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outras, o que se encontra também nos Escritos sobre a graça1 e na Conversa com

o Sr. de Sacy (ver 14.2.3). Uma outra questão relacionada com a classificação dos erros teológicos é aquela da “quantificação” no método dos indivisíveis de Pascal, na qual “pequenas porções” e diferenças aparecem em comparações (ver 8e 12, em especial 12.3). Poderemos assim dizer que Pascal aprofunda a comparação dos erros e das diferenças, tanto em suas matemáticas quanto em seu pensamento religioso: após a Queda, o homem está numa condição de pecado que é desvio e falta; contudo, pode-se dizer que certos erros são mais graves do que outros, e fazer comparações entre eles (Provinciais), assim como comparar a desproporção entre Deus e o homem a outras desproporções (principalmente nos Pensamentos), como veremos adiante.

2.3

A equivalência das desproporções

Não se trata simplesmente de dizer que a desproporção existe para Pascal, mas que nem todas as desproporções são equivalentes. No Espírito Geométrico, ele escreve àqueles que tem dificuldade a conceber uma infinidade de indivisíveis no espaço, o qual “se percorre em tão pouco tempo”:

E, para aliviá-los das dificuldades que teriam em certas situações, como em conceber que um espaço tenha uma infinidade de divisíveis2, visto que

são percorridos em tão pouco tempo, durante o qual se teria percorrido essa infinidade de divisíveis3, é preciso adverti-los de que não devem

comparar coisas tão desproporcionais como a infinidade dos divisíveis com o pouco tempo em que são percorridos; mas que comparem o espaço inteiro com o tempo inteiro e os infinitos divisíveis4 do espaço com os

infinitos instantes desse tempo; e assim descobrirão que se percorre uma infinidade de divisíveis5numa infinidade de instantes e um pequeno espaço

num pequeno tempo; nisso eles não mais encontram a desproporção que lhes havia espantado. (OC III, p. 406; trad. Pascal 2017, pp. 54-55) A “desproporção que lhes havia espantado”, diz Pascal, é fruto apenas de uma mal compreensão da natureza dos indivisíveis e de suas relações. É também assim que “se vê como há pouca razão em comparar a relação que há entre a unidade e os números àquela que há entre os indivisíveis e a extensão” (OC III, p. 409; trad.

Pascal 2017, p. 58).

1Por exemplo em OC III, p. 570 sq.

2O copista do manuscrito de Saint-Beuve (que reproduziria o manuscrito do Abade Périer

segundo Mesnard, OC III, p. 361) havia escrito primeiro “d’indivisibles”, para em seguida riscar o início e escrever “de”, formando “de divisibles” (p. 61r do manuscrito). Acreditamos que para guardar o sentido da frase deve-se compreender aqui “infinidade de indivisíveis”.

3Mesmo caso que a nota precedente.

4Aqui o copista do manuscrito de Saint-Beuve acrescenta o prefixo in-. 5Ainda “d’indivisibles” riscado.

Para fazer uma comparação justa aqui, Pascal, que defende a liberdade das definições no Espírito Geométrico, propõe mudar uma definição de Euclides. Para este, a unidade não era um “número’, pois o número era definido como uma “quantidade composta de unidades”1. Entretanto, diz Pascal, a unidade é homogênea aos números

(sendo multiplicada, ela pode ultrapassá-los). Nada impede então de definir a unidade como sendo também um número, e de reservar o lugar de equivalência com o indivisível a outro elemento aritmético: o zero. “Caso se queira fazer nos números uma comparação que representa com justeza o que consideramos na extensão, é preciso que seja a relação do zero com os números” (OC II, pp. 409-410; trad. Pascal 2017, p. 59). O zero é com efeito heterogêneo aos números, o que é equivalente à heterogeneidade entre o indivisível e a extensão (ver o capítulo 7).

Quer dizer que Pascal se autoriza a fazer “comparações” entre “relações” (rapports) que são impossíveis segundo o critério de Euclides que ele lembra logo antes no

Espírito Geométrico (a saber, que uma relação pode existir apenas entre grandezas

homogêneas), mas que são contudo relações no sentido estendido de uma relação de heterogeneidade2. Eis a abertura operada para uma analogia de desproporção.

Quanto ao estatuto desta reflexão, se poderia pretendê-la simplesmente “retórica”; mostraremos, contudo, que ela tem implicações filosóficas importantes.

