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5. FATZER EM JOGO: EXPERIMENTOS COM O TEATRO MÁQUINA

5.2 Relatos por dia

5.2.1 ETAPA DE TRABALHO 1 Dia 01

Atividades:

a) Jogo das pedras

b) Apresentação da pesquisa c) Discussão

d) Encaminhamentos para o dia seguinte

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59 Os encontros foram registrados nos meus cadernos de notas e estão aqui relatados. Optei por não

fotografar nem realizar nenhum outro tipo de registro audiovisual durante o processo para não afetar o formato e a qualidade dos encontros, cuja dinâmica de atividades foi intensa. Os jogos previam a participação ativa de todo o grupo. Ocupar-se com outras formas de registro poderia alterar essa dinâmica. Um vídeo foi produzido um mês depois do último encontro, quando o grupo se reuniu com o propósito específico de refazer algumas atividades, como demonstração. O vídeo está disponível em: http://vimeo.com/61149096.

Relato das atividades:

a) Jogo das pedras

Materiais: copo opaco, duas bolas (uma clara e uma escura). Procedimento: tirar a sorte.

Desenvolvi esse jogo inspirada na situação que aparece no fragmento B9 da primeira fase de trabalho do Fatzer, em que os quatro soldados tiram a sorte depois que abandonam o tanque. É interessante observar como Brecht (2002b) reescreve essa situação em diferentes momentos do material, inserindo novos trechos de diálogo e desenvolvimento. Estabeleci esse jogo como atividade diária das etapas de trabalho 1 e 2, como jogo para instauração do estado de blefe e sabotagem. A fala de Fatzer que prenuncia o jogo de azar é:

Olhem aqui, quero tirar a sorte e ver Com essa pedra clara e essa escura Se ainda vou escapar desse inferno Se der branco, escapo

Se der preto, não.

Joga a sorte

(BRECHT, 2002b, p.31).

O jogo consta em tirar a sorte. A pedra branca é sorte, a preta azar. Entreguei aos atores um copo com duas bolinhas de borracha dentro e pedi para retirarem apenas uma, sem olhar. Curiosamente, apenas eu tirei a sorte nessa primeira rodada. Isso foi suficiente para inaugurar uma espécie de desconfiança. Expliquei para os atores que esse jogo seria feito em outros dias e que a cada dia dessa etapa de trabalho haveria uma surpresa preparada por mim, relacionada a esse jogo.

b) Apresentação da pesquisa

Preparei uma apresentação em slides. Neles apresentei a estrutura das etapas de trabalho, o sumário da pesquisa, o plano operativo, os principais conceitos relativos à etapa prática e as regras para os dias de encontro prático. Depois de apresentado o esquema geral da pesquisa, suas etapas teóricas e práticas, detive- me na definição dos conceitos que julgo fundamentais para dar início aos jogos e exercícios com o texto.

Os conceitos apresentados foram os de modelo de ação, fábula e experiência, além dos procedimentos de improvisação e imitação61. Para tratar da noção de experiência, precisei discutir um pouco mais amplamente o conceito de história para Walter Benjamin (1994) e as relações que traço entre a noção de experiência e as peças didáticas, como exercício de uma nova forma de narrar.

Em seguida apresentei o plano operativo da Etapa de Trabalho 1 e as orientações62necessárias ao trabalho prático.

c) Discussão

Os atores pediram para conhecer logo a fábula de Fatzer, perguntaram a que material teriam acesso, interessaram-se pelos jogos e pelo formato do plano operativo. As orientações para a prática foram amplamente discutidas, especialmente a que solicitava que eles tentassem transformar os comentários em ação. Depois de lida a fábula escrita por Brecht (2002b) no fragmento A3263, discuti com o grupo acerca das possíveis razões do fracasso das revoluções e das tentativas revolucionárias de pequenos grupos, sobre a deserção como um crime de guerra e sobre as possíveis questões que o material suscitaria.

d) Encaminhamentos para o dia seguinte

Como encaminhamento solicitei a eles que viessem com roupas que pudessem ser manchadas.

