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2. DAS LEHRSTÜCK: TEORIA

3.3 Fragmento e crítica

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato

foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Walter Benjamin

A pesquisa de doutorado de Walter Benjamin (2002) tratou de investigar o conceito de crítica de arte entre os românticos de Iena, detendo-se especialmente sobre a Revista Athenäum, publicada muito brevemente entre 1798 e 1800, porque ali Benjamin enxerga uma construção do conceito de crítica em formato literário e filosófico, concomitantemente. Os primeiros românticos, sobre os quais Benjamin dedica seu estudo, são Novalis e F. Schlegel, especialmente.

Ruth Röhl (1997), no livro O teatro de Heiner Müller, destaca a importância de Novalis e Schlegel, poetas-pensadores do primeiro romantismo alemão28, por estabelecerem os fundamentos da estética da modernidade. A autora lembra que nessa primeira fase do romantismo alemão é que se encontra a primeira definição de moderno, usada para designar as concepções estéticas românticas e para definir tendências anticlassicistas.

Os primeiros românticos alemães, como Röhl (1997) aponta, contribuem para a fundação do moderno ao romperem com a poesia normativa e privilegiarem a liberdade de criação e a originalidade, mas, muito especialmente, por terem defendido uma recusa radical tanto à reprodução da realidade empírica, como ao entendimento da obra literária como construção fechada. O movimento romântico alemão, segundo Röhl (1997, p.08): “[...] lança as bases da modernidade como um movimento de contradições manifestas, na tentativa de juntar corpo e espírito, genialidade e crítica, poesia e filosofia, arte e vida, as artes e os gêneros literários.”

Benjamin (2002) investiga o conceito romântico de crítica na obra O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Seu trabalho interessa a essa pesquisa porque Benjamin, ao se debruçar sobre como os primeiros românticos estruturaram !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

28 Röhl (1997) se detém sobre o primeiro romantismo e seus autores porque sua pesquisa sobre

Heiner Müller se inicia contextualizando as questões surgidas no debate entre modernidade e pós- modernidade. A autora segue a orientação pela macro-periodização sugerida por Habermas, situando o emprego da noção de moderno na literatura alemã já na segunda metade do século XVIII.

e empregaram a sua teoria do conhecimento, traz à tona o conceito de fragmento, um conceito fundamental como elemento de análise do conceito de crítica entre os românticos. Benjamin explica que a teoria do conhecimento do romantismo é fundada sobre o conceito de reflexão e que o fragmento, como forma escolhida para divulgar o pensamento romântico, dá forma à reflexão. Para Schlegel (1846 apud BENJAMIN, 2002) qualquer fragmento é crítico, porque reflexivo.

Para Márcio Scheel (2010), no livro Poética do Romantismo, o fragmento literário, como defendido pelos românticos, se configura em uma forma original de expressão artística, porque elimina os limites com a reflexão teórica. O campo instaurado é o da poiesis. Especialmente em Novalis o fragmento se apresenta como herança dos aforismos pré-socráticos. O importante é compreender como essa forma defendida pelos primeiros românticos pode dinamizar a noção de crítica e, por sua vez, permitir a compreensão do estranhamento brechtiano em chave ampliada.

No seu estudo, Benjamin (2002, p. 59) afirma que “A crítica inclui o conhecimento de seu objeto.” Acredito que seria preciso desenvolver mais profundamente essa afirmação como forma de aproximação da crítica à noção de fragmento e, especialmente, pela importância da compreensão da relação entre essa forma literária na tradição alemã e a noção de estranhamento brechtiano para essa pesquisa.

“A crítica inclui o conhecimento de seu objeto”: o que isso quer dizer? Geralmente a atividade crítica é entendida como um espaço de análise e julgamento. Se assim o fosse, a afirmação acima seria escrita assim: “a crítica analisa o seu objeto” ou até “a crítica julga o seu objeto”. A novidade trazida pelos primeiros românticos, como assim também são chamados os românticos de Iena, é que eles defendem um outro lugar para a crítica. Este outro lugar é diferente do uso associado ao termo latino de uso corrente no século XVII (e, ao meu ver, terrivelmente presente ainda hoje), o Criticus, como aquele que julgava as obras de arte com base em normas pré-estabelecidas em leis. O romantismo e a defesa do artista como gênio destitui a crítica dessa tarefa normativa, porque as obras são tomadas em sua originalidade e força criativa próprias e só podem ser julgadas a partir delas mesmas. Justo por sua originalidade, as obras não cabem mais em crivos normativos, mas exigem uma nova forma de lê-las. Os primeiros românticos,

