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da “desproporção”

Pascal escreve sobre a “desproporção” em diversos contextos de sua obra. Na Arte

de persuadir, quando ele fala da arte de convencer (convaincre) e da arte de agradar

(agréer), Pascal escreve que ele dará apenas as regras da primeira: “contudo, a maneira de agradar é sem comparação bem mais difícil, mais sutil, mais útil e mais admirável. Assim, se não trato dela, é porque não sou capaz e me sinto de tal modo desproporcional a ela que, para mim, creio ser uma coisa absolutamente impossível” (OC III, pp. 416-417; trad. Pascal 2017, p. 65). À rainha Cristina da Suécia, ele escreve: “Eu imaginei que, embora o mero nome de Vossa Majestade pareça afastar de si tudo que lhe é desproporcional, a Senhora não rejeita, porém, tudo que lhe é inferior” (OC II, p. 925; trad. Pascal 2017, p. 65). Nessas ocorrências, “desproporção” parece designar alguma coisa que aparece àquele que a considera sem

relação direta a algo já conhecido.

A “proporção” (proportion) no século XVII era compreendida em língua francesa como a “conveniência e relação das partes entre elas e com seu todo” (Académie, 1694). É assim que se já em 1549 a “desproporção” era considerada como designando a inaequalitas3, à noção de desigualdade será acrescentado mais tarde o sentido de

falta de conveniência (convenance): a desproporção será não apenas “o contrário de proporção”4, mas “desigualdade, desconveniência, falta de proporção” (Académie,

1694) e “termo relativo, que se diz do que tem apenas conveniências muito distantes,

1Na sua tradução do Timaeus, XIII: “id optime adsequitur quae Graece ἀναλογ΄ıα, Latine

(audendum est enim, quoniam haec primum a nobis novantur) comparatio proportione dici potest”.

Vitrúvio e Varrão propõem também explicações ao termo. Cf. proportio no Gaffiot.

2Sobre a relação entre proporção e desproporção na argumentação de Pascal, ver também

Descotes(1993, chap. 5), em particular o § “La proportion à partir de la disproportion”: “certaines argumentations rétablissent paradoxalement une proportion par la disproportion même” (Descotes 1993, p. 223).

3Estienne, Robert. Dictionaire francoislatin, les mots francois, auec les manieres dvser diceulx,

tournez en latin, 2a ed., Genève, 1549.

4Richelet, Pierre. Dictionnaire françois, contenant les mots et les choses, plusieurs nouvelles

2.2 Existência e comparabilidade da “desproporção” 55

qualidades muito diferentes” (Furetière, 1690)1.

Entretanto, isso não resolve a questão. Como mostraremos, se a “desproporção” deve evidentemente ser compreendida em relação à “proporção”, há ocorrências nas quais ela designa uma falta absoluta de proporção ou de conveniência, enquanto em outros casos se trata apenas de uma proporção extremamente tensa, cuja conveniência não é facilmente perceptível. Encontramos então dois sentidos de desproporção: falta estrita de proporção, ou proporção deformada. Será evidentemente necessário relacionar isso ao sentido matemático da proporção, do qual Pascal era consciente, em especial quanto à questão da homogeneidade e da heterogeneidade das grandezas. No capítulo 11, proporemos uma interpretação que distinguirá os sentidos “relativo” e “absoluto” da “desproporção” para Pascal, inclusive para o célebre fragmento que leva o título “Desproporção do homem” (Sel. 230, Laf. 199). Na caracterização da analogia de desproporção, deve-se entender “desproporção” em sua accepção absoluta, de maneira que encontramos neste caso efetivamente uma comparação de heterogêneos, e não apenas de coisas que têm proporções em grande tensão.

Outros usos do termo por Pascal devem ser notados. Ele escreve em alguns casos que “não há nenhuma proporção”2, no que constitui a afirmação de uma falta de

proporção. Mas se pode também afirmar a negação de uma proporção, em uma

analogia negativa. A analogia negativa foi algumas vezes entendida como o conjunto

das características que não são comuns a duas coisas, embora elas possuam uma analogia positiva, com traços de semelhança3. Podemos encontrar algo do tipo na

obra de Pascal: é assim que no Prefácio ao Tratado do vácuo, após ter falado dos assuntos teológicos nos quais reina a autoridade, ele escreve: “não se dá o mesmo nos assuntos que caem sob os sentidos ou sob o raciocínio” (OC II, p. 779, trad. Pascal 2017, p. 106; ver 5.1).

