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3. DAS LEHRSTÜCK: CONCEITOS OPERATIVOS

3.1 Modelo de ação

No livro Brecht: um jogo de aprendizagem, Ingrid Koudela (1991) apresenta, fundamentada nos estudos de Reiner Steinweg, uma apreciação aprofundada da peça didática, esclarecendo seu lugar na obra de Brecht. As peças didáticas foram, por muito tempo, avaliadas por critérios falsos que geralmente as taxavam como produtos de uma fase de transição, uma fase superada na dramaturgia de Brecht.

Steinweg (1972), através de uma rigorosa pesquisa, restituiu-lhes seu lugar e atribuiu-lhes o estatuto de tipologia específica na dramaturgia brechtiana e de fundamento para uma prática teatral e pedagógica. Com o livro Das Lehrstück – Brechts Theorie einer politisch-ästhetischen Erziehung (A peça didática – a teoria de Brecht para uma educação político-estética), Steinweg (1972) reúne, de forma pioneira, um vasto material sobre a peça didática com textos esclarecedores desta tipologia dramatúrgica.

Brecht (1967b) é claro, em Para a teoria da peça didática (Zur Theorie des Lehrstücks), ao afirmar que a peça didática instaura um espaço de aprendizagem quando é representada, ainda mais do que quando é apreciada. Ensina mais a quem faz do que a quem assiste. Nesse novo lugar destinado ao espectador (sua inclusão na representação, no jogo teatral como participante, como jogador), reside

a ideia de um teatro do futuro, no qual as acepções tradicionais de ator e espectador poderiam desaparecer, já que o espaço do teatro seria, fundamentalmente, o espaço do conhecimento, um espaço onde

Os homens tenham a possibilidade de preparar-se para iniciativas de ordem social através dos meios teatrais. Nestes locais, as experiências individuais e históricas poderão ser estudadas e elaboradas, bem como o efeito de situações sociais que determinam atitudes corporais. (BRECHT, 1967b, p.842 apud KOUDELA, 1991, p.158).31

É por isso que para Steinweg (1972) a peça didática (e não a peça épica de espetáculo) indica um modelo de ensino-aprendizagem próprio de um teatro do futuro. Esse autor, em seu trabalho de pesquisa, tenta sistematizar o projeto teórico- prático do Lehrstück e concebe como sendo duas as regras da peça didática. A regra básica, que é a da atuação sem espectadores; e a regra de realização, segundo a qual os padrões estéticos das peças épicas não têm função nas peças didáticas, já que estas últimas são modelos para a geração de atitude crítica e de comportamento político. Steinweg (1972 apud KOUDELA, 1991) empenhou-se em distinguir a peça didática da peça épica de espetáculo, apontando para diferença fundamental definida como regra básica: uma atuação sem espectadores, própria das peças didáticas, garante a realização de um ato artístico coletivo. Seu trabalho retoma o de Brecht, que se dedicou também a essa distinção em diversas partes dos seus escritos como, por exemplo, neste pequeno trecho, no qual trata da dramaturgia épica:

[...] o caminho dessa dramaturgia leva, de um lado, ao grande drama dialético materialista (forma épico-documental), [que é] na realidade apenas restauração do teatro existente, e, de outro, ao teatro didático ativo, um novo instituto sem espectadores, onde os jogadores são ao mesmo tempo ouvintes e falantes. Sua realização reside no interesse de uma causa pública coletivista, sem divisão de classes. (BRECHT, 1967b apud KOUDELA, 1991, p. 21-22).

Se na teoria das peças didáticas, Brecht (1967b) já prevê o uso dos textos como aparelhos para a experimentação e para o jogo e não para sua encenação, aqui está, ao que tudo indica, uma chave importante para um aporte crítico, através !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

31 Muitos textos teóricos de Brecht ainda não se encontram traduzidos para o português. Ingrid

Koudela em seu livro Brecht: um jogo de aprendizagem (1991) traduziu boa parte dos textos referentes à peça didática, reunidos na edição das Obras Completas de Brecht, (Bertolt Brecht

Gesammelte Werke) publicadas em 1967 pela Surhkamp. Faço uso aqui das traduções de

da proposição desses textos como material de contato, discussão e criação em um trabalho em grupo, a partir das questões que cada texto traz.

