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Falamos de questões – digamos que se trata de temas, de assuntos. Nos colocamos a questão da comparabilidade dos incomparáveis, quer dizer, de coisas que são separadas por sua heterogeneidade, por sua desproporção, por sua distância infinita, ou por uma falta de razão entre o finito e o infinito.

Identificamos três formas da comparação dos incomparáveis nesta tese, apresenta- das em cada uma das três partes do texto. Mas que dizer de seu estatuto? Trataria-se de “estruturas”, de “modelos”, de “analogias”, de “metáforas”, de “esquemas”, de “figuras”3? A questão é muito mais complexa do que parece, pois com efeito ela leva

naturalmente a se perguntar como formular a relação entre a filosofia e as matemáti- cas, passando inclusive pela questão da relação entre o pensamento e a linguagem. Falamos de uma “topologia do pensamento” para falar dessas “articulações” que nos parecem ser recorrentes ao mesmo tempo em que são relativamente maleáveis.

É claro que não elucidamos assim o problema. É entretanto possível levar em conta os paralelos do modo de expressão de Pascal em suas matemáticas e em seus escritos filosóficos e religiosos (de onde nossa evocação da noção de retórica). Nossa metodologia será então fundada sobre a análise do texto pascaliano, buscando melhor elucidar as articulações que se mostram na sua linguagem. É a partir disso que podemos analisar a estrutura do próprio pensamento de Pascal, ao mostrar sua unidade.

Trata-se então de trazer à luz as similaridades de formas tanto nos textos matemá- ticos de Pascal quanto em seus outros escritos. Duas precisões devem ser feitas. Em primeiro lugar, ao estabelecer esse paralelo, nosso fim não é o de mostrar que uma parte da obra de Pascal foi influenciada por uma outra – um trabalho mais centrado

1Esse comentário está atualmente sendo feito, mas ele já é acessível para os fragmentos que já

foram analisados.

2O plano mais detalhado de cada parte da tese é apresentado nas pequenas introduções no início

de cada parte correspondente.

3Magnard(2007), por exemplo, fala de “enigmas”, “cifras”, “esquemas”, “máquinas”, “modelos”

1.3 Propósito desta tese 31

sobre os manuscritos e sobre a biografia seria necessário para isso. Colocando um questionamento filosófico a essas formas de expressão pascaliana, nos limitamos a mostrar uma “tonalidade” do pensamento pascaliano, que permanece aberta a investigações precisas de influência entre as partes da obra.

Em segundo lugar, devemos precisar: nosso propósito não é o de mostrar analogias entre as partes matemática e filosófica da obra de Pascal. Isso já foi feito de uma certa maneira, e comparações exteriores poderiam ser feitas indefinidamente. Pretendemos principalmente mostrar comparações que aparecem no interior de cada um desses domínios, na própria escrita de Pascal, e, apenas em seguida, lhes tratar conjuntamente. Mas isso deverá ser feito partindo as próprias comparações pascalianas, e respeitando cada parte da obra. Nada seria mais monstruoso, de um ponto de vista pascaliano, do que “marretar” as matemáticas sobre os Pensamentos: isso seria não somente incerto mas, no final das contas, inútil.

A primeira inspiração deste estudo vem tanto da leitura do Espírito Geométrico quanto de certos fragmentos dos Pensamentos:

A distância infinita dos corpos aos espíritos figura a distância infinitamente mais infinita dos espíritos à caridade, pois ela é sobrenatural.

(Sel. 339, Laf. 308) Assim começa o célebre fragmento dito “das três ordens”. Reencontramos aí duas distâncias infinitas, que estão em relação (por meio da figuração), e uma das quais é infinitamente mais infinita que a outra. Consideramos então um artigo de P.

Secretan (1998) sobre a analogia para Pascal, Blondel e Edith Stein. Em sua análise do fragmento das três ordens (Sel. 339, Laf. 308), Secretan fala de uma analogia

disproportionalitatis per modum figurationis. Em nossa dissertação de mestrado

(Cortese 2012, Formes de l’analogie chez Pascal), conduzimos uma pesquisa inicial sobre a questão da analogia para Pascal, estudando algumas partes de sua obra e generalizando a análise de Secretan, para apresentar então uma forma que nós chamamos de “analogia de desproporção”1. Na parte I dessa tese, desenvolvemos

esse conceito de maneira mais aprofundada; será suficiente, mo momento, traçar um esboço dele.