Não é porém este tipo de “comparação” que consideramos aqui, pois embora ela identifica uma falta ou, mais geralmente, um aspecto negativo, ela não compara duas negatividades como a analogia de desproporção – na verdade, nesta concepção da analogia negativa, se fala de “analogia” para uma relação entre duas coisas, e não

1Notemos além disso que a palavra “desproporção” existia no vocabulário religioso da época –

ver a citação de são Francisco de Sales em 11.3.3.

2É assim que Pascal escreve no Abrégé de la vie de Jésus-Christ: “Et l’ange parla aux femmes et

leur dit qu’elles ne craignent point, – c’est-à-dire que les gardes ont eu raison de craindre sa vue, parce qu’il n’y a point de proportion entre eux et les esprits célestes, mais quant à elles, qu’elles ne doivent pas craindre, puisqu’elles voient leurs confrères et leurs concitoyens (...)” (OC III, p. 304).

3Secretan(1984, pp. 9-10) define a analogia negativa como a forma que indica que duas coisas

não são uma terceira: “ce concept dira que deux grandeurs se ressemblent par ce qu’elles nient,

c’est-à-dire pour être contraires à un même”. Uma concepção clássica é aquela de M.Hesse(1966, p. 8), para quem as propriedades comuns constituem a analogia positiva entre duas coisas, e as propriedades diferentes constituem a analogia negativa. A analogia neutra, importante nas ciências, indicaria o caso no qual não se sabe ainda se há uma analogia positiva ou uma analogia negativa entre o modelo e o fenômeno. Finalmente, fala-se de disanalogy em inglês para uma falta de analogia – quer dizer, uma falta de analogia positiva no sentido das semelhanças. Para a origem da denominação de “analogia negativa”, ver Keynes, J. M., A Treatise on Probability, London: Macmillan, 1921.

para a estrutura de quatro termos que é nosso objeto1.

Sobre um papel negativo da analogia no conhecimento, a questão é mais inte- ressante. Como veremos na seção 14.2.6, Pascal atribui um papel importante ao conhecimento por absurdo – o meio de conhecer uma verdade é o de considerar o seu oposto e de saber que este é falso. Este uso do Terceiro Excluído marca um conhecimento que passa pelo negativo, e a comparação de aspectos negativos que é a analogia de desproporção pode ser considerada como uma das formas argumentativas que tem um papel aí.

Uma outra expressão deve ser levada em conta: “há bastante diferença” (il y a

bien de la différence). Ela aparece por exemplo nas Provinciais. Ao responder às

críticas às passagens das Provinciais nas quais o autor teria “transformado as coisas santas em zombaria”2, Pascal responde que não é um problema zombar de coisas tão

pouco cristãs como são os escritos que são objeto de suas cartas.

Será possível que vocês tenham ousado repetir com tamanha frequência algo tão pouco razoável? E vocês não temem, ao me acusarem de ter zombado de seus desvarios, dar-me novo motivo de zombar dessa acusação e fazê-la voltar-se contra vocês mesmos, mostrando que o alvo de meu riso foi apenas o que há de ridículo em seus livros; e que assim, caçoando de sua moral, eu estava tão afastado de caçoar das coisas santas, quanto a doutrina dos seus casuístas está afastada da santa doutrina do Evangelho? (11a

Provincial, Pascal 2010, p. 309; trad. modificada de Pascal 2016, p. 146) A utilização do verbo “zombar” faz pensar no fragmento Sel. 671, Laf. 513 (“a verdadeira moral zomba da moral”), no contexto da distinção entre geometria e finura. Nesta passagem das Provinciais, Pascal afirma então que o desvio produzido por uma regra “morta” não pode ser chamado pelo nome da atividade regida propriamente por esta regra (em Sel. 671, Laf. 513, trata-se da eloquência, da moral e da filosofia, ). Esta passagem poderia também ser aproximada do raciocínio do pró ao contra (ver 5.4), já que a crítica à zombaria dá lugar a uma nova zombaria, e assim por

diante.