Dia 0264

Atividades:

a) Relato pessoal b) Jogo das pedras c) Jogo As beterrabas d) Discussão

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61 Modelo de ação e estranhamento são os dois conceitos centrais na teoria da peça didática. Pela

prática do grupo, entendi que não seria necessária uma introdução específica ao conceito de estranhamento. Preferi me deter sobre as noções que – somadas ao que já praticava em grupo tomando o estranhamento brechtiano como princípio de trabalho – receberiam um tratamento específico nessa pesquisa.

62 No capitulo 4, no item 4.3, p.131, apresento as orientações para a prática. 63 O fragmento A32 pode ser lido no capitulo 3, p.99

e) Leitura do texto f) Produção da fábula

g) Improvisação com troca de papéis h) Discussão

i) Encaminhamentos para o dia seguinte

Relato das atividades:

a) Relato pessoal

Procedimentos: contar uma história que viveu a partir de tema pré- determinado, ouvir as outras histórias e escolher uma para recontar em primeira pessoa.

Situação: descrever uma situação que viveu em que desconfiaram de você. Cada ator deveria contar uma história que viveu e escutar as dos outros para depois recontar como seu o relato de outro, imitando gestos e entonações. Apresentei o tema: descrever uma situação que viveu em que desconfiaram de você. Os atores demoraram um certo tempo para lembrar uma situação com o tema indicado por mim. O local para a realização dessa atividade foi a sala de ensaios, com o grupo sentado em círculo, no chão.

Depois de todos contarem sua história, cada um escolheu um relato para recontar e reproduziu o que o outro havia dito, em primeira pessoa e com imitação de gestos. Registrei os tipos de situação que se conectavam de forma secundária ao tema principal. Na observação dos atores em relato, percebi que há duas qualidades de gestos: 1. os envolvidos na narração; e 2. os que se relacionam diretamente com a história contada, como ênfase, ou os que surgem quando não é possível descrever – nesses casos fazer (mostrar) é melhor que dizer.

b) Jogo das pedras

Materiais: copo opaco, duas bolas (uma clara e uma escura). Procedimentos: tirar a sorte.

O jogo das pedras, já conhecido do grupo, foi realizado. Solicitei em segredo à Loreta que quando os colegas fossem tirar a sorte no jogo das pedras, ela risse terrivelmente se alguém tirasse o azar. O jogo se iniciou: cada vez que alguém retirava a bola escura, Loreta ria terrivelmente. A atriz, que estava sentava, rolou seu corpo para trás e prolongou o riso. Por coincidência todos, inclusive a própria Loreta, tiraram a bolinha escura. Ela riu em todas as situações, inclusive na sua. A princípio os demais estranharam o comportamento de Loreta. O estado de desconfiança estava instaurado: Ana Luíza começou a rir também, fazendo com isso uma espécie

de citação irônica ao gesto da Loreta. Não foi feito nenhum comentário sobre esse jogo. A primeira sequência de jogos começou.

c) Jogo As beterrabas:

Fase 1: Improvisação da situação.

Materiais: 6 beterrabas frescas, um saco plástico preto.

Procedimentos: esconder o saco com as beterrabas e pedir para o encontrarem.

Indicações: improvisar quando encontrarem o saco com as beterrabas. Todos devem assumir a atitude de famintos.

Esse jogo foi retirado da situação em que um dos quatro soldados encontra beterrabas e compartilha com os demais. No Fatzer aparece como sexta situação, dentro de uma subdivisão do material denominada B15. Essa situação que se inicia com o episódio das beterrabas se intitula Fatzer traz um jornal e fala sobre Nova Iorque (BRECHT, 1997, p.416). O trecho é deflagrador de uma situação de fome e desconfiança, na qual os princípios definidos entre os soldados desertores, como o de só agirem coletivamente, são postos em dúvida. Escolhi esse trecho para desenvolver o primeiro jogo da etapa prática porque defendo a qualidade modelar dessa situação, que expõe os personagens em relação, trazendo à tona sua condição social e abrindo o problema ao exame.

Para o jogo com as beterrabas a preparação de materiais e do espaço exigia planejamento e elaboração. Comprei seis beterrabas, as descasquei pela metade e guardei-as em um saco preto. Escondi o saco na sala onde seriam realizadas as atividades daquele dia.