especialmente F.Schlegel e Novalis, ultrapassam os princípios do Sturm und Drang29 ao defenderem que a literatura, enquanto arte literária, precisa expressar não só o sentimento como também o pensamento, fundidos na ironia e na auto-reflexão. A noção de auto-reflexão pode dar pistas mais objetivas para a discussão da afirmativa acima.

Benjamin (2002) entende que para expor o conceito primeiro romântico de crítica de arte é importante caracterizar a teoria do conhecimento do objeto que está em sua base. Para os românticos de Iena é preciso abandonar as dicotomias sujeito-objeto em defesa do auto-conhecimento, porque para eles não se pode conhecer um objeto. O princípio romântico da teoria do conhecimento é de que o pensar se conhece a si mesmo na medida em que se pensa. Conhecendo a si mesmo se pode conhecer e se pode ser conhecido (manejar-se a si mesmo para manejar, para ser manejado). Schlegel, segundo Benjamin (2002), defende que cada essência conhece apenas a si mesma, conhece apenas aquilo que é igual a ela mesma e só pode ser conhecida através de essências que são iguais a ela.

A continuidade desse movimento auto-reflexivo promove o entendimento da reflexão como arte criadora. Jeanne Marie Gagnebin (2007), comentando a tese de Benjamin, esclarece que o conceito de reflexão deve ser compreendido como um conceito básico da teoria do conhecimento que subjaz à concepção de crítica.

A crítica, para os românticos, não é um conhecimento sobre a obra, mas é uma etapa ou fase da obra. Dito em outros termos, a obra contém a crítica. Segundo Benjamin (2002), Schelegel e Novalis defendem que a crítica é um experimento na obra de arte. Com este experimento a reflexão da obra é despertada, essa reflexão é levada à consciência e ao conhecimento de si mesma. A forma que a obra tem, ou que a forma atinge, sua conformação, afinal, é o sujeito de reflexão. A crítica, portanto, não é uma reflexão sobre uma conformação, porque esta conformação é a obra e a obra não pode ser alterada. A crítica se apresenta como experimento artístico porque consiste no desdobramento da reflexão, ou seja, consiste, ela também, como experimento, em uma conformação. A crítica, portanto, não

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29“Por volta de 1770, eclodia na Alemanha um movimento de emancipação das letras nacionais que

se convencionou chamar de “Sturm und Drang” (Tempestade e Impulso), de acordo com uma peça teatral de F. Klinger, um dos expoentes do grupo rebelde. [...] Como manifestação coerente, expressão quase na íntegra de uma só geração de jovens nascidos por volta de 1750, o “Sturm und Drang” é a primeira corrente romântica ampla da Europa, geralmente definida como pré- romântica”. (ROSENFELD, 1991, p.07-08).

esclarece a obra, não explica sua conformação, mas conforma-se à forma da arte ao refleti-la.

Essa forma de defender a crítica como uma etapa da obra faz lembrar uma afirmação de Brecht: “Na prática deve-se dar um passo depois do outro. A teoria deve conter toda a marcha.” Entendendo a obra como teoria, ela deveria, portanto, conter a crítica. A crítica como fenômeno não se aparta da obra, mas desdobra-a, à medida que reflete sobre ela, o que Benjamin (2002, p.74) resume em: “Todo conhecimento crítico de uma conformação é um grau de consciência mais elevado dela mesma.”

Daí é possível voltar a definir a crítica a partir da afirmação do começo desse texto e compreender que a crítica não é julgamento, mas método de seu acabamento. Novalis (1901, p.104 apud BENJAMIN, 2002, p.76), nos seus escritos, diz que “Apenas o incompleto pode ser compreendido, pode nos levar mais além. O completo pode ser apenas desfrutado. Se quisermos compreender a natureza, devemos então pô-la como incompleta.” Mas então a crítica romântica não estabelece julgamentos? Para Benjamin (2002) a crítica deve considerar a estrutura e as características particulares da obra, ou seja, a crítica julga as obras, mas a partir dos critérios imanentes da obra. Não se trata de uma questão de gosto, até porque como defende Novalis (1901, p.80 apud BENJAMIN, 2002, p.78): “O gosto por si só julga apenas negativamente.”