Se a analogia “clássica” indica uma semelhança de relações, a analogia de des- proporção indica que dois elementos são tão heterogêneos, tão desproporcionados, quanto dois outros. Pascal é um autor que indica descontinuidades essenciais tanto no domínio apologético dos Pensamentos (entre razão e coração, entre as três ordens dos corpos, dos espíritos e da caridade) quanto nas matemáticas (a heterogeneidade entre o indivisível e a extensão, as ordens respectivas das somas de pontos, linhas e superfícies). Essas descontinuidades dizem frequentemente respeito à relação entre o finito e o infinito. A despeito dessas descontinuidades, a analogia de desproporção

1O termo de analogia disproportionalitatis também foi empregado porSecretan(2013, pp. 91-94),

que fala ainda de uma des-analogia e de uma analogia negativa, mas sem aprofundar muito a reflexão sobre a etimologia de cada uma dessas analogias. Ver nota em5.3.

aparece como uma forma que mostra uma verdadeira relação. Lembremos que uma

relação não é uma assimilação, mas pode existir justamente como articulação entre

diferenças.

Notemos além disso que a questão é tanto mais complicada (e arrisca de ser por isso mesmo tão mais original) pelo fato de que Pascal não possui uma teoria da analogia, nem utiliza o termo “analogia”, mesmo se este existe tanto no francês quanto no latim do século XVII. Entretanto, sem dúvida Pascal conhecia o termo e escolheu não utilizá-lo, no que constitui antes um silêncio sobre a analogia do que uma rejeição1. Além disso, a desproporção é o exato oposto da analogia? Eis tudo o

que está em jogo na nossa tese: tentaremos mostrar que a questão não é tão simples.

Desproporção não quer necessariamente dizer uma falta absoluta de proporção, mas

poderia ser um tipo de desvio em relação à proporção2. É necessário finalmente

dizer que Pascal se apoia ainda assim sobre a teoria das proporções euclidiana, o que veremos tanto no Espírito Geométrico quanto na sua prática matemática. Como as grandezas proporcionais são ditas análogon em grego, a questão da analogia pode também se colocar a partir disso.

Uma das maiores críticas à inexistência de uma “analogia” na obra de Pascal foi formulada por P. Magnard3. De fato, para ele a desproporção trazida à luz por Pascal

é a própria antípoda da correspondência harmônica conhecida pela Renascença. Enquanto o mundo, em módulo microcósmico, desenrolava suas produções, segundo uma progressão gnomônica construída segundo a continuidade de uma espiral retangular, a homologia pascaliana choca com a descontinui- dade de um universo caótico e com a incomensurabilidade das realidades consideradas. Nenhuma rota analítica é mais possível entre os dados, dos quais um se aniquila diante daquele ao qual o relacionamos.

(Magnard 1981, p. 8) O extraviamento do homem é então para Magnard sinal de uma descontinuidade essencial, que impede o conhecimento progressivo, e que mostra a inexistência de uma medida comum para o conhecimento e para situar o homem no mundo.

A ausência de medida comum entre as camadas [approches] sucessivas do céu rompe o “fio de Teseu” que ligava o desconhecido ao conhecido e o complexo ao simples, quebra a corrente de ouro da analogia, fragmenta irremediavelmente a escada dionisiana entre os diversos níveis do ser. A passagem ao limite, que protegeria o contínuo, não pode ser feita quando a diferença se torna “desproporção”. (Magnard 1981, p. 8)

1J.-L. Marion (1981, p. 14, nota) propõe que a analogia desaparece do discurso cartesiano

porque este o evita conscientemente. O caso é diferente para Pascal, que, ao contrário de Descartes, não havia sido educado pelos jesuítas, e para quem a analogia escolástica deveria ser uma questão menos onipresente.

2Agradeço a V. Carraud por esta possibilidade de interpretação

1.3 Propósito desta tese 33

O duplo infinito pascaliano faria então com que a repetição entre os níveis do ser se tornasse um simples jogo de espelhos, e não mais uma catena aurea. “O universo, para Pascal, pode conduzir a Deus apenas pelo caminho do negativo, da miséria, do abandono, do desespero” (Magnard 1981, p. 8).

