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Erfahrungstheater: experiência, vivência, choque

2. DAS LEHRSTÜCK: TEORIA

2.2 Erfahrungstheater: experiência, vivência, choque

Brecht se esforça em O vôo de Lindbergh para alterar o espectro da vivência para conseguir extrair dele as cores da experiência. Walter Benjamin

Walter Benjamin (1994), com as teses sobre a noção de história, permite que lancemos um olhar sobre a história de maneira ampliada, compreendendo o fragmento, o rastro, a lembrança, os esboços como possibilidade de buscar analogias entre o passado e o presente. Isso indica uma construção histórica que encontra a presença do passado no presente e um presente já prefigurado no passado. Essa noção de história está atrelada a dois conceitos fundamentais da filosofia benjaminiana que podem iluminar a compreensão contemporânea do projeto brechtiano das peças didáticas: os conceitos colados de Ehrfarung (experiência) e Erlebnis (vivência).

O texto de Benjamin (1994) escrito em 1933, Experiência e pobreza23, é um texto-chave para a discussão sobre a tensão Erlebnis-Erfahrung que entendo como importante na compreensão do projeto teórico das peças didáticas. Nesse texto, Benjamin (1994) constata um emergente desaparecimento no mundo capitalista moderno da experiência (Erfahrung), noção que associa à tradição; ao ato de contar, de dar conselhos, de guardar; e à memória coletiva. A perda da experiência é também a perda de uma tradição compartilhada por uma forma de transmissão familiar, reduzida, mas contínua e transformada a cada nova transmissão. Com o declínio da experiência, decaem também as formas tradicionais de narrativa, já que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

23 Benjamin inicia sua teorização sobre experiência em 1913, com um texto chamado justamente Experiência. Essa discussão torna-se recorrente em sua obra, sendo retomada também em outros

textos como O conceito de experiência em Kant, O narrador, Sobre alguns temas em Baudelaire e

Teses sobre a Filosofia da História, escritos nas décadas de 30-40. Sobre o assunto ver Gagnebin

não há mais experiências que valham a pena ser transmitidas. A arte de narrar não se ajusta ao mundo moderno, à sua velocidade, ao individualismo, à sua forma de produção. A industrialização e as técnicas modernas de informação indicam uma nova forma de estar no mundo, cravada na noção de vivência (Erlebnis): esse é o estado do indivíduo solitário que não tem tempo de compartilhar, de dar conselhos, de escutar. É a experiência vivida, porém solitária, que não remete a nenhuma tradição de experiência coletiva, de reinvenção partilhada.

Benjamin (1994) escreve esse texto refletindo sobre a experiência da Primeira Guerra Mundial. Ele constata o silêncio dos soldados no retorno dos campos de batalha, porque não havia exatamente experiências para comunicar:

Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. (BENJAMIN, 1994, p.115).

A pobreza de experiência, que torna as experiências vividas inconfessáveis, não mais transmissíveis de boca em boca, revela para Benjamin uma nova barbárie. Essa nova barbárie impulsiona a criação do novo, sem apego algum ao que ficou para trás.

É importante ressaltar aqui, como nos lembra Jeane Marie Gagnebin (1994) no prefácio do livro que reúne alguns ensaios de Benjamin sobre literatura e arte, que o foco da discussão benjaminiana em torno do conceito de experiência está na “[...] idéia de que uma reconstrução da Erfahrung deveria ser acompanhada de uma nova forma de narratividade.” (GAGNEBIN, 1994, p.09). Benjamin não se contenta em lamentar o desaparecimento da experiência, mas pretende também apontar, localizando nos artistas de seu tempo, novas formas de narrar. Não há propriamente nostalgia como consequência do declínio da experiência. A constatação de que não há condições de realização para a arte de contar é uma forma também de apontar saídas. Gagnebin (1994, p.11) reúne de forma sintética essas condições e resume:

O depauperamento da arte de contar parte, portanto, do declínio de uma tradição e de uma memória comuns, que garantiam a existência de uma experiência coletiva, ligada a um trabalho e um tempo partilhados, em um mesmo universo de prática e de linguagem.

