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3.1 Escolas Pedagógicas: abordagem histórica

3.1.6 A Escola Crítico-Social dos Conteúdos

No Brasil, no início dos anos 1960, surge o Movimento de Cultura Popular54 com vários projetos educativos dentre eles o de Alfabetização de Adultos e esse movimento vai gestando idéias pedagógicas e práticas educativas de educação popular. Em meados dessa mesma década, esboça-se a escola sócio-política, denominada Crítico-Social dos Conteúdos.

Na segunda metade dos anos 70, com o começo das alterações do quadro político opressor como resultado de lutas sociais por democratização da sociedade, viabilizou-se a discussão de questões educacionais numa

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Sugerimos a leitura de GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985, por avaliar que este é um autor que contribui com o emprego da categoria contradição.

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Sugerimos a leitura de FREITAS, Marcos Cezar de e KUHLMANN JR., Moysés (orgs.). Os Intelectuais na História da Infância. São Paulo: Cortez, 2002.

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Ao leitor interessado no tema do Movimento de Cultura Popular - MCP, sugerimos a leitura de FÁVERO, Osmar (org.). Cultura Popular, Educação Popular. Memórias dos Anos 60. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1983.

perspectiva de crítica política ao capitalismo. Nessa ótica, a análise da instituição escolar busca compreendê-la sob um olhar mais denso que objetiva recolocar o sujeito com papel fundante da trama social que constitui tal instituição. Busca, por princípio pensar a escola para além de análises macro- estruturais, em outras palavras, refletir a instituição escolar superando as lógicas funcionalista, reprodutivista, dualista presentes nas concepções que permeiam as leituras das escolas que se conhecia até aqui. Nessa perspectiva, mantém-se a crítica ao capitalismo, entretanto, sem priorizá-lo como único definidor da estrutura escolar ou do comportamento dos sujeitos que convivem naquela instituição. Essa discussão trouxe consigo a teorização de uma nova abordagem pedagógica: a teoria educacional crítica. Entre outras, essa teoria abarca a escola Crítico-Social dos Conteúdos e a escola Libertadora, que retomou as propostas de educação popular - sufocadas pelo Regime Militar - constituindo-se em movimentos pedagógicos.

No início dos anos 80, a pedagogia “histórico-crítica” ou crítico-social dos conteúdos” contesta alguns pressupostos da pedagogia Libertadora. Para seu principal teórico, Demerval SAVIANI, a escola pública cumpre sua função social garantindo a propagação dos conhecimentos sistematizados. Essa propagação deve alcançar a todos para que se efetive a participação do povo nas lutas sociais. Esse teórico entende que, para organizar, interpretar, reelaborar e construir conceitos pautado em suas vivências, os estudantes precisam dominar os conhecimentos e as habilidades. Por isso, não considera suficiente trabalhar a vivência cotidiana como conteúdo escolar.

Essa teoria foi adquirindo força e sendo sistematizada por volta dos anos 80, quando se acentuou o interesse em alternativas pedagógicas voltadas para os interesses da maioria da população. Já no começo do século passado organizaram-se movimentos que objetivavam mudanças educacionais. Esses movimentos eram constituídos por iniciativa de militantes socialistas. Isso evidencia que existiram, antes da década de 1980, esforços para elaborar alternativas de caráter popular. De acordo com LIBÂNEO (1994, p. 68), “muitos dos integrantes do movimento dos pioneiros da Escola Nova tinham real interesse em superar a educação elitista e discriminadora da época.” A necessidade da discussão sobre o significado sócio-político da escola já estava presente nos escritos sobre a educação de Marx e Engels, aparecendo também em Lênin e em Gramsci.

Se a segunda metade dos anos 70 foi marcada pela crítica ao papel da escola na reprodução da estrutura de classes, a partir dos anos 80, surgem, em maior número, trabalhos voltados para o conhecimento dos fatores intra- escolares, como mecanismos de exclusão das camadas populares, considerando-se a "rede de expectativas e contradições que permeiam a prática pedagógica" (SOUZA, MGS, 2000, p. 43).

Na tentativa de encontrar explicações para as precárias condições de funcionamento das escolas públicas, é analisada a situação do magistério expressa em altas taxas de exclusão escolar, principalmente entre segmentos das camadas populares.