Dei a indicação da situação e a orientação para as ações. A situação é de muita fome. A ação proposta a eles é de que deveriam procurar um saco com beterrabas. Todos deveriam estar com muita fome. Aline foi a primeira a encontrar o saco. Abriu, mostrou para os demais, todos se aproximaram vorazmente e começaram a comer. A improvisação da situação não teve maior desenvolvimento. Interrompi para dar início à nova sub-etapa do jogo As beterrabas:

Fase 2: Improvisação com ações pré-definidas:

Materiais: 6 beterrabas frescas, um saco plástico preto.

Procedimentos: dividir as ações e trocar, até que todos tenham podido experimentar todas as ações.

Indicações: improvisar as ações quando encontrarem o saco com as beterrabas. Todos devem assumir a atitude de famintos.

Distribuí as ações entre os atores: alguém chega com o saco de beterrabas, alguém prova, alguém vê que já há duas que foram mordidas, alguém manda cuspir, alguém não cospe, alguém cospe na cara de quem mandou cuspir, alguém lembra que precisa cozinhar, alguém diz que se comer a beterraba crua vai começar a peidar, todos comem, menos um.

Alguns atores acumularam duas ações. Outros repetiram as ações de outros colegas durante a improvisação, priorizando as ações que deveriam desempenhar, mas improvisando dentro da situação, com certa liberdade.

d) Discussão

Depois da quinta repetição com troca de papéis, sentamo-nos para discutir o jogo. A discussão girou em torno das questões urgentes: por que desconfiar de quem traz comida, se é fome o que todos têm? O que vale mais nessa situação: comer ou descobrir se houve alguma traição? Por que essa traição estaria em jogo? O que ela revela da convivência entre os quatro?

Tratei também das diferenças entre a primeira etapa do jogo, a improvisação da situação, sem as ações pré-definidas, e a segunda, onde os atores improvisaram as ações pré-definidas. A improvisação da situação permanece dentro da segunda etapa, mas ganha o auxílio das ações, reelaborando-as. A primeira improvisação, nesse caso, organiza o entendimento da situação. Só as ações, contudo, é que trazem a condição dos soldados para a reflexão. Na sequência, a segunda atividade de improvisação, agora com o texto que deu origem ao jogo das beterrabas.

e) Leitura do texto

Houve a leitura do texto da situação dramática que foi improvisada, para que os atores conhecessem os diálogos construídos por Brecht no Material Fatzer. O trecho lido foi:

KAUMANN, trazendo um pacote: Trouxe beterrabas.

BÜSCHING

Cozinhar ! Cadê a mulher ?

KOCH

BÜSCHING Passe para cá !

KAUMANN

Estou vendo se estão frescas (Morde uma).

BÜSCHING

Tem duas que já foram mordidas Foi você?

KAUMANN Já estavam assim.

BÜSCHING

Merda nenhuma. Você Que mordeu.

KAUMANN Se eu peguei! KOCH

Significa que você vai comer? Cospe o que você tem na boca! KAUMANN

Vem pegar!

BÜSCHING vira a cabeça dele Cospe!

KOCH

É pelo princípio!

KAUMANN cospe na cara de Büsching Toma aí!

FATZER que começou a comer Vocês combinam um com o outro. KOCH

Tem que cozinhar primeiro!

BÜSCHING

Coma também! Eu não vou esperar! KOCH

Depois fica peidando por ai! FATZER

Isso não se faz. É pelo Princípio!

Comem.

KOCH

Está tudo tão calmo por onde A gente passa! Nenhum indício De nada! E a gente aqui perdendo O fôlego!

Comem.

(BRECHT, 2002b, p.129-131)

f) Produção da fábula65

Depois da leitura, pedi a cada um que produzisse a fábula daquele trecho. O exercício de construção da fábula interessa pela possibilidade de experimentar a seleção e a ordenação dos fatos considerados mais importantes para cada um, o que se torna uma espécie de preparação crítica para a etapa seguinte, quando teve início a improvisação.

g) Improvisação com o texto, com troca de papéis: Materiais: 6 beterrabas em um saco plástico preto. Procedimentos: dividir trechos do texto entre os atores.

Indicações: pedir para que, ao realizar a troca de papéis, tentassem inserir trechos de invenção própria.