A proposição romântica para a crítica estabelece uma positividade. A reflexão surge na aparição da obra, a forma deve conter a possibilidade de reflexão, deve ser um centro vivo de reflexão. Como característica imanente, a obra é infinita, a reflexão é infinita. Do centro da obra, do centro vivo da obra surgem outros centros de reflexão, trazendo claramente a infinitude da obra. A forma, em contrapartida, tem uma função clara: dar um desenho, colocar um limite, impor-se uma auto-limitação. E a crítica, em contrapartida, define-se a partir da tarefa de superar essa auto- limitação imposta. Só é possível à crítica operar nessa superação se a obra repousar em uma limitação. À medida que a reflexão se fecha, a forma da obra pode ser contemplada, porque foi limitada, reduzida, contida.

A crítica inclui um conhecimento do objeto porque ela não é julgamento, mas acabamento, complemento, sistematização da obra. A consequência importante é que dessa forma, ao tratar da obra em sua auto-limitação, a crítica é também a dissolução da obra no absoluto. Não é o crítico que produz um juízo sobre a obra,

mas a obra em si – assim pode ser resumida essa nova forma de ver o lugar do crítico. É como Gagnebin (2007, p.67) sintetiza: “A verdadeira crítica consiste no desdobramento das potencialidades contidas na obra.”

Mas como, a partir de que meios é possível praticar uma crítica que seja experimento, reflexão, complemento, continuidade, desdobramento, superação?

Segundo Benjamin (2002), basicamente através da ironia. A ironia é um procedimento de pensamento que pode atacar a obra sem destruí-la. A ironia provoca uma perturbação na forma, irrita-a e ao irritá-la dissolve a obra em sua forma auto-limitada, retira-a da esfera individual para a esfera absoluta, opera um procedimento tipicamente romântico. O verbete no Léxico do drama moderno e contemporâneo (SARRAZAC, 2012) define que a linguagem da ironia se constrói em sentido inverso, em operação negativa: é sugestiva do que não aparenta, aparenta o que não quer sugerir. Ao espectador cabe “Desmontar o sentido primordial, ainda que essa desconstrução não seja explícita no seio da obra irônica.” (SARRAZAC, 2012, p.98).

A instância objetiva da crítica tem como tarefa, portanto, a destruição da forma. A ironia pode construir a conformação através da destruição e fazer com que a obra passe de uma forma-de-exposição para uma forma absoluta e demonstre a ligação da obra com a ideia. A principal forma artística defendida pelos primeiros românticos é a forma do fragmento.

Os poetas românticos defendem a poesia como a fusão da fantasia com o pensamento intelectual, destacando o papel da ironia como princípio formal e filosófico, associado muito exemplarmente ao conceito de Witz. Witz é um termo em alemão de difícil tradução, mas que pode encontrar uma expressão concreta de seu sentido na imagem de um brilho intenso e fugidio que exprime a força que a imaginação ganha ao ser estimulada. Chiste é a tradução para Witz, difundida pela psicanálise. No contexto dos românticos de Iena essa noção traz de forma condensada a própria idéia de crítica, pelo caráter de síntese e ironia.

Fragmento e Witz são materializações de uma nova forma de expor a obra. Benjamin (2002) diz que as imagens do passado irrompem em lampejos. Através do fragmento o pensamento pode ser renovado, aguçado, porque iluminado pela força sintética do Witz. Gagnebin (2007, p.71) defende que o Witz tem sua expressão na prática da escrita fragmentária: “Quanto mais curto, mais rápido, mais luminoso, melhor o fragmento.”

A forma do fragmento, defendida por Novalis como um projeto pleno de espontaneidade e não-acabamento, e por Schlegel como uma pequena obra de arte a se estender (BENJAMIN, 2002), dá ao leitor um papel importante. Ao leitor cabe dar continuidade ao projeto inacabado, refazendo o projeto estético para refletir sobre ele. Em alguma medida, isso lembra a acepção brechtiana de fábula e o lugar do co-fabulador.