A posição de Pascal é clara: criticar o que é criticável, por isto não merecer mais o nome que tinha, não é um problema – na verdade, aproxima-se assim da atividade digna do nome em questão. Com efeito, diz Pascal, a zombaria dessas cartas não constitui uma ofensa às coisas santas. Este julgamento é expresso, finalmente, por uma comparação, que se reconhece ser uma analogia de desproporção: “ao zombar da vossa moral, eu me distanciei tanto de zombar das coisas santas, quanto a doutrina de vossos casuístas está distante da doutrina santa do Evangelho”. Não se trata

1Com efeito, em inglês proportion é frequentemente empregado para aquilo que em português é

chamado de relação ou razão entre duas coisas.

2“Tourné les choses saintes en raillerie” – a frase aparece na Première Réponse aux lettres que

2.2 Existência e comparabilidade da “desproporção” 57

simplesmente de não zombar das coisas santas; muito mais, Pascal declara estar bem longe disso, mas ele o faz por uma comparação que mostra a distância entre a casuística jesuíta e a doutrina evangélica, apresentando esta distância como não menor que a primeira.

O autor das Provinciais continua:

Na verdade, meus Padres, há bastante diferença [il y a bien de la dif-

férence] entre rir da religião e rir dos que a profanam com opiniões

extravagantes. Seria impiedade faltar com o respeito pelas verdades que o espírito de Deus revelou: mas seria outra impiedade deixar de desprezar as falsidades que o espírito do homem a elas opõe. (11a

Provincial,Pascal 2010, p. 309; trad. modificada de Pascal 2016, p. 146) A expressão “há bastante diferença” aparece como uma comparação negativa entre duas coisas à primeira vista negativas (rir da religião, rir daqueles que a profanam). Pode-se encontrá-la também no Espírito Geométrico: “há bastante diferença entre não ser uma coisa e ser um nada desta coisa” (OC III, p. 407; trad. Pascal 2017, p. 56)1. Seria esta expressão característica de Pascal ou seria ela comum ao francês do

século XVII? Nos parece que na verdade ela é um recurso comum na época2. Por

outro lado, nos parece que ela aparece na obra de Pascal no contexto mais amplo da comparação de diferenças, e isto é de grande importância. Na edição de 1694 do dicionário da Académie, por exemplo, se vê que a “diferença” (différence) pode

1A 11a carta Provincial data de 18 de agosto de 1656, e circulou provavelmente pouco após esta

data – cf. a nota de G. Ferreyrolles,Pascal 2010, p. 307. Quanto ao Espírito Geométrico, não se pode determinar por uma data entre 1654 e 1658. Uma possível questão de influência se torna assim impossível de determinar. Na verdade, se trata de uma expressão que aparece bastante sob a pluma de Pascal: “Il y a bien de la différence entre tenter et induire en erreur” (Sel. 431, Laf. 850); “il y a bien de la différence entre les Jésuites et ceux qui les combattent” (17a Provincial, §7,Pascal 2010, p. 446); “Il y a bien de la différence entre les disciples et les vrais disciples” (Sel. 654, Laf. 807); no fragmento intitulado “Antiguidade dos Judeus”: “Qu’il y a de différence d’un livre à un autre! (...) Il y a bien de la différence entre un livre que fait un particulier, et qu’il jette dans le peuple, et un livre qui fait lui-même un peuple. On ne peut douter que le livre ne soit aussi ancien que le peuple” (Sel. 688, Laf. 436); nos Escritos sobre a graça, Carta: “si on demande pourquoi un adulte est sauvé, on a droit de dire que c’est parce qu’il l’a voulu; et aussi de dire que c’est parce que Dieu l’a voulu. Car si l’un ou l’autre ne l’eût pas voulu, cela n’eût pas été. Mais encore que ces deux causes aient concouru à cet effet, il y a pourtant bien de la différence entre leurs concours, la volonté de l’homme n’étant pas la cause de la volonté de Dieu, au lieu que la volonté de Dieu est la cause et la source et le principe de la volonté de l’homme, et qui opère en lui cette volonté” (OC III, p. 678). Pascal escreve na sequência que neste caso há uma “entière différence”.