É um fato que Magnard não ignora aquela que será a principal resposta de Pascal: esta situação de desproporção do homem, que o impede de conhecer propriamente e de se estimar justamente, não é sua condição final. À falta de proporção e de referência, o homem pode na verdade reencontrar uma verdadeira resposta na pessoa do Cristo:

No coração do perigo, apareceu a salvação. O caminho de miséria se inverteu em via de verdade e de vida. Quando a imagem teofânica revela seu sentido escondido, o infinitismo deixa de ser fonte de aporias para se tornar fonte de soluções. “Os extremos se tocam”, mas isso não é mais um extravio se eles “se encontram em Deus e em Deus somente”. De subversiva, a equivalência dos contrários se torna redentora, quando o mundo partido de nosso desespero dá lugar a esta estrutura “onicentrada” [omnicentrée] do corpo místico de Jesus Cristo. (Magnard 1981, p. 13) Evidentemente concordamos com Magnard quanto a este aspecto, e voltaremos a isso de maneira aprofundada na nossa parte III, na qual consideraremos o lugar de Deus em relação aos dois infinitos. Pelo momento, nos cabe discutir a tese de que não poderia haver nenhum lugar no pensamento de Pascal para a analogia:

A “mesma proporção”, percebida em diferentes níveis de infinitude, não poderia renovar o elo analógico que a incomensurabilidade das ordens rompe inelutavelmente. [...] A dupla infinitude não somente apagou toda referência, confundiu toda avaliação, carregou todo ponto fixo, arruinou toda certeza, rompeu toda analogia: ela introduziu uma absoluta descontinuidade entre os escombros de um mundo, os quais refletem sua imagem de maneira vã, por não poder totalizar.

(Magnard 1992, p. 135) A analogia não é uma palavra do vocabulário pascaliano – isto é um fato. Empregá- la para falar de sua obra seria então, segundo Magnard, confundi-la com a Renascença que a precedeu, e perder o principal na argumentação de Pascal1. O que Magnard

nega é que a categoria de analogia seja pertinente aqui: seria melhor falar, por

1Pode-se lembrar aqui o estudo de M.Foucault (1966), que propõe uma preponderância da

semelhança na epistéme do século XVI em quatro formas: a convenientia, aaemulatio, a analogia e a simpatia. Basta dizer aqui que se pode suspeitar que a noção restrita de analogia evocada por Foucault não faça parte tampouco do pensamento do século XVII. Pretendemos, ainda assim, identificar uma certa forma da analogia neste século. Se para Foucault a crítica cartesiana do que seria um regime da semelhança não exclui por isso toda forma de comparação, quanto a nós, nos voltaremos para essas comparações para identificar outros tipos de analogias.

exemplo, de semelhança, única relação na qual poderia, segundo ele, se acomodar a desproporção1. Se outras figuras, como a parábola, poderiam ser empregadas para

analisar o pensamento de Pascal, elas seriam fundadas sobre uma metáfora, e não sobre uma analogia:

Parábola, como se sabe, não é o mesmo que paradigma; este é sempre sustentado por alguma ἀναλογ΄ıα ou proporção, aquela faz uso da metáfora, andando por sobre as ordens, rindo do descontínuo. A comparação das grandezas discretas às grandezas contínuas, lembrando as aporias da incomensurabilidade, acusa as quebras do cosmos.

(Magnard 1979, p. 403) Nossa perspectiva não é exatamente a mesma do que esta. Sem ignorar que a analogia existiu de uma maneira singular no período anterior ao início da Idade Moderna, ligada às correspondências e à harmonia – como era inclusive muitas vezes o caso para seu emprego na Antiguidade –, acreditamos que a analogia é um conceito mais rico, que permite compreender mesmo a comparação que existe entre desproporções2.

Uma motivação para isso reside em um fato muito simples: sendo matemático, Pascal é alguém que reconhece relações3; por outro lado, sendo um pensador que

reflete sobre as limitações da razão, ele reconhece a desproporção do homem a Deus e outras descontinuidades. É essa articulação (e esta tensão) entre uma relação e uma ruptura, entre a semelhança e a dessemelhança, que é característica da analogia, e que aparece invertida em Pascal, mas sempre existente (ver o capítulo 6).

A forma da analogia de desproporção é em certo sentido uma analogia “inver- tida”, adaptada às questões nas quais Pascal faz uso dela: a possibilidade de fazer predicações sobre os atributos divinos, a natureza dos indivisíveis, a relação entre o finito e o infinito. São problemas que tocam nas fronteiras da linguagem, e onde se deverá fazer recurso a esta forma particular de expressão para discutir a importância filosófica das questões.