Para o jogo com o texto distribuí quatro papéis aleatoriamente, com indicações do que se deve falar e de como se portar, a partir da leitura do texto. Sempre um dos atores ficou de fora, observando. Os atores ocuparam o espaço livremente. Um deles trazia o pacote com as beterrabas e dava inicio à improvisação com a fala: “Trouxe beterrabas!”. A partir daí, os demais iam inserindo as falas dos outros personagens. Com a definição da troca de papéis todos puderam experimentar todos os personagens e incluir novas ações aos personagens que observavam, quando não estavam jogando. As situações sofreram pequenas variações, dependendo de como os atores se portavam no espaço e iam inserindo outras falas. A experiência da troca de papéis trazia o conceito de estranhamento de forma concreta.

h) Discussão

Na segunda discussão desse dia, foi observado o papel do texto na improvisação. Com o texto, a cena já se configura de forma mais desenhada do que na improvisação de ações pré-definidas, o uso do espaço é refletido e pode ser revisto. Em todas as trocas de papéis o grupo verificou a repetição das seguintes !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

65 As fábulas produzidas durante a prática encontram-se nos anexos. Algumas se tornaram material

ações: a) pausa antes da fala final de Koch; b) Fatzer se afasta do grupo quando diz “Vocês combinam um com o outro”; c) quando todos finalmente comem, instaura-se uma espécie de calmaria, que expõe a ação de comer em sua necessidade quase selvagem.

Discuti ainda sobre a materialidade dos objetos de cena e seu efeito plástico: o cuspe, a cor e textura da beterraba crua, o efeito da beterraba mastigada e cuspida sobre a pele. Tratei também da noção de princípio: o que era exatamente que os soldados estavam falando quando diziam “é pelo princípio”. Na cena a repetição dessa frase ajuda a entender o projeto coletivista de Koch e as ações egoístas de Fatzer.

Fiz aproximações entre as improvisações e a atividade do relato. Refletindo sobre as relações entre os gestos observados no relato pessoal do início do dia e alguns utilizados na improvisação, fiz uma primeira relação: apalpar as beterrabas lembra o gesto de apalpar o biquíni do relato pessoal da Loreta – o teste tátil da desconfiança. A troca tensa de olhares repetia, pela necessidade de cumprir as regras gerais, a sensação de reprovação relatada nas histórias contadas.

Não comentar a ação, mas transformar o comentário em ação gera a tensão da observação e o estado de prontidão para o jogo. Quando uma fala do texto não é dita, sua necessidade se impõe. A supressão involuntária ganha o caráter de tratamento negativo, o que produz o entendimento do que é fundamental à improvisação.

i) Encaminhamentos para o dia seguinte

Indiquei que alguém se responsabilizasse pelo almoço do dia seguinte. Aline se dispôs. Solicitei ainda que cada um produzisse um protocolo para ser lido no começo do dia.

Dia 0366

Atividades:

a) Leitura dos protocolos b) Relato pessoal

c) Jogo das pedras d) Jogo O almoço !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 66 Dia 16.02.12, de 9h às 13h.

e) Discussão f) Leitura do texto g) Produção da fábula

h) Improvisação com o texto, com trocas de papéis i) Improvisação com troca de papéis

j) Discussão

k) Encaminhamentos para o dia seguinte

Relato das atividades:

a) Leitura dos protocolos67

Os protocolos foram lidos. Fiz um breve comentário sobre as diferentes formas de abordar o material trabalhado e a qualidade textual e poética dos protocolos trazidos pelo grupo, além de sua função avaliativa.

b) Relato pessoal

Procedimentos: contar uma história que viveu a partir de tema pré- determinado, ouvir as outras histórias e escolher uma para recontar em primeira pessoa.

Situação: descrever uma situação em que tinha uma tarefa a realizar e não a cumpriu; explicar o que o fez se envolver com outra coisa.

Depois que cada um relatou sua história e imitou a do outro, reproduzindo os relatos como seus, discuti sobre as qualidades das tarefas. Se uma tarefa é sempre aquela que é solicitada por alguém ou se um grupo pode se colocar tarefas. Que diferença existe entre o compromisso de uma tarefa alheia e uma tarefa pessoal? Alguém manda fazer, alguém pede para fazer. Como se apropriar de uma tarefa alheia, solicitada por um terceiro, como torná-la sua? É possível?

c) Jogo das pedras

Materiais: copo opaco, duas bolas (uma clara e uma escura). Procedimentos: tirar a sorte.