Ingrid Koudela (1991) discute a dimensão contemporânea e reflexiva das peças didáticas, ao solicitar que o tratamento a elas possa, a partir da sua caracterização como fase experimental da obra de Brecht, qualificá-las dentro do arsenal mais amplo de contribuições desse projeto. Ela afirma que

Apontar o caráter experimental dessa dramaturgia não significa efetuar sua relativização, mas sim uma qualificação que permite discernir as contribuições específicas que as “sugestões” de Brecht são capazes de trazer, justamente a partir da sua radicalidade. [...] Brecht compreendia o trabalho artístico como produção. [...] O primado dos aparatos e a monopolização dos meios de produção faziam com que a obra de arte assumisse o caráter de mercadoria. [...] Realizar um novo teatro significa proceder a uma Funktionswechsel (troca de função) do teatro existente (KOUDELA, 1991, p.10-11).

As pesquisas de Steinweg (1972, 1976) e Koudela (1991, 1992, 2001) propõem um novo estatuto para as peças didáticas. Experimentar as peças didáticas a partir do conceito de modelo de ação é um passo importante na revisão do projeto brechtiano, atualizando-o através do jogo e da apropriação performática de suas proposições.

O trabalho com essa tipologia dramatúrgica impõe, na sua revisão contemporânea, uma reaproximação crítica com o projeto teórico-prático de Brecht, diante das experiências socialistas falidas e de uma organização capitalista feroz e devastadora. A utopia brechtiana, que supunha um novo homem em novas condições sociais que pudesse fazer uso do teatro como um jogo (como uma experiência compartilhada), precisa ser compreendida hoje, especialmente, a partir do que essas peças podem trazer como sugestão, como Koudela (1991; 1992) indica quando trata das contribuições especificas sugeridas nesses textos.

A investigação do termo modelo de ação encontra, na tradução em português, a divulgação científica do termo alemão Handlungsmuster. É curioso como justamente o exercício de discutir a tradução deste termo trouxe a necessidade de examinar com mais profundidade os escritos específicos de Brecht sobre as peças didáticas, que não são muitos e que se encontram quase totalmente traduzidos nas citações feitas por Koudela (1991) no seu livro Brecht: um jogo de aprendizagem.

O jogo com as peças didáticas pressupõe o entendimento da problemática social por parte de quem propõe a atividade, para que quem a jogue possa entrar em contato com o tema de discussão. Dessa forma é importante problematizar o conceito de modelo de ação. Ao problematizá-lo, podemos contribuir para a compreensão do texto como modelo. A palavra modelo é controversa, mas é a que tem sido usada no contexto da pesquisa sobre as peças didáticas como tradução da palavra alemã Muster, que, entre outras acepções, é sinônimo também de padrão, desenho, amostra, protótipo ou exemplo.

Precisamos compreender o texto poético da peça didática como modelo na perspectiva ampliada dos sentidos associados à palavra, como protótipo, como algo em construção; estruturado, mas aberto e não na rigidez que a palavra modelo acaba trazendo em sua primeira definição. É importante compreender o texto, a partir desse conceito, como um modelo que sofre uma ação. O termo em alemão é um composto de dois substantivos. Nesse caso, o genitivo, a palavra modelo, promove uma adjetivação da palavra ação. A tradução é difícil e implica no entendimento expandido de um modelo que sofre uma ação e não de um modelo rígido. O texto está aberto ao experimento e permanece assim através da ideia de moldura predeterminada.

Em uma revisão dos escritos de Brecht (1967b) sobre a teoria e a prática dos Lehrstücke, encontro indicações sobre a teoria das peças didáticas em textos específicos escritos por Brecht em 1930, 1931, 1937 e 1956. Foram reunidos sob o título Para as peças didáticas (Zu den Lehrstücken). São notas que comentam os textos e tecem também considerações sobre os conceitos ligados à teoria e à prática das peças didáticas. Em outros pequenos textos também encontro referências ou pequenos comentários a essas peças que, mesmo dispersos, podem me auxiliar na sua compreensão (TEIXEIRA, 2003).