Deve-se lembrar ainda que a analogia é um conceito particularmente adequado para considerar ao mesmo tempo textos matemáticos, filosóficos e religiosos. Com

1“D’un ordre à l’autre subsiste une ineffaçable différence. L’unité de la nature ne saurait être

celle d’un système. Cette absence de commune raison entre les ordres a nom ‘disproportion’ [Sel. 230, Laf. 199]; elle impose un fractionnement à l’infini du réel, dont aucune recomposition analytique n’est plus possible. Tel est le sens de la ‘cironalité universelle’ chère à Savinien de Cyrano: il peut y avoir homologie entre l’atome et l’étoile; un raisonnement par analogie ne saurait conduire de l’un à l’autre. Autant dire que la similitude est la seule relation dont s’accommode la disproportion” (Magnard 1979, p. 402).

2Sobre a relação entre analogia, metáfora e comparação, ver o capítulo3. Nossa perspectiva,

seguindo Aristóteles, é a de aproximar metáfora e analogia.

3Por falta de uma formulação melhor, utilizamos o termo “relações”; saber o que um matemático

1.3 Propósito desta tese 35

efeito, do fato de que a analogia é implicada pelas noções de proporção, razão e predicação, ela foi um conceito importante em todos esses domínios1.

O ponto de partida dessa tese, como o dissemos, foi o conceito de analogia de desproporção. Este propósito foi alargado durante o trabalho, para se tornar uma questão mais geral sobre “comparação dos incomparáveis”. Mas do que se trata?

É claro que, se o quisermos, tudo é comparável a tudo, em um sentido trivial. Os abusos da metáfora e da analogia são com efeito perigosos, e admitir seu uso de maneira indistinta seria banalizar tanto a linguagem quanto o pensamento2. Em

tempos de “desconstrução”, pode-se entretanto responder à posição segundo a qual comparar as diferenças implica que tudo seja comparável a tudo, desde que precisemos assim nossa tese: tudo é comparável a alguma coisa, sem que tudo seja comparável a

qualquer coisa.

Na verdade, a comparabilidade das coisas depende fundamentalmente do aspecto que delas apreendemos. Verificamos isso em nossas análises das Cartas de A. Det-

tonville e dos Pensamentos, e é por isso que uma grande parte dessa tese é dedicada

à avaliação do caráter relacional de certos fragmentos.

Assim, uma equivalência não trivial mostra que duas coisas aparentemente dessemelhantes (ou dessemelhantes sob um certo aspecto) são de um certo ponto de vista comparáveis. Durante essa tese, descobrimos que isso é o caso, para Pascal, não apenas no que diz respeito às analogias de desproporção, mas também à prática matemática de Pascal, que compreende o infinito em peso, número e medida (respectivamente nos capítulos 8, 9 e10.).

O importante, nas comparações consideradas por nós, é encontrar a equivalência, e não apenas a igualdade – o que não é uma simples questão terminológica, mas possui uma contraparte conceitual. Como veremos no capítulo8, isso aparece em especial com os pesos sobre uma balança: uma balança em equilíbrio não tem necessariamente os mesmos pesos sobre cada braço, mas sua disposição influencia também as forças resultantes. A disposição dos pesos para o equilíbrio é dada pela Lei da alavanca de Arquimedes, que diz que pesos estão em equilíbrio quando eles são inversamente proporcionais a suas distâncias ao ponto de apoio da balança3. Ora, o interessante é

que esta lei é formulada por Arquimedes por uma proporção4, de maneira que se

1É claro que não pretendemos ser exaustivos quanto às dimensões da obra pascaliana: se nos

debruçamos sobretudo sobre os aspectos filosóficos, matemáticos e apologéticos, as contribuições físicas, literárias e teológicas de Pascal são levadas menos em conta aqui – por conta de nossa finitude –, o que não poderia significar que elas tenham menor importância.

2Ver, por exemplo,Bouveresse(1999).

3Na formulação de Pascal, “que as forças dos pesos estão na razão composta dos pesos e dos

braços” (OC IV, p. 415).