2“Il faut remarquer qu’il y a bien de la différence entre vouloir être trompé et vouloir donner

son consentement à des opinions qui sont cause que nous nous trompons quelquefois” (Descartes,

Principes de la philosophie, I, §70); “Qu’on ne s’imagine pas avoir peu avancé si on a seulement

appris à douter. Savoir douter par esprit et par raison n’est pas si peu de chose qu’on le pense: car, il faut le dire ici, il y a bien de la différence entre douter et douter” (Malebranche, Recherche de la

vérité, I, 20); “il y a bien de la différence entre ne point décider un point de doctrine, et laisser

la liberté d’en tenir ce que l’on veut” (Arnauld, Difficultés sur le livre des éclaircissements sur le

ser maior ou menor1: esta será a via tomada por Pascal, a saber, o fato de que se

pode fazer comparações entre diferenças, mostrando que umas são maiores do que outras. Será agora necessário examinar dois textos nos quais Pascal avalia os erros teológicos, dizendo que uns são maiores do que outros.

O primeiro pertence à quinta Provincial. Como se sabe, Pascal quer mostrar nas cartas Provinciais que os jesuítas se equivocaram. Mas não apenas: ele quer mostrar quanto eles se equivocaram. A medida do erro, se podemos dizer assim, serve para que os jesuítas se deem conta da dimensão de seu extravio, e da quantidade de esforço que seria necessário para remediá-lo. Pascal compara então nesta Provincial tipos de erros. Em um de seus diálogos com um jesuíta, o autor das Provinciais declara: “com efeito, eu o assegurei de que eu conhecia alguns tão severos quanto aqueles que ele me citava são relaxados”. Na resposta que se segue do padre jesuíta lemos um mesmo tipo de comparação:

Você acha que faz muito em favor deles mostrando que alguns de seus Padres são tão conformes [aussi conformes] às máximas quanto outros são contrários a elas [que les autres y sont contraires]; e conclui daí que essas opiniões relaxadas não pertencem à Sociedade inteira. Sei muito bem disso: pois se assim fosse, eles não tolerariam que houvesse outras tão contrárias. Mas, uma vez que alguns deles têm doutrina tão licenciosa, conclua igualmente que o espírito da Sociedade não é o da severidade cristã; pois, se fosse, não tolerariam que houvesse outras tão opostas.

(Pascal 2010, p. 189; trad. modificada de Pascal 2016, p. 60) Pascal critica a coexistência de opiniões “contrárias” no próprio interior da Companhia de Jesus. A comparação é feita aqui entre duas “quantificações”, que são por assim dizer “inversas”: o que é comparado é a conformidade às máximas evangélicas, de um lado, e o fato de ser contrário a elas, de outro. A comparação se passa, por assim dizer, entre a excelência de uma adequação e o desvio de um erro. Há em certa medida uma “simetria” entre o verdadeiro e o falso – mas é necessário levar em conta que esta comparação aparece no contexto com um fim argumentativo: nos Pensamentos, veremos que o verdadeiro e o falso não são simétricos (na seção 14.2.6)2. Importa então discernir entre várias maneiras de relacionar esses diferentes

modos “ defeituosos”: aparece aí uma comparação pela analogia de desproporção, e uma “quantificação” relativa ao erro3.

1“DIFFERENCE. s.f.v. Diversité, dissemblance, distinction. Grande difference. difference

notable, essentielle. legere difference”.

2Para a questão da importância do contexto do sentido segundo Pascal, ver o capítulo8.1. 3Um outro exemplo da medida do erro aparece na quinta Provincial, a propósito da “doutrina

[dos jesuítas] no tocante à graça”, o autor das Provinciais escrevendo que “il est aussi peu raisonnable de prétendre que l’on a toujours un plein pouvoir, qu’il le serait de nier que ces vertus, destituées d’amour de Dieu, lesquelles ces bons Pères confondent avec les vertus chrétiennes, ne sont pas en

notre puissance” (Pascal 2010, pp. 193-194; grifos nosso). Podemos crer que uma posição não é razoável – mas há várias maneiras pelas quais ela pode não sê-lo. “Não é que o mau modelo seja

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Passemos a nosso segundo exemplo no que concerne a comparação de faltas, e mais especificamente de erros, os quais são uns maiores do que os outros. No Quinto

Escrito dos Padres de Paris, sobre as vantagens que os heréticos tomam contra a Igreja, quanto à moral dos casuístas e dos jesuítas, o erro dos jesuítas é relacionado

àquele dos calvinistas. O autor, muito provavelmente Pascal1, é sensível ao fato

de que não é porque uma opinião é contrária àquela de Genebra (ou seja, à dos calvinistas) que ela é correta, assim como do fato de que os jesuítas estão na Igreja não se segue que todas as suas opiniões são ortodoxas. “Nós não temos então como regras, nem de ser sempre contrários aos heréticos, nem de ser sempre conformes aos jesuítas” (Pascal 2010, p. 547). O autor propõe ainda que a reforma da Sociedade é importante, inclusive para que os heréticos “não estejam mais distantes [da Igreja]” (Pascal 2010, p. 551). Há portanto uma certa medida do erro: se pode estar mais ou

menos distante da Igreja.