Para Benjamin (1994), os artistas de vanguarda ajustam sua arte ao princípio da pobreza de experiência, porque a memória, a tradição foi extirpada, golpeada muito francamente com a guerra e o desenvolvimento tecnológico. Interessa-o mais diretamente as experiências artísticas que reconstroem um universo incerto a partir de uma tradição esfacelada, porque estas estariam mais próximas de uma tradição narrativa perdida: o passado torna-se um problema do presente (GERALDO, 2009). Benjamin (1994) refere-se a Brecht como uma das “melhores cabeças do seu tempo” que também trabalha sob esse princípio, como Klee, Scheerbart, Loos, Le Corbusier, artistas da pintura e da arquitetura de forte expressão nas primeiras décadas do século XX.

Brecht, segundo Benjamin (1994), desilude-se totalmente com seu século, ao mesmo tempo em que produz em total fidelidade com sua época. Brecht reconhece no seu tempo que a produção artística implica em reinventar uma nova conformação para a noção de experiência. O cenário é incerto diante da tradição e da memória esfaceladas. Giorgio Agamben (2005, p.30), em Infância e história diz que

“[...] justamente porque o sujeito moderno da experiência e do conhecimento – assim como o próprio conceito de experiência – tem suas raízes em uma concepção mística, toda explicitação da relação entre experiência e conhecimento é condenada a chocar-se com dificuldades quase intransponíveis.”

Não é possível, simplesmente, fidelizar-se à tradição narrativa para recuperar uma experiência coletiva. Para recuperar uma experiência coletiva é preciso inventar outra forma de narrar. Com Agamben (2005) entendo que essa invenção vai encontrar obstáculos importantes. A obra de Brecht me apresenta pistas nesses sentido. Sua obra revela-se no entrecruzamento das noções de experiência e de vivência, porque assume uma forma épico-narrativa como principal mecanismo de oposição ao teatro do seu tempo, ao mesmo tempo em que expõe suas figuras como as descritas por Benjamin (1994, p.116), como espelho do homem “[...] contemporâneo nu, deitado como um recém-nascido nas fraldas sujas de nossa época.”

Brecht, citado novamente por Benjamin (1994) no ensaio O autor como produtor, repudia a idéia de promover experiências individuais. Tratando da publicação dos Versuche, diz que “A publicação [...] ocorre num momento em que certos trabalhos não tem mais porque serem experiências individuais (ter o caráter

de obras), estariam mais bem orientados à utilização (transformação) de certos institutos e instituições.” (BRECHT apud BENJAMIN, 1987, p. 49 tradução nossa24).

Nesses cadernos, os Versuche, Brecht publicou os novos textos das peças didáticas e é a eles que se refere, defendendo-os como distintos da noção de obra, porque são criados para um uso específico, que os subtraem da lógica texto/encenação para inseri-los no âmbito da criação compartilhada. Para Benjamin (1987), Brecht previa uma utilização dos seus trabalhos em completa oposição à ideia de obra como divulgação de uma vivência individual. Fundamental ao objeto artístico era sua função social, sua utilidade como instrumento transformador, provocador de atitude crítica. Em Brecht, as noções de obra e vivência são substituídas pelas de produção e utilidade.

Agora, então, é possível tratar ainda de outra esfera da experiência, como noção benjaminiana, que redimensiona o teatro de Brecht. Sabe-se que, pela especificidade do projeto das peças didáticas, a representação para o público pode não ser necessária. Brecht (1967b, p.1024, tradução nossa25) afirmou em Para uma teoria da peça didática: “A peça didática ensina quando nela se atua, não quando está sendo vista.” Aqui, portanto, a noção de experiência ganha novo fôlego, é reconfigurada, porque se torna experiência compartilhada entre os atuantes, dividida como as narrativas tradicionais que Benjamin (1994) descreve, que vão sendo transmitidas de forma restrita, em pequenos grupos, porque dependem da oralidade, do tempo presente, da escuta.

Dessa forma o projeto teórico das peças didáticas figura como Erfahrungstheater, em antítese ao Erlebnistheater, como indica Andrjez Wirth (1999). As peças didáticas podem promover um teatro de experiência por algumas razões importantes: 1. por recuperarem elementos da linguagem narrativa na estrutura dramática; 2. por se inscreverem em uma proposta pedagógica de jogo entre atuantes; e 3. por ser um teatro que opera, a partir das estratégias de identificação ou de estranhamento, com figuras que se contrapõem de forma individualizada às questões coletivas.