Indicação: solicitar a alguém que ria terrivelmente, quando for tirado o azar. Solicitar a alguém que se negue a participar.

Na terceira vez que foi realizado o jogo das pedras, solicitei ao Levy, em segredo, que se recusasse a tirar a própria sorte. Edivaldo foi o indicado para rir terrivelmente. Entrei no jogo e quando chegou minha vez, perguntei ao Levy porque !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

67 Os protocolos produzidos durante a prática encontram-se nos anexos. Assim como as fábulas,

ele não tirou a sorte. Ele sustentou que não queria, mesmo que eu insistisse mais uma vez. Luíza disse: “Tire, Levy, é pelo princípio!”, fazendo uma citação clara ao texto trabalhado no dia anterior. Essa iniciativa de Luíza fez com que outros atores trouxessem também trechos do texto do encontro anterior como: “Isso não se faz, é pelo princípio, você tem que tirar a sorte!”, numa apropriação espontânea da situação anteriormente trabalhada.

d) Jogo O almoço

Procedimentos: combinar o almoço com alguém no dia anterior e definir em que momento deve comunicar que não há almoço.

Indicações: solicitar àquele encarregado pelo almoço que sustentasse a preparação do almoço, improvisando as desculpas por não ter conseguido preparar.

Esse jogo surgiu do trecho O segundo desvio de Fatzer (BRECHT, 1995, p.212-216). No Material Fatzer, corresponde ao que Brecht ordena como B85, na quinta fase de trabalho. Esse é o trecho que Fatzer deixa os amigos esperando por ele, não aparece depois de marcar com os companheiros para esperar pelo soldado que os daria carne. Sua presença era fundamental para indicar quem era o soldado do acordo do dia anterior. Sem Fatzer, seus companheiros não puderam reconhecer o soldado e ficaram sem a carne.

Desenvolvi o jogo O almoço a partir desse fragmento e pedi a alguém que se comprometesse com ele. A primeira fase do jogo era basicamente a de deflagrar que o almoço não iria acontecer. Aline havia se disposto no dia anterior a preparar o almoço. Eu disse que depois acertaria com ela alguma ajuda em dinheiro para que ela pudesse trazer o almoço. Depois, a sós com ela, pedi para que ela não trouxesse o almoço, para que se deflagrasse a situação de “não cumprir a tarefa”. Depois do jogo das pedras, Aline deu início ao jogo: disse que precisaria fazer uma ligação e demorou muito para voltar. Quando ela retorna, explica que o almoço não ia dar certo. Edivaldo fez uma série de perguntas, cada vez mais específicas, tentando encontrar alguma contradição no relato dela. Ele já supunha que ela não havia preparado almoço algum, quis resolver rapidamente e não conseguiu. Em determinado momento Luíza disse: “Isso foi combinado”. Edivaldo comenta antes de sua próxima pergunta: “Vamos ver se ela combinou isso com a Fran também”.

Assim o jogo entre mim e Aline foi revelado. Expliquei como tudo foi feito e Levy disse: “Ah, não, então não vai ter almoço mesmo? Eu não tenho onde

almoçar!” Loreta disse que já havia percebido que a situação era combinada, mas preferiu não dizer nada e ver como a situação se desenrolaria. Ou seja, o blefe do almoço, mesmo quando revelado ainda tinha a força de deflagrar outra discussão: se não haverá almoço preparado pela Aline, o que o grupo vai comer?

e) Discussão

Foi discutido que o jogo em si teve suas falhas: fala embolada da Aline, troca de sorrisos entre mim e ela, a relação muito imediata entre o tema do relato pessoal na atividade anterior e a situação trabalhada. Discuti que o importante era o que o jogo ganhava com isso: uma situação de espera, da qual todos podem retirar material gestual, a necessidade de fazer perguntas para desmontar o argumento (ponto comum a todos os relatos pessoais) e a instauração de uma situação de blefe, que promove certa tensão e insegurança entre os participantes, quando passam a desconfiar uns dos outros dentro da dimensão do jogo. As perguntas geradas giraram em torno da relação entre compromisso e responsabilidade: por que quem se comprometeu não cumpriu? E os que esperaram pelo almoço? Como ficam? E quem tem fome e não tem comida, o que faz? O que deve ser feito com