Em um texto que se tornou referência para as pesquisas em Educação, MELLO (1982) parte do caráter mediador da escola para estudar as representações e expectativas do professor em relação à escola, ao estudante e aos papéis que este profissional desempenha. A tese central que essa educadora apresenta é a da defesa da competência técnica do professor entendida como mediação por meio da qual se realizaria o sentido político da educação escolar. Nessa perspectiva, a competência técnica envolveria tanto o domínio dos conteúdos como o entendimento do professor a respeito das relações entre os vários aspectos da escola e os resultados de sua ação.

Mello, então, diverge da escola tecnicista dos anos 70 e denuncia a lógica subjacente à organização do trabalho no interior da escola que acabara por fazer com que o professor perdesse seus instrumentos de trabalho, isto é, do conteúdo ao método, ou seja, do saber e do saber fazer, restando a ele uma técnica sem competência. Essa é uma tese que provoca impacto e gera um debate, pois faz surgir uma polêmica em torno de uma pretensa concepção universal sobre competência, acima dos interesses das conflitantes classes sociais.

Essa análise de Mello (1982) representa uma forma de pensar o trabalho docente de um lugar onde surge de maneira contundente a noção de que o estabelecimento de ensino e o profissional que nele atua teriam um papel chave na transmissão do saber organizado, sistematizado, letrado e que isso garantiria às classes desfavorecidas a possibilidade de expressar de forma elaborada os conteúdos da cultura popular que expressam seus interesses, segundo nossa leitura de SAVIANI (1985).

Para essa corrente educacional, ao professor caberia a organização dos processos e dos métodos, de modo a garantir a assimilação pelos estudantes. Segundo SAVIANI (1982)

(...) um professor de história ou de matemática; de ciências ou estudos sociais, de comunicação e expressão ou literatura brasileira etc., tem cada um, uma contribuição específica a dar em vista da democratização da sociedade brasileira, do atendimento aos interesses das camadas populares, da transformação estrutural da sociedade. Tal contribuição se consubstancia na instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário, etc. que o professor seja capaz de colocar de posse de alunos. (p. 63) A proposta de Saviani conferia ao conhecimento científico e à reflexão filosófica uma centralidade que fazia deles instrumentos capazes de transformar positivamente os atributos negativos do senso comum em elementos característicos de uma consciência crítica. Em uma filosofia da educação que se afirmava radical, rigorosa e de conjunto, Saviani encontrava o fermento para uma educação revolucionária.

Analisando o pensamento político pedagógico de Saviani, BONAMINO (1989) chama a atenção para o caráter problemático do papel emancipador atribuído ao saber elaborado,

... a escola não educa a consciência social apenas através dos conteúdos críticos devidamente seqüenciados e dosados que transmite. A consciência da criança não se desenvolve tão somente através de conceitos que ela assimila em seu contato com os detentores da cultura elaborada, mas as condições para o desenvolvimento desta consciência crítica são criadas pela participação da criança na experiência social coletiva, a qual se compõe, em parte, das experiências práticas que a escola propicia através de sua organização interna e do sentido que assumem suas relações internas. (p. 205-206)

Se é preciso historiar a influência dessa corrente no campo das pesquisas em Educação, da perspectiva da prática de pesquisa, os anos de 1980 ficaram a nos dever, em termos do conhecimento sobre as práticas pedagógicas efetivas que estavam acontecendo na sala de aula. FIORENTINI et al. (1998) reforçam essa crítica ao afirmarem que

... as pesquisas sobre ensino e formação de professores passaram a priorizar o estudo de aspectos políticos e pedagógicos amplos. Os saberes escolares, os saberes docentes tácitos e implícitos e as crenças epistemológicas, como destaca Linhares (1996), seriam muito pouco valorizados e raramente problematizados ou investigados tanto pela pesquisa acadêmica educacional como pelos programas de formação de professores. ( p. 314)

Na busca por realizar um balanço da pedagogia crítico-social dos conteúdos, LIBÂNEO (1999), procura atualizar o "conteudismo", chamando a atenção para as interpretações equivocadas que esvaziavam a abordagem, na identificação automática entre "conteúdo" e "matéria":

... conteúdos são os conhecimentos sistematizados, selecionados das bases das ciências e dos modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo métodos e procedimentos de aprendizagem e de estudo; são atitudes e convicções envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo.

Mesmo alargando-se o sentido do que entendemos por "pedagogia dos conteúdos", conserva-se o desafio de pensar nas relações que o professor estabelece com os saberes, considerando-se que na prática cotidiana, esses profissionais mobilizam saberes de diferentes ordens, dentre eles os conteúdos escolares.