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24 “La publicación [...] sucede en un momento en el que determinados trabajos no tienen ya por qué

ser vivencias individuales (tener carácter de obra), sino que estarán mas bien orientados a la utilización (transformación) de determinados institutos e instituciones.” (BRECHT apud BENJAMIN, 1987, p. 49).

25 “Das Lehrstück lehrt dadurch, daß es gespielt, nicht dadurch, daß es gesehen wird.” (BRECHT,

No texto O narrador de 1936, Benjamin (1994) retoma muitas das questões já postas em Experiência e pobreza para defender a escrita de Nicolai Leskov como pura arte de narrar. Reúne, assim, as características presentes em sua obra que lhe dariam o estatuto de narrador, mas um narrador contemporâneo, que articula vivência e experiência de forma renovada:

Vistos de uma certa distância, os traços grandes e simples que caracterizam o narrador se destacam nele. Ou melhor, esses traços aparecem, como um rosto humano ou um corpo de animal aparecem num rochedo, para um observador localizado numa distância apropriada e num ângulo favorável. Uma experiência quase cotidiana nos impõe a exigência dessa distância e desse ângulo de observação. É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. (BENJAMIN, 1994, p.197-198).

A arte de narrar está associada a uma dimensão utilitária: “Essa utilidade pode consistir num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida.” (BENJAMIN, 1994, p.200). É também traço das narrativas tradicionais o inacabamento, a não justificativa, a ausência de soluções: “Metade da arte narrativa está em evitar explicações.” (BENJAMIN, 1994, p.203). Isso dá ao episódio narrado uma amplitude diametralmente oposta ao que é oferecido como informação pelos jornais, como comunicação de massa. A informação, em essência, se explica, interpreta pelo leitor, porque é, fundamentalmente, formadora de opinião. A narração, em contrapartida, é sugestão, é obra aberta à interpretação de quem dela compartilha e a transmite.

É também por esse aspecto de inacabamento, de obra aberta, que acredito poder defender o teatro de Brecht como um teatro que promove uma nova filiação ao conceito de experiência, como definido por Benjamin (1994), porque propõe uma nova forma de narrar. No caso específico das peças didáticas, temos textos abertos para a experimentação, como modelos que programam, em seu projeto, a alteração, a atualização e a apropriação. Esse é um pressuposto para o trabalho com o Lehrstück: encarar os textos como modelos de ação. Benjamin (2004, p.205) defende ainda, referindo-se à arte de narrar, que “Contar histórias é sempre a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas.” A atualização por parte de quem joga através da imitação de atitudes

e do improviso de situações, procedimentos importantes no tratamento das peças didáticas, é o espaço renovado para que a arte de contar de novo não se atrofie.

Não se trata, contudo, de ver em Brecht a recuperação da noção de experiência benjaminiana, mas de encontrar aqui uma chave para o entendimento do projeto das peças didáticas que concentra a necessidade de conceber novas formas com a urgência dos novos temas. Curioso perceber que Brecht atualiza as formas tradicionais de narrar ou a própria linguagem narrativa, através de um gênero que idealmente lhe faz oposição, como discuti com a noção de drama absoluto trazida por Peter Szondi (2001).

O que defendo é que Brecht, no projeto das peças didáticas, transita de forma bastante intrigante entre a noção de experiência (Erfahrung) e a noção de vivência (Erlebnis). Ao definir a forma épica para seus textos, Brecht se lança contra a atrofia da experiência, pela inclusão de vozes narrativas como as do coro, por exemplo, enquanto as atitudes dos personagens, como os associais, recebem um tratamento individualizado, por exemplo quando tomam decisões particulares, egoístas, solitárias, absolutamente ilustrativas da noção de Erlebnis. O menino em Aquele que diz não26 (BRECHT, 1988), quando decide voltar, desobedecendo à decisão coletiva, opõe-se ao costume, opõe-se, portanto, ao que diz a experiência. Com sua posição individual opera uma reflexão sobre o costume. Não há, portanto, a defesa da Erlebnis como experiência contemporânea, mas há um uso explícito do ato egoísta para refletir sobre o paradoxo da experiência.