Walter Benjamin (1987) dedica um tratamento especial às peças didáticas já em 1932, quando reconhece a especificidade desses textos no conjunto das peças de Brecht. Com o exílio de Brecht durante a Segunda Guerra Mundial e com o desenvolvimento de sua dramaturgia através das peças épicas de espetáculo, as questões em torno do Lehrstück foram deixadas de lado, inclusive pelo próprio Brecht. Com sua morte em 1956, sua obra passa por uma revisão crítica ao longo dos anos de 1960 e 1970. Essa revisão crítica divulga, em geral, um certo pensamento em comum sobre o Lehrstück: os textos desta fase foram tratados

como textos de uma fase de transição marxista vulgar ou textos menores do jovem Brecht. Isso contribuiu bastante para uma forma de leitura da obra brechtiana, ainda encontrada hoje e muito atrelada à sua biografia que, por isso, taxa de modo simples e apressado as peças didáticas como obra menor, devido à suposta imaturidade do autor.

O trabalho de Reiner Steinweg, nos anos de 1970, é o de restituir às peças didáticas um tratamento mais atento, sendo estudadas em seu projeto artístico como um todo. Para Steinweg (1972 apud KOUDELA, 1991) elas representam um modelo de teatro do futuro, porque conseguem fundir teoria e teatro em sua forma estrutural, criando uma dramaturgia específica, especialmente por conter um projeto estético- pedagógico. A contribuição de Steinweg é vultosa por reunir todos os escritos de Brecht sobre esse assunto, que até então não haviam sido publicados nas obras completas, além de publicações importantes como a edição crítica da peça didática A Decisão. Contudo, há que se fazer reservas à sua forma de apresentar as peças didáticas como o grande projeto brechtiano, para evitar o risco da supervalorização, em sentido oposto.

O projeto das peças didáticas surge em um contexto social onde urgia desenvolver formas para intervir na base das instituições formadoras de ideologia. São pensadas estratégias para seu uso numa projeção que previa uma preparação, um plano operacional para a transição necessária a uma sociedade sem classes. Como plano, portanto, as peças didáticas desenham uma utopia, porque Brecht conta com uma transformação radical da sociedade. Como prática de demonstração pública elas atingem a dimensão do modelo, promovendo a crítica, expondo as contradições sociais (KOUDELA, 1991). Seu público tem alvo direto: os jovens. Seu objetivo é claro: educar (erziehen) para o Estado. Para o entendimento desse projeto pedagógico e político, o pequeno texto de Brecht chamado Teoria da Pedagogia (Theorie der Pädagogien) é elucidativo. Transcrevo-o aqui na íntegra:

Os filósofos burgueses estabelecem uma grande diferença entre o atuante e o observador. Essa diferença não é feita pelo pensador. Se mantivermos uma diferença, então deixaremos a política para o atuante e a filosofia para o observador, quando na realidade os políticos deveriam ser filósofos e os filósofos políticos. Entre a verdadeira filosofia e a verdadeira política não existe diferença. A partir desse reconhecimento, aparece a proposta do pensador para educar os jovens através do jogo teatral, isto é fazer com que sejam ao mesmo tempo atuantes e espectadores, como é sugerido nas prescrições da pedagogia. O prazer de observar apenas é nocivo ao Estado, assim como o é o prazer da atuação apenas. Ao realizar, no jogo, ações que são submetidas à sua própria observação, os jovens são

educados para o Estado. Esses jogos devem ser inventados ou executados de forma que o Estado tenha um proveito. Sobre o valor de uma frase ou de um gesto não decide, portanto a beleza, mas sim se o Estado tem algum proveito quando os jogadores enunciam a frase, executam o gesto e entram em ação. O proveito que o Estado deve ter poderia ser minimizado por cabeças estreitas, se, por exemplo, só deixassem os jogadores realizar as ações que lhes parecessem socialmente úteis. Pois justamente a representação do associal por aquele que se tornará cidadão do Estado será útil ao Estado, principalmente se for efetuada a partir de modelos precisos e grandiosos. O Estado pode melhorar os impulsos associais do homem ao solicitá-los (eles que nascem do medo e da ignorância) de uma forma perfeita e quase inacessível ao individuo sozinho. Este é o fundamento da utilização do teatro na pedagogia. (BRECHT, 1967b, p.1022

apud KOUDELA, 1991, p.15)

O projeto brechtiano das peças didáticas é aberto. As dimensões estéticas, políticas e pedagógicas precisam ser associadas para que o projeto seja compreendido como um plano complexo. O jogo com as peças didáticas pressupõe o entendimento ampliado desse projeto. Sua utilização hoje se reveste da responsabilidade de considerar essas dimensões, requalificando-as, discutindo, portanto, as funções estéticas, políticas e pedagógicas neste tempo, diante da realidade atual.