Em Sobre o conceito da história, Benjamin (1994) descreve um quadro de Paul Klee, o Angelus Novus. Sua descrição é uma metáfora visual para o conceito de história. Esse anjo volta seu rosto para o passado, enquanto a tempestade do progresso o impele forçosamente para o futuro. Ele olha para o passado e fixa-se nele um tempo, como que chocado com as ruínas que ajudou a acumular. O que deixa para trás é uma catástrofe, um passado em ruínas, as quais ele gostaria de poder reunir os fragmentos. Essa metáfora visual também define o fragmento como escolha literária: os fragmentos não são pedaços feitos em si como pedaços, mas o que se dispersou de um amontoado. A parte de um todo. A escrita em forma de fragmento não é um acidente, não é um texto em esboço, contém em si o inacabamento como forma.

O método de Benjamin pode ser resumido à idéia de filosofar diretamente a partir dos objetos da experiência. Daí sua aproximação com a literatura, como afirmam os autores Benjamin e Osborne (1997), em A filosofia de Walter Benjamin: destruição e experiência. Com a arte, Benjamin acreditava poder explorar mais profundamente suas inquietações filosóficas. Sua busca é pela expressão da totalidade da experiência, pela experiência da verdade. Para essa busca a ideia de destruição (Destruktion) ocupa um papel central. Para Benjamin a destruição é condição de possibilidade da experiência (Erfahrung), da experiência da verdade.

Para esses autores, a defesa da idéia de destruição em Benjamin ajuda a compreender o pensamento dialético como pensamento autêntico. O tempo presente interessa assim a Benjamin, porque o tempo presente é o local da experiência histórica: “O presente é construído na destruição e na reconstituição da tradição.” (BENJAMIN; OSBORNE, 1997, p.13).

Na análise da escrita de Brecht, especialmente nas primeiras publicações ainda no entre-guerras, nos cadernos numerados, os Versuche, é possível afirmar a presença de desdobramentos estéticos do primeiro romantismo. Brecht opta por um formato de publicação que reúne textos literários e teóricos em um mesmo volume,

sem a necessidade de justificar esta reunião. Ela não é arbitrária, antes indica que os diferentes textos são complementares. A forma dos Versuche é eminentemente crítica, considerando a perspectiva defendida por Benjamin.

Nesse período, como Röhl (1997) esclarece, as práticas poéticas se associam a uma práxis política dentro de um programa social. Em Brecht e Benjamin, por exemplo, se evidencia a preocupação com o aparato de produção e de distribuição. Aqui também há o desenho de um exercício crítico produtivo, inclusive sobre as formas de produção contemporâneas do entre-guerras.

O interessante de Brecht é que ele não se coloca contrário ao uso das técnicas modernas, como a de montagem, por exemplo, mas as adota no seu teatro como estratégia anti-ilusionista e crítica. Por sua vez, Benjamin (1994) indica teoricamente as possibilidades inovadoras e especialmente políticas que os novos processos de reprodução trazem às formas de produção e recepção. A montagem, como recurso técnico, destrói a “[...] continuidade da narrativa como condição para uma nova construção da história.” (BENJAMIN; OSBORNE, 1997, pag.12).

Benjamin (1987, p.121) aborda a obra brechtiana pelo viés da crítica e não pelo da história da literatura. Seu procedimento é o de por em evidência “[...] os perigos imanentes da sua obra [...]”, opondo-se às estratégias de desenhar um percurso cronológico tratando de conteúdo, forma e efeito. Daí sua opção por tratar dos Versuche, como pode ser lido em um texto escrito para a Rádio de Frankfurt (que o transmitiu em junho de 1930). Nesses cadernos, Brecht explora diversos campos, considerados por Benjamin (1987) à época como desertos da atualidade: o teatro, a anedota, o rádio. Brecht lida nos Versuche com uma literatura que prevê a transformação e trabalha para isso, seu principal produto é uma nova postura. Para Brecht: “A literatura não é obra, mas aparelho, instrumento. E quanto mais elevada for, mais suscetível de reformulação, desmontagem e transformação.” (BENJAMIN,1987, p.124).

