização das atividades. O direcionamento dado às questões, de forma geral, tinham como principais referências as recomendações da OMS, do Ministério da Saúde (MS) e, por conseguinte, seguiam os preceitos da Medicina Baseada em Evidências (MBE). Isto fica ainda mais claro quando, mais recentemente, quando já havia me afastado do campo e me recolhido para me dedicar ao processo de análise dos dados e escrita da tese, após mais duas alterações na coordenação do grupo, foram incluídas, junto as outras referidas anteriormente, as seguintes temáticas: Parir é renascer; Empoderamento e protagonismo; Gestação, parto e simbiose; Os bloqueios emocionais e suas interferências no processo de parto. Considero a assunção destas temáticas um marco para o grupo, que parece, a partir delas, ter adotado uma abordagem mais psicologizante em relação ao processo da gravidez e parto. Talvez esta nova roupagem assumida invalide a descrição do grupo feita por uma das coordenadas enquanto eu ainda estava em campo, distinguindo-o dos outros em Recife da seguinte forma:

Durante o encontro de hoje, em resposta a um dos participantes que perguntaram sobre os grupos para casais grávidos existentes na Grande Recife/PE, uma das coordenadoras sintetizou as características e diferenças entre eles da seguinte forma: o seu grupo tinha uma pegada mais informativa, com um viés da Medicina Baseada em Evidências. O

segundo tinha uma condução mais vivencial. O terceiro tinha como

referência as parteiras tradicionais. (Notas de campo, 2012)19