Para Bornheim (1992) a especificidade das peças didáticas de Brecht estaria não no exercício da pedagogia (pois todo seu teatro tem esse objetivo), mas na utilização do teatro como meio didático. A peça didática, no dizer de Bornheim (1992, p.185),

[...] não quer ser mais do que um instrumento de ensino. Há uma máxima que orienta o teatro didático: fazer é melhor do que sentir. A rigorosa conseqüência disso é que o público seja suprimido, todos devem atuar e participar ativamente da montagem, e de tal maneira que haja alternância, que cada participante passe por diversos papéis.

Bornheim (1992) dedica três capítulos do seu livro Brecht: a estética do teatro às peças didáticas. No segundo deles, onde trata das questões teóricas relativas a essas peças, faz um estudo detalhado do público. Segundo esse autor, Brecht, naquela época, teria dois olhares sobre o público. Um deles, o relativo às óperas, é condescendente, pois as reações do público são de tal maneira determinadas pelo aparelho teatral, que só restaria como alternativa a criação de óperas nas quais se exercitasse a ironia e a crítica a esse aparelho. O outro olhar sobre o público é radical: se o público não consegue reagir à força do aparelho, que se mude a natureza do público. Seria preciso abandonar a acepção tradicional de público e a solução estaria na atuação das peças didáticas sem público. Tal olhar esbarra em

uma dificuldade: a hegemonia da dicotomia sujeito/objeto, coroada no teatro com o tradicional palco italiano, que estabelece fisicamente o lugar do espectador e do ator no teatro. Brecht tenta trabalhar com a passividade do objeto, com o espectador, suprimindo um dos lados da dicotomia. Tal supressão, para Bornheim (1992), não resolve a questão, porque é a própria dicotomia em si que precisa ser trabalhada. A solução encontrada por Brecht – conseguida através dos experimentos didáticos – é respeitar essa dicotomia e explorar suas possibilidades internas.

É tratando das questões teóricas relativas às peças didáticas que Bornheim (1992) oferece ao leitor seus mecanismos de interpretação do projeto brechtiano do Lehrstück, reduzindo o problema ao tratamento espacial – instaura-se ou não uma nova disposição palco/plateia – e à discussão sobre a dicotomia definida fisicamente pelo palco italiano.

Contudo [...] ele [Brecht] apenas cede a uma situação de cansaço, a ausência de suficiente “resposta” do público burguês. Com outras palavras: a experiência didática de Brecht se instala no âmago da dicotomia, ou daquilo que a cultura burguesa dela fez, e o seu empenho não vai além da tentativa de abolir um de seus termos, o da passividade do objeto; adentra- se, portanto, no extremo resultado da história do sujeito e do objeto, e do relacionamento de ambos. Talvez se possa falar assim: tudo se passa como se a vigência da dicotomia estivesse esgotada, como se ela estivesse dando mostras de um estiolamento irreversível, e como se a reação de Brecht, suprimindo um dos seus termos, não conseguisse de fato ir além da questão maior, que se concentra em torno do próprio advento da dicotomia. (BORNHEIM, 1992, p.201).

Para Bornheim (1992), o apego de Brecht ao palco italiano é um apego acrítico, sem abandonar a dicotomia sujeito/objeto. Para ele, a supressão do público proposta na teoria do Lehrstück é uma radicalização ingênua, porque não modifica nem dá um tratamento histórico-crítico a essa dicotomia, rejeitando-a, ao invés de confrontá-la. Com Benjamin (1994), contudo, o que se apresenta na sua leitura crítica do teatro épico é, a princípio, a discussão entre palco e drama, entre teatro e literatura. Em crítica ao teatro político do seu tempo, diz Benjamin (1994, p.79): “As relações funcionais entre palco e público, texto e representação, diretores e atores quase não se modificaram. O teatro épico parte da tentativa de alterar fundamentalmente essas relações.”