Compreendendo mais amplamente a noção de gesto em Brecht, é possível ver aqui que a publicação dos Versuche trata de trazer uma nova postura, firmada na forma desses cadernos. O que eles abordam em seus diversos suportes (texto dramático, poemas, textos teóricos) não interessa tanto quanto o que podem transformar através do que abordam. Ingrid Koudela (2003, p.23) pontua que:

Durante a fase de experimentação dos Versuche, Brecht não concebeu suas peças como obras isoladas, mas desde o seu ponto de partida, como elos de uma cadeia. Cada Versuch (experimento) vale por si mesmo, mas a ele se opõe um Gegenstück (contrapeça), uma negação, que poderá ser superada através de uma terceira peça. Na cadeia de experimentos com a Peça Didática, escrita antes da emigração, esse procedimento dialético pode ser claramente identificado. Ao mesmo tempo, cada tentativa isolada também é modificada e melhorada em si mesma, de forma que, dentro da grande cadeia, formam-se cadeias menores.

O desejo de Brecht (2006), exposto na apresentação das Histórias do Sr. Keuner, de que os gestos sejam citáveis, é o desejo em perspectiva ampliada dos Versuche: a de que a postura trazida pelos cadernos possa também ser citada. Benjamin (1987, p.122) defende que as palavras e não apenas os gestos sejam citáveis: “Também essas palavras precisam ser exercitadas, isto é, primeiro percebidas e mais tarde compreendidas. Em primeiro lugar vem seu efeito pedagógico, em seguida o político e, por último, o poético.”

Nesse texto, Benjamin (1987) continua examinando alguns personagens do rol brechtiano: Keuner, Fatzer, Galy Gay30. A análise dos personagens revela traços característicos de cada construção, mas também semelhanças entre os tipos. A principal semelhança está em representarem modelos políticos:

Quanto mais se dissecarem os tipos criados por Brecht [...] tanto mais se mostra que representam, com todo seu vigor e vivacidade, modelos políticos, ou como diz o médico, anatomias. Todos eles têm em comum desencadear ações políticas racionais, que provêm não de filantropia, altruísmo, idealismo, nobreza de sentimentos ou algo assim, mas da respectiva postura. (BENJAMIN, 1987, p.123).

Essas anatomias políticas são criadas para instaurar um tipo específico de transformação: a transformação social. Com elas se pode aprender para que serve o erro. Os personagens se destacam por sua construção árida: são bêbados, criminosos, hooligans, egoístas, associais. Contudo, é importante entender que sua aridez interessa não para que se tornem apenas modelos negativos, mas para que possam ser compreendidos como revolucionários virtuais, através justamente de suas anatomias áridas, entendendo que o revolucionário possa surgir do tipo mau, cheio de vícios e ações vulgares. Sua postura modelar ensina pela postura, como a literatura deveria fazer.

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30 Keuner é uma figura que aparece nos fragmentos de Fatzer e de Baal (BRECHT, 1995). Brecht

dedicou a ele uma série de histórias curtas. (BRECHT, 2006a). Galy Gay é a personagem central da peça Um homem é um homem (BRECHT, 1987), escrita entre 1924 e 1925.

Fatzer é um desses tipos. É através da imitação de suas atitudes que Brecht acredita poder operar com o teatro como um aparelho de transformação. Leandro Konder (1988, p.73-74) contribui para o entendimento dessas figuras associais no teatro de Brecht:

As conversas com Brecht e a leitura dos escritos de Brecht ajudaram Benjamin a fortalecer a convicção de que o “plumpes Denken” – o pensamento grosseiro, sem sofisticação ou requinte – às vezes era necessário. Comentando o Romance de Três Tostões, de Brecht, fez observações irônicas a respeito dos “amadores de sutilezas” e sustentou que “as idéias grosseiras se entendem bem com o pensamento dialético, porque elas não passam de uma expressão da dependência da teoria em relação à prática”. Para que a teoria se transforme em ação, uma certa “grossura” – acreditava Benjamin – era imprescindível.

Heiner Müller (1997) defende a exploração de espaços livres no texto, a investigação da energia que há na contradição, no conflito, nas figuras associais tão bem criadas por Brecht. O trabalho de Müller se constrói muito fortemente contrário a idéia de uma encenação esclarecedora, tomando a experiência em seu caráter de incompletude e a estranheza como material de trabalho. A Müller interessa formular diferenças e abrir a consciência para a produção de conflitos, sem a oferta de solução. Esses princípios de trabalho provocam uma nova atividade – não