As desproporções podem ser maiores ou menores umas que as outras; elas podem também ser comparadas de maneira “quantitativa”. Em Sel. 757, Laf. 930, Pascal questiona a razão pela qual Deus estabeleceu a oração. Às possíveis razões de que Deus o faria para comunicar às suas criaturas a dignidade da causalidade, para nos ensinar de quem vem a virtude ou para nos fazer merecer as outras virtudes pelo trabalho, se poderia objetar: “mas acreditar-se-á que se tem de si mesmo a oração”. A isto, Pascal responde: “Isso é absurdo. Pois já que, tendo a fé, não se pode ter as virtudes, como se terá a fé? Haveria mais distância entre a infidelidade e a fé do que entre a fé e a virtude?”. Este tipo de comparação se aproxima do raciocínio a

fortiori (ver 5.2), e é importante para a relação trevas-luz na Revelação.

Sel. 690, Laf. (438 - 450) é um fragmento importante, guiado por uma estrutura binária, tanto pela caracterização da religião cristã quanto por aquela dos erros associados a ela. Com efeito, “a religião cristã consiste em dois pontos” (Sel. 690, Laf. 449):

Ela ensina pois conjuntamente aos homens essas duas verdades, tanto que há um Deus de que os homens são capazes, quanto que há uma corrupção na natureza que os torna indignos dele. Importa igualmente aos homens conhecer um e outro desses pontos; e é igualmente perigoso para o homem conhecer a Deus sem conhecer a própria miséria, e conhecer a própria miséria sem conhecer o Redentor que pode curá-lo dela. Um só desses conhecimentos faz, ou a soberba dos filósofos, que conheceram a Deus e

1Livro VII, def. 2. Trad. I. Bicudo, emEuclides(2009).

2.3 A equivalência das desproporções 63

não a sua miséria, ou o desespero dos ateus, que conhecem a sua miséria

sem o Redentor. (Sel. 690, Laf. 449)

O paralelismo neste caso é claro: é “igualmente perigoso” aceitar apenas uma dessas verdades ou aceitar apenas a outra. Sobre aqueles que ignoram a essência do cristianismo, Pascal escreve:

[Eles] imaginam que ela [a religião cristã] consiste simplesmente na ado- ração de um Deus considerado grande, e poderoso e eterno, o que é propriamente o deísmo, quase tão afastado da religião cristã quanto o ateísmo, que lhe é totalmente contrário. (Sel. 690, Laf. 449) As duas faltas com relação ao cristianismo não são simétricas, mas na verdade uma está “quase” tão afastada da religião cristã quanto a outra. Esta “quantificação” da distância mostra bem que há uma precisão nas comparações de Pascal: se uma coisa pode estar “quase tão afastada” (presque aussi éloignée) de uma segunda quanto uma terceira, ela pode também estar “tão distante” (aussi éloignée) de uma segunda quanto uma terceira o está1.

Sel. 690, Laf. (438 - 450) não se reduz entretanto a este paralelismo, pois a religião cristã é centrada sobre o “mistério do Redentor, o qual, unindo nele as duas naturezas, humana e divina, retirou os homens da corrupção e do pecado para reconciliá-los com Deus em sua pessoa divina” (Sel. 690, Laf. 449). Esta “reconciliação” será o objeto da parte III deste trabalho.

Pascal, como anunciamos, identifica não apenas desigualdades entre desproporções, mas também “equivalências” de desproporções. Quer dizer que, em acordo com nossa formulação da analogia de desproporção, duas coisas são tão distantes uma da outra quanto duas outras (ao contrário do caso no qual uma das distâncias é maior do que a outra).

Consideremos como exemplo a polêmica de Pascal com o Pe. Noël sobre a existência do vácuo. O Pe. Noël pretende que o espaço que fica no tubo de vidro das experiências relacionadas à pressão do ar é um corpo, o que é negado por Pascal. Para este, os acidentes alto, baixo, direita e esquerda pertencem ao espaço, e não convêm ao corpo enquanto este é espaço. Para os autores evocados por Noël, o corpo é aquilo que é composto de matéria e de forma. Quanto ao espaço vazio, diz Pascal, ele é um espaço “tendo comprimento, largura e profundidade, imóvel e capaz de receber um corpo de mesmo comprimento e figura”. Quer dizer que esses acidentes que são as dimensões de um espaço definem qual corpo pode estar situado nele, mas não confundem o espaço e o corpo. É assim que Pascal escreve ao Pe. Noël:

De maneira que a diferença essencial que se encontra entre o espaço vazio e o corpo que tem comprimento, largura e profundidade, é que

1Pascal escreve ainda que o ateísmo e o deísmo “são duas coisas que a religião cristã abomina

um é imóvel e o outro imóvel; e que um pode receber dentro de si um corpo que penetre as suas dimensões, enquanto o outro não o pode; pois a máxima de que a penetração de dimensões é impossível se entende somente das dimensões de dois corpos materiais; de outra maneira ela não seria universalmente aprovada. De onde se pode ver que há tanta diferença [il y a autant de différence] entre o nada e o espaço vazio quanto do espaço vazio ao corpo material, e que assim o espaço vazio mantém o

meio entre a matéria e o nada. (OC II, p. 526)

O espaço vazio não poderia ser o nada para Pascal. Para ele, o espaço vazio o é relativamente às espécies sensíveis que se conhece, e ele guarda suas dimensões, não sendo o nada. Há, assim tanta diferença entre o nada e o espaço vazio quanto

do espaço vazio ao corpo material: pode-se comparar a diferença do espaço vazio

a um corpo material àquela do nada ao espaço vazio, naquilo que caracteriza uma analogia de desproporção (há tanta diferença entre ... e ... quanto entre ... e ...). Se o espaço vazio compartilha com o nada o fato de não ter matéria (ao menos naquilo que é sensível ao homem), ele tem em comum com o corpo material o fato de possuir dimensões, não sendo absolutamente indeterminado como o nada. Esta comparação situa então o espaço vazio no meio (milieu)1 do nada e do corpo material: se vê como

a analogia de desproporção pode, a despeito das diferenças que ela explicita, fazer aparecer a categoria de estar no meio2.

Vimos que Pascal procede tanto por comparações de desigualdade de despropor- ções (e de diferenças, mais geralmente) quanto pela comparação de suas equivalências. Mas que dizer da passagem do fragmento Infini rien (Sel. 680, Laf. 418) que ha- víamos evocado? Que se deve compreender quando se lê que “não há tão grande desproporção entre a nossa justiça e aquela de Deus senão entre a unidade e o infinito”?

Para tratar esta questão, a forma da analogia de desproporção apresentada aqui deverá ser ainda enriquecida, levando em conta dois aspectos fundamentais: a desproporção no caso das comparações com o infinito, e a questão da relação entre as semelhanças e as dessemelhanças3. Para isso, será necessário por um lado se debruçar

sobre os textos de Pascal que fazem aparecer a complexidade da questão, em especial o que está em jogo com o infinito e sua comparabilidade com o finito (o que se fará ao longo de todo este trabalho). Por outro lado, será necessário discutir em maior detalhe as características da própria analogia, já que propomos a forma de analogia

1Retomaremos a noção de milieu em14.3.2.

2Na carta a Le Pailleur, Pascal retoma o assunto, escrevendo que ele deu ao Pe. Noël esta

definição, “où il peut voir que la chose que nous concevons et que nous exprimons par le mot d’espace vide tient le milieu entre la matière et le néant, sans participer ni à l’un ni à l’autre; qu’il diffère du néant par ses dimensions, et que son irrésistance et son immobilité le distinguent de la matière: tellement qu’il se maintient entre ces deux extrêmes, sans se confondre avec aucun des deux” (OC II, p. 563-564).

2.3 A equivalência das desproporções 65

de desproporção, a qual, embora sendo uma inversão da analogia clássica, não deixa de ser uma analogia (o que se fará nas próximas seções). É por meio desta última discussão que proporemos um aprofundamento da questão filosófica da analogia de desproporção nos capítulos5, 6e 7.

Capítulo 3

Comparação, analogia e metáfora

A que compararemos o reino de Deus, e por qual parábola o representaremos?

Mc 4, 30

Por que falamos de “analogia” para Pascal ao invés de “metáfora”? Por que escolhemos o termo ”comparação” para designar a generalidade dos procedimentos linguísticos estudados neste trabalho? Quais são as relações precisas entre com- paração, metáfora e analogia? No que se segue, levantamos algumas das questões clássicas sobre o assunto, sem pretender fechar o debate, mas simplesmente para contextualizar as formas de comparação que propomos.