A alteração fundamental dessas relações passa por uma mudança de função (Funktionswechsel) e pela atribuição de um novo sentido às noções de texto e representação. Representar não é interpretar virtuosisticamente determinado texto,

mas mostrar – eis aqui o verbo realmente importante na compreensão da teoria do teatro épico – rigor e controle. O texto deixa de ser, portanto, fundamento para a representação, mas um modelo, um roteiro de trabalho, passível de modificação. A liberdade diante do texto escrito é em si uma inovação e instaura uma mudança de função na construção do que Benjamin (1994) gosta de chamar de novo palco.

Brecht, ao que indica a leitura de Benjamin (1994), não está interessado na revisão crítica da dicotomia palco/plateia, como Bornheim (1992) problematiza, mas em refuncionalizar esse palco, na perspectiva histórica de sua existência e de sua carga social, instaurando, sem criar outra disposição física, esse espaço como “[...] uma sala de exposição, disposta num ângulo favorável.” (BENJAMIN,1994, p.79). O público desse palco-tribuna seria como uma assembleia de interessados.

Bornheim (1992) considera que as peças didáticas e sua radicalidade refletem o embate de Brecht com uma questão ainda sem solução no seu teatro: o público. Por isso ele resolve suprimi-lo, para oferecer um teatro a serviço da pedagogia, um teatro como meio didático para a educação. Esta forma de encarar a supressão do espectador como “rigorosa consequência” parece não considerar os outros aspectos de um projeto maior, pretendido por Brecht através das peças didáticas, como a proposta de uma prática pedagógica fundamentada em uma teoria político-estética própria.

A virada brechtiana para a radicalização formal das peças didáticas, para Bornheim (1992, p.182), se dá pela supressão do público, se dá como uma “[...] dolorosa renúncia [...] a abdicação de um projeto maior – a ópera.” Dessa forma, torna a repetir a divisão entre projeto maior e projeto menor, enquadrando as peças didáticas já no seu surgimento como um projeto de substituição e não de experimentação, mesmo tendo defendido o Lehrstück como um “[...] laboratório em tudo elucidativo” (BORHNEIM,1992, p.45). Walter Benjamin (1987, p.38, tradução nossa) esclarece que:

A peça didática está destinada em qualquer caso tanto aos atores como aos espectadores. A peça didática se diferencia como um caso especial essencialmente porque a peculiar pobreza do aparelho simplifica e aproxima o intercâmbio do público com os atores e dos atores com o público. Cada ator poderá também chegar a atuar. E de fato resulta mais fácil representar o “mestre” do que o “herói”.32

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32 “La pieza didáctica está destinada en cualquier caso tanto a los atores como a los espectadores.

La pieza didáctica se diferencia esencialmente como caso especial porque la peculiar pobreza de la tramoya simplifica y acerca el intercambio del público con los actores, de los actores con el

Este caminho simples é indicado por Benjamin para que se compreenda que, no caso das peças didáticas, está suposto que o material poético de base, o texto, é construído para sofrer uma ação. A abertura para essa ação (Handlung) interfere fundamentalmente na relação ator/espectador.

A pesquisa de Andrzej Wirth (2009) traz uma leitura aproximada a essa de Benjamin (1987), com o acréscimo de ser refletida diretamente da sua experiência de aplicação dos jogos e do texto como modelo de ação. Wirth defende que os textos dos Lehrstücke possam ser lidos como libretti. Ao serem considerados libretos, passam a ser interpretados em seus aspectos formais (vocais, musicais, coreográficos). Dos aspectos formais é possível apreender, então, seus conteúdos (como tese ou como experiência), o que vai depender da prática que cada grupo envolvido num trabalho com esses textos pode compor.

Wirth (2009) ainda defende que a teoria subjacente ao estranhamento é antecipada na tipologia dramatúrgica dos Lehrstücke, porque pode ser compreendida também na troca de papéis (princípio de trabalho fundamental com esses textos) e não apenas em relação ao gesto do canto ou da interrupção da ação, efeitos comuns nas peças épicas de espetáculo. Nas peças didáticas, Brecht