4No tratado conhecido pelo título Sobre o equilíbrio das figuras planas: “[Duas] grandezas

comensuráveis se equilibram em distâncias inversamente proporcionais a seus pesos” (prop. I, 6; trad. de A. K. T.Assis 2008, p. 227) .

poderia falar de um “equilíbrio proporcionado”1. Nós a conhecemos hoje geralmente

sob uma forma já alterada, com a noção moderna de momento, e Pascal a reformula ainda de uma outra maneira nas Cartas de A. Dettonville com as somas triangulares, sendo um dos objetivos de nosso estudo o de avaliar as mudanças que advém desse procedimento (ver 8.4). Pelo momento, guardemos no espírito simplesmente que a lei da alavanca fora originalmente formulada por Arquimedes sob uma forma proporcional, o que indica uma relação de analogia. Quanto ao equilíbrio para Pascal, em especial com o modelo da balança, notemos que encontramos a comparação não apenas de “pesos” físicos, mas também de indivisíveis e de conceitos2.

Mas não seria a Lei da alavanca uma proporção simples, ao invés de uma analogia de desproporção? Por que considerá-la então em uma tese sobre a comparação dos incomparáveis? Na verdade, veremos que para Pascal a noção do equilíbrio em uma balança é considerada para entidades que poderíamos crer incomparáveis. Por um lado, caberá avaliar o uso que Pascal faz da balança no contexto de um método dos indivisíveis, o qual concerne divisões indefinidas das grandezas (e da balança). Além disso, a balança (com a Lei da alavanca) possui uma propriedade de importância fundamental para nós: “Dê-me onde me apoiar, e eu moverei a Terra”, propõe a célebre frase atribuída a Arquimedes3. Quer dizer que um pequeno peso

1E. Przywara indica uma aproximação entre os conceitos de analogia e de equilíbrio a partir

do princípio de não contradição de Aristóteles. Este princípio seria, segundo Przywara, um meio “móvel” que estaria entre as vias de Heráclito e de Parmênides:

Si donc le principe de contradiction est le milieu fondamental toujours mouvant entre le tout-en-mouvement d’Héraclite et le tout-au-repos de Parménide, on y reconnaît un mouvant “équilibre dans la mesure”. Or, tel est le sens le plus général de l’analogie. La logique (pure) est l’immédiateté d’une seule loi cosmique: ou bien la logique immanente héraclitéenne du mouvement, ou bien la logique immanente parménidienne du repos. La dialectique est le ou bien-ou bien du renversement, tel qu’il réside dans une identité de contraires; donc ici le brutal mouvement de navette (Hinüber-Herüber ) entre Héraclite et Parménide. Seule l’analogie est un équilibre dans la mesure, et c’est précisément cela, comme on l’a vu, qui est le sens du principe de contradiction en tant que milieu d’équilibre minimal entre Héraclite et Parménide. Aristote fera équivaloir dans cette acception analogie et milieu: to gar analogon meson. L’analogie se justifie en qualité de fondement de tout penser selon le principe de contradiction comme milieu. (Przywara 1990, pp. 99-100) A citação de Aristóteles feita por Przywara pertence ao contexto da discussão sobre a justiça distributiva na Ética a Nicômaco (V 7, 1131b11). Na parteIIIvoltaremos à questão da existência dos contrários na analogia – “le ‘mouvant équilibre dans la mesure’ est le sens le plus général de l’analogie, qui joue entre les contraires irréductibles et néanmoins liés” (Przywara 1990, p. 93).

2M. Fumaroli lembra que o latim tardio pensare resultou, em francês, tanto em “penser ” quanto

em “peser ”. Sobre Montaigne, ele escreve: “penser, c’est mettre méthodiquement en balance, en doute et à l’épreuve, sur deux plateaux, avant d’évaluer et juger, les objets de l’expérience entre eux, et avec soi-même” (Fumaroli, em Pascal 2001, p. 12).

3Este lugar comum é usualmente atribuído a Arquimedes, mas ele aparece na verdade na Coleção

Matemática de Pappus. Deve-se ainda notar que “Arquimedes” não faz referência direta aqui nem a

um “ponto de apoio” nem a uma “alavanca” – cf. Ver Eecke(1955, p. 133), que propõe que se trata na verdade de um polúspaston – uma sucessão de polias agindo umas sobre as outras, constituindo

1.3 Propósito desta tese 37

pode levantar um grande peso, se suas distâncias são inversamente proporcionais. A importância da balança para Pascal reside em levar ao limite esta reciprocidade de grandezas, chegando até o infinito. Como mostraremos, isso se liga também a