O que é uma comparação? A palavra pode ser compreendida no século XVII francês como a “ação de aproximar duas ou mais coisas para determinar seus pontos de semelhança e de dessemelhança”1, ou como a “conferência, relação de duas coisas

colocadas uma diante da outra, para ver em que elas convêm ou diferem”(Furetière). A comparação parte então da “conferência”2: colocar uma coisa diante de outra3. É

a partir deste colocar “face a face” que se pode determinar os aspectos de semelhança e de dessemelhança que estarão presentes.

Nas matemáticas, a “comparação” pode ser compreendida em vários sentidos: as razões (entre números ou entre grandezas), as proporções, as equações, as igualdades

1Godefroy, F. Dictionnaire de l’ancienne langue française et de tous ses dialectes du IXe au XVe

siècle. Paris: Vieweg, 1881.

2M. Fumaroli situa “L’Art de conférer”, de Montaigne (Essais, III, 8), e “L’Art de persuader”

de Pascal em um mesmo contexto retórico. Ele nota (em Pascal 2001, p. 12) que, no francês,

conférence se relaciona ao mesmo tempo a conversation e a comparaison.

3“Mas o que é uma comparação? Comparar pode ser colocar juntas duas coisas para lhes deixar

operar conjuntamente; pode ser também apreciar sua semelhança; ou, ainda, apreender certos aspectos de uma através da presença conjunta da outra (...)” (Ricoeur 1975, p. 107). A noção de comparação como conferência se relaciona, como vimos, a colocar duas coisas juntas. Quanto à semelhança, ela será tratada na seção6.

podem todas ser consideradas como formas de comparação1.

Entretanto, nem todas as razões podem ser conhecidas. Trata-se de questões já tratadas nas matemáticas gregas antigas: em especial, aquela da incomensurabilidade e aquela da impossibilidade da quadratura do círculo2.

A “comparação” de curvas e de áreas aparece igualmente no método dos indivisí- veis de Amos Dettonville3. Se a área da cicloide era uma questão desde o início do

concurso lançado por Pascal em 1658, um outro resultado que coloca em relação o círculo e a reta apareceu no meio do concurso: a retificação da cicloide, quer dizer, a determinação de seu comprimento, pelo arquiteto inglês C. Wren. Na Histoire de la

roulette, Pascal escreve:

Mas entre todos os escritos que se recebeu deste tipo, não há nada de mais belo do que aquele que foi enviado pelo Sr. Wren. Pois além da bela maneira que ele dá de medir o plano da roulette [cicloide], ele deu a

comparação da própria linha curva, e de suas partes, com a linha reta.

Sua proposição é que a linha da roulette é quadrupla de seu eixo, da qual ele enviou a enunciação sem demonstração. E como ele foi o primeiro que a produziu, é sem dúvida a ele que a honra da primeira invenção

pertence4. (OC IV, p. 221; grifos nossos)

Se lê nesta passagem a palavra “comparaison”, no francês, e comparatio, no latim, para fazer referência à relação entre o comprimento da cicloide e o diâmetro do círculo gerador, descoberta por Wren: aquela é quatro vezes este5. Pelo momento,

ressaltemos o fato de que a retificação é uma das formas possíveis de comparação entre o curvo e o retilíneo, questão que trataremos em 10, em especial quanto à retificação da cicloide (ver 10.4).

Mas quais são os limites daquilo que pode ser comparado?

Nos Escritos sobre a graça, encontramos a imagem de um homem puxado por correntes de ferro por dois amigos, de cada um de seus lados, proposta como uma

1São testemunho disso as definições de Ozanam, em seu Dictionnaire mathématique ou idée

générale des mathématiques, 1691, do qual apresentamos alguns exemplos: “La raison en nombres

est la comparaison qu’on fait de deux nombres par rapport à leur quantité” (p. 41). “L’équation est la comparaison que l’on fait de deux grandeurs inégales, appelées Membres de l’équation, pour les rendre égales” (p. 67). “L’égalité est la comparaison de deux grandeurs égales en effet & en lettres: comme abŽ ab. De l’Équation on vient à l’Égalité en changeant une lettre inconnuë en une autre qui rend égaux les deux membres de l’Équation” (p. 67).

2Mais perto temporalmente de Pascal,Maurolico (1554) escreve: Ignota esse arcus ad chordam,

periferiae ad circulum, circuli ad rectilineum, cylindricae conicaeve scalenae superficiei ad basim, sphaeralis triangulae superficiei ad totam sphaericam, et multorum ad multa proportio. Unde non dubito huiusmodi rationes in numero incognitarum ponendas esses.