É preciso apontar as qualidades da narração quando a tomamos por uma operação artística. Narrar é contar uma história. Contar de novo é o procedimento que garante a continuidade do ato de contar e que confere às historias contadas sua perpetuação e acréscimos. Uma marca importante, às vezes pouco discutida, é que o ato de narrar não pressupõe a transmissão de uma verdade, embora seja mediado pela sabedoria, como encarnação da tradição. A narração é, assim como a experiência, um campo de conhecimento, mas não de verdades. Dentro da linguagem e do espaço do teatro, portanto, com suas vozes no tempo presente e !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

26 Tanto Aquele Que Diz Sim (BRECHT, 1988c) como Aquele Que Diz Não (BRECHT, 1988c) tratam

da saga de um menino que acompanha um professor e um grupo de estudantes numa expedição às montanhas em busca de remédios e instruções e, no seu caso específico, em busca da cura para a doença da sua mãe. Nessa viagem ele se depara com a situação de ver posto em prática um velho costume que determina que quem não possa seguir viagem deve ser abandonado. Essas peças têm inspiração no Nô de Zenchiku, chamado Taniko, ao qual Brecht teve acesso através de uma versão em língua inglesa.

estruturadas no diálogo como desenho relacional, é que o teatro de Brecht, com as peças didáticas, pode esboçar uma nova forma de narrar e reinventar a noção de experiência.

Segue um trecho do Fatzer, onde a tensão entre as decisões individuais e coletivas ganha um desenho exemplar das questões aqui discutidas:

Aparecem dois Açougueiros

FATZER

Aqueles ali me ofenderam ontem. Precisamos mostrar a eles Que não podem conosco.

BÜSCHING

Fique aí, Fatzer, nós precisamos Da carne.

FATZER

Não me importa. Preciso Falar com eles.

Fatzer avança em direção a um Açougueiro. Outros Açougueiros saem da loja e o cercam.

AÇOUGUEIROS

Ali está aquele sujeito que

Levou uns cascudos ontem. Ele quer Levar mais um pouco hoje.

FATZER

Ontem eu era apenas um. Mas hoje

Estamos em maior número. Vamos lá Büsching!

UM AÇOUGUEIRO

Dêem-lhe um soco na boca! Quem é ele?

Eles derrubam Fatzer

KEUNER Para Büsching e Leeb Fiquem onde estão! Não se deixem Notar. Façamos como

Se não o conhecêssemos.

UM AÇOUGUEIRO para eles Ei, vocês aí!

Vocês o conhecem?

KEUNER Não!

UM AÇOUGUEIRO Vocês estavam com ele Vocês devem conhecê-lo. KEUNER

Não, nós não o conhecemos.

OS AÇOUGUEIROS voltando para a loja Melhor para vocês!

(BRECHT, 1995b, p. 216-219)

Fatzer tinha saído para arrumar comida e conseguiu alguma garantia de um soldado para o dia seguinte. Seus companheiros Keuner, Büsching e Leeb esperam por Fatzer no lugar combinado, mas Fatzer se atrasa porque se envolve numa confusão com os açougueiros. Os açougueiros reencontram Fatzer no dia seguinte e o espancam na frente de seus companheiros. Seus colegas fingem não conhecê-lo. Brecht (1995b) dá o título de Segundo desvio de Fatzer ao fragmento que contém esse trecho, do qual trouxe aqui apenas um recorte. Nele se destaca um dos desdobramentos do egoísmo de Fatzer, de sua postura associal. A inversão importante é que seus companheiros, que desertaram com ele, fazem duplo de sua atitude e negam ajuda para não serem reconhecidos. Fatzer frustrou as expectativas de conseguir algum alimento. Sua ação solitária opera um desvio ao planejado. A reação de seus colegas também é uma forma de qualificar a ação de Fatzer. A vivência, figurada exemplarmente na atitude associal de Fatzer, é refletida pela reação dos companheiros. O que se abre ao exame não é a ação de Fatzer, nem a dos seus companheiros, mas a discussão sobre o valor do acordo. Aqui, portanto, a chamada ação dramática não se resolve, mas ganha um encaminhamento épico: a situação se impõe mais forte que os destinos de cada um, o comportamento associal parece indicar uma nova forma de narrar.