Mas ainda que eles estejam todos extraviados, é porém um fato que uns o estão mais do que os outros; e é o que nós queremos fazer compreender

exatamente, a fim de os representá-los todos no justo grau de corrupção

que lhes é próprio, e lhes fazer chegar a cada um a medida da confusão que eles merecem. (Pascal 2010, p. 551; grifos nossos) O erro dos heréticos, finalmente, é considerado pelo autor do Quinto Escrito como bem mais grave do que aquele dos jesuítas. Um membro do corpo místico da Igreja, mesmo doente, é melhor do que um membro cortado deste corpo. Esta distinção constitui mesmo uma ruptura: há uma “distância infinita” entre esses dois grupos, ainda que nenhum dos dois esteja na ortodoxia2. A ideia de que o crime de

cisma é mais grave do que os outros já está presente nos Padres da Igreja, como o próprio autor do Quinto Escrito indica. Entretanto, gostaríamos de ressaltar que o vocabulário de “distância infinita” para qualificar as diferenças de tipo de erro, assim como a “quantificação” do extravio e do distanciamento, são sintomáticas da linguagem de Pascal. Notemos ainda que o Quinto Escrito foi assinado em 11 de junho de 1658, e ele foi provavelmente publicado em 20 de junho do mesmo ano (Pascal 2010, p. 542, nota). Ora, é o período da primeira carta circular do concurso sobre a cicloide lançada por Pascal. Quando analisarmos as Cartas de A.

único, pois existe uma infinidade deles” (Sel. 486, Laf. 585); “O povo tem as opiniões muito sãs. Por exemplo: (...) De ter distinguido os homens pelo exterior, como pela nobreza ou pela fortuna [le bien]. O mundo triunfa ainda mostrando quanto isso é desarrazoado. Mas isso é muito razoável. Canibais se riem de uma criança rei” (Sel. 134, Laf. 101).

1Cf. nota de G. Ferreyrolles,Pascal (2010, p. 542).

2“Nous ne voulons donc pas que ceux que Dieu nous a commis s’emportent tellement dans la

vue des excès des Jésuites, qu’ils oublient qu’ils sont leurs frères, qu’ils sont dans l’unité de l’Église, qu’ils sont membres de notre corps, et qu’ainsi nous avons intérêt à les conserver; au lieu que les hérétiques sont des membres retranchés qui composent un corps ennemi du nôtre; ce qui met une distance infinie entre eux, parce que le schisme est un si grand mal, que non seulement il est le plus grand des maux, mais qu’il ne peut y avoir aucun bien où il se trouve, selon tous les Pères de l’Église” (Pascal 2010, p. 551).

Dettonville, levaremos em conta justamente a “quantificação” das pequenas porções

e das diferenças1.

Contudo os jesuítas, diz o autor do Quinto Escrito, guardaram ao menos uma coisa boa, que é a unidade da Igreja.

É então indubitável que os calvinistas são culpáveis de maneira totalmente distinta do que os jesuítas; que eles são de uma ordem totalmente distinta, e que não se pode compará-los, sem encontrar uma desproporção extrema. Pois não se saberia negar que haja ao menos um bem nos jesuítas, já que eles guardaram a unidade; enquanto é certo, segundo os Padres, que não há bem algum nos heréticos, não importa que virtude apareça aí, pois

eles romperam a unidade. (Pascal 2010, p. 554)

Se se quer comparar os jesuítas e os calvinistas, se encontrará uma “desproporção extrema”: quer dizer que o erro dos calvinistas é maior do que aquele dos jesuítas. Encontramos aqui uma comparação entre erros de tipo assimétrico, um erro sendo maior do que o outro. Mas não apenas: os próprios calvinistas, e não somente suas opiniões, são de uma ordem totalmente distinta do que aquela dos jesuítas2.

Pascal busca então indicar não apenas onde há erros teológicos, mas também