3Lembremos que Pascal publica seu método dos indivisíveis sobre este nome. 4Na versão em latim do texto, lê-se comparationem (OC IV, p. 230).

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comparação ao estado do homem entre a graça e a cupidez. Pascal constata entretanto que “esta comparação explica aproximadamente seu estado, mas não perfeitamente, pois é impossível encontrar na natureza algum exemplo, ou alguma comparação que convenha perfeitamente às ações da vontade” (OC III, p. 706). Quer dizer que há uma impossibilidade inerente de comparação para este caso: reencontramos a questão essencial sobre a possibilidade de uma linguagem própria para predicações sobre o divino1.

Em um fragmento no qual se entende que Jesus Cristo fala ao homem, Pascal escreve:

Não te compares aos outros, mas a mim. Se não me encontras naqueles a quem te comparas, estás te comparando a um abominável.

Se neles me encontras, compara-te com eles; mas o que estarás compa- rando? A ti mesmo ou a mim em ti? Se é a ti, é um abominável; se é a mim, comparas-me comigo mesmo. Ora, eu sou Deus em tudo2.

(Sel. 756, Laf. 929) O fragmento mostra a dificuldade de saber a quem o homem deve se comparar – e como é que ele pode se comparar ao Cristo. A ausência de comparabilidade entre o homem e Deus é também uma ausência de relação (rapport) entre os dois: “Vejo o meu abismo de orgulho, de curiosidade, de concupiscência. Não há nenhuma

relação entre mim e Deus, nem entre mim e Jesus Cristo justo” (Sel. 751, Laf. 919). Essas linhas de Pascal poderiam levar o leitor ao desespero. Mas, como sempre, Pascal apresenta um outro lado da balança, e escreve as seguintes palavras saindo da boca de Jesus no mesmo fragmento: “Consola-te. Não me buscarias se não me tivesses encontrado” (Sel. 751, Laf. 919)3. Com efeito, desproporção, ennui e miséria

do homem serão, para Pascal, “contrapesados” pela grandeza do homem e pela possibilidade da salvação – a qual é impossível sem passar pelo Cristo.

Pascal busca aqui um equilíbrio, assim como no que diz respeito à comparabilidade: É necessário que haja desigualdade entre os homens, isso é verdade. Mas, uma vez aceito isso, eis a porta aberta, não somente à mais alta dominação mas à mais alta tirania.

1Para o caso em questão nos Escritos sobre a graça, Pascal explica que esta “comparação não

poderia ser justa senão no caso em que esta mesma corrente que puxa um homem de um lado, tivesse a força de levar a sua vontade a um prazer vitorioso que lhe fizesse também infalivelmente amar aquele que lhe puxa, de maneira que sua corrente puxasse infalivelmente seu corpo: e então a imobilidade do corpo entre essas duas correntes que o retêm seria uma imagem perfeita da imobilidade da vontade entre duas deleitações iguais” (OC III, pp. 706-707), de maneira que a comparação a um elemento físico (a corrente) não poderia ser perfeita aqui.

2A tradução deste fragmento é particularmente complexa. “Ne te compare point aux autres,

mais à moi. Ils ne sont pas Si tu ne m’y trouves pas dans ceux où tu te compares tu te compares à un abominable. Si tu m’y trouves, compare-t-y; mais qu’y compareras-tu? Sera-ce toi ou moi dans toi? Si c’est toi c’est un abominable, si c’est moi tu compares moi à moi. Or je suis Dieu en tout”.

É necessário relaxar um pouco o espírito, mas isso abre a porta aos maiores abusos.

Que se marquem os limites. Não há limites nas coisas. As leis querem colocá-los, e o espírito não pode suportá-los. (Sel. 458, Laf. 540)

Não há limites nas coisas1. A questão de Pascal é aquela da referência: onde e

como a encontrar? Em relação a esta questão, deve-se considerar a linguagem de Pascal: o que se pode comparar? Quais limites pode-se definir? No caso de diferenças de ordem, qual linguagem pode falar sobre as (faltas de) relações entre as ordens? Para isso, deveremos abordar a noção de figura (ver 4).

Devemos agora passar ao estudo da forma da analogia. Sendo a analogia, no grego,