É importante refletir aqui sobre o que pode significar uma inovação técnica. O texto de Brecht opera uma inovação técnica. Nesse trecho específico do Fatzer, a ação esperada, a ação consequente, seria a ajuda. A interrupção no desenrolar natural da ação acontece dentro mesmo da ação dramática e através do diálogo. A negação à ajuda se dá como meio técnico e recurso épico, porque desorganiza a identificação na relação Fatzer/companheiros e instaura uma suspensão da ação. O que foi interrompido pode ganhar, com a interrupção, o status de acontecimento. O acontecimento que surge da interrupção produz a emoção específica do espanto. Esse é um dos trabalhos de Brecht: saber fazer operar a interrupção da ação.

A função do texto no teatro épico, cuja investigação Benjamin diz ser difícil, não seria a de apoiar ou ilustrar a ação, mas a de interrompê-la. O texto, portanto, junto com os recursos técnicos, o desempenho do ator por meio do “gesto” e o Verfremdungseffekt, teria a função de “interromper a ação”,

cuja intenção era de desincompatibilizá-la do público. (DAMIÃO, 2007, p.198).

Carla Damião (2007), no artigo Sobre o significado de épico na interpretação benjaminiana de Brecht, discute que o conceito de interrupção (Unterbrechnung) para Benjamin é central no entendimento do teatro épico, associado imediatamente à função do gesto. Benjamin relaciona o conceito de interrupção ao da vivência do choque (Schockerlebnis), através das noções de montagem no cinema e de estranhamento no teatro, como meios técnicos artísticos de invenção de novas formas de narrar. No Fatzer, por exemplo, a possibilidade de organizar as partes está dada na sua forma de fragmento, o que permite liberdade de montagem.

Para Benjamin (1994), a noção de experiência individual ou vivência (Erlebnis) substituiu, na sociedade moderna, a experiência coletiva e compartilhada (Erfahrung). A vivência do choque (Schockerlebnis) é uma espécie de choque perceptivo, fruto da tecnicização, do automatismo, da velocidade da vida moderna. A arte, para expressar e discutir essa nova percepção, cria princípios de trabalho como a collage, a montagem, a interrupção da ação. Jacques Rancière (2008, p.81) discute a aparição da montagem dentro da tradição estética do século XX:

Esta estética foi implementada na altura do Dadá e do Surrealismo como uma forma de fazer explodir a “realidade” do quotidiano burguês e revelar a realidade mais profunda por ele reprimida, a realidade do sonho, do desejo e do inconsciente. Depois foi retomada pelos artistas marxistas que começaram a usar este processo, através da técnica da fotomontagem, como uma forma de mostrar as realidades da violência e da exploração que sustentavam as falsas aparências de uma pacata democracia.

A montagem, aqui entendida como recurso estético, é um jogo para promover o choque entre elementos heterogêneos e por vezes contraditórios (RANCIÈRE, 2008). A montagem parte do princípio da descontinuidade. A modernidade, para Benjamin, pode ser resumida nos sintomas de sua urgência (LISSOVSKY, 2005), no interesse e na provocação da descontinuidade. A análise de Norbert Bolz (1992) ajuda a entender o contexto das reflexões de Benjamin, para quem o tempo da descontinuidade encontra representação no exercício artístico do choque: “Por isso, a Guerra Mundial é, para Benjamin, o antiépico por excelência. Nada pode ser relatado a seu respeito, porque o que a Guerra Mundial conseguiu foi transformar a vida toda em sequências de choques.” (BOLZ, 1992, p.98).

O teatro épico expressa-se através de meios técnicos como o cinema e o rádio, refuncionalizando esses meios ao se utilizar deles na linguagem teatral. Benjamin (1994, p.217) já havia feito uma analogia entre a interrupção da ação – provocada pelas diversas formas de efeitos de estranhamento – e a montagem como recurso técnico utilizado pelo cinema, pelo rádio e pela fotografia, quando afirmou que o “O teatro épico avança aos saltos, de um modo comparável ao das imagens de uma película cinematográfica. A sua forma básica é a do choque.”

O choque para Brecht é articulado em seu teatro através das diversas formas de interrupção da ação, que se organizam no teatro épico sob a prática do estranhamento. Através do estranhamento o procedimento da identificação com o personagem – seja do espectador, seja do ator – é interrompido, a fim de criar uma certa distância crítica. Com esta atitude estimulada pelo estranhamento, a obra (em