• Nenhum resultado encontrado

4.3 Olhar negativo a respeito da juventude

4.3.4 Questões gerais espelhadas na juventude

6 2 !B " ". < + < 6 2 $ $ M ! - " ' B " / 1 " " E - 2 " " 1 ! . 1 + + 1 ! " N O DO " 789

São muitas as situações em que se atribuem questões à juventude, como aumento do desemprego, da mortalidade, da violência, do abuso de drogas, dos confrontos envolvendo instituições e outras, e espera-se que sejam interpretados e traduzidos dilemas que são de toda a sociedade. Isso acontece por ser a juventude o grupo social que torna tais dilemas mais visíveis para o restante da sociedade, quando, por exemplo, o desemprego e a carência de vagas nas escolas públicas não são especificidades da juventude. Os jovens são identificados com a violência, reforçando sua representação como problema, na medida em que a violência vai se destacando como preocupação na sociedade. Porém, esses dilemas são tratados como se fossem especificidades das juventudes.

Conseqüentemente, os programas voltados para os jovens são formulados numa perspectiva compensatória em que se oferece entretenimento que os “tire da rua”108 até que a juventude, entendida como “fase difícil”, passe. Na formulação dessas políticas, os jovens não são considerados interlocutores significativos e, portanto, não são chamados a participar ou, quando isso é feito, são representados por adultos. Não defendemos a tese de que somente jovens possam propor políticas públicas de juventude. Entretanto, avaliamos que esses jovens são sujeitos de direitos, e que precisam se apropriar da defesa de tais

108

É inegável o aumento das iniciativas e o alargamento do caráter de inclusão dessas iniciativas, nos últimos anos no Governo Federal. Entretanto, alguns equívocos de concepção ainda são percebidos. Um deles é a insistência em tirar da rua crianças, adolescentes e jovens. Entendemos que o movimento deva ser o de promover situações que façam da rua um espaço de socialização, de educação e de convivência saudável. Essas são políticas de contenção e de localização, e não políticas públicas de juventude. Não consideramos que seja fácil. Porém, avaliamos que seja essa a lógica que crê que um outro mundo é possível e não a lógica que enclausura nossas crianças, nossos adolescentes e nossos jovens em lugares específicos onde a lógica capitalista e inumana define onde e qual seja o lugar de brincar, o lugar de estudar, o lugar de ser feliz, o lugar de fazer amigos, o lugar de se humanizar.

direitos, tornando desnecessária a tutela, e firmando, cada vez mais, a concepção de parceira entre cidadãos da humanidade. Nota-se a necessidade da afirmação de que toda política destinada à juventude ressignifique o que seja a concepção de juventude, desenvolvendo o reconhecimento da importância da participação juvenil nessas construções. Para tal, é necessário assumir o caráter político que qualquer definição, concepção e lógica carregam em si.

4.4 Ambigüidades e arbitrariedades de uma definição etária

M / " " " / 4 " ; - + P " " " ' $ ., + < " R < 2 " + < " G . 78)A

Apesar da noção contemporânea de juventude que carregamos, e da compreensão de que ela foi construída social e historicamente, toda sociedade sempre teve jovens e estabeleceu com eles uma relação ambígua. Em toda sociedade, a juventude é o objeto de uma aposta como um recurso. Essa ambigüidade reveste-se de sinalizações negativas. Entretanto, ao mesmo tempo em que é de medo, tal relação ambígua é investimento, pois a sociedade necessitará apostar nesses sujeitos para garantir o futuro dela mesma. Essa recorrência é, então, histórica. Nessa perspectiva, pensar a juventude no Brasil, conceituá-la, dizer sua faixa etária, é pensar nesses espaços institucionais. Não basta pensar as formas culturais dos grupos juvenis ou os espaços de socialização, socialização compreendida aqui como internalização dos valores sociais em uma dimensão na qual o jovem se adapta às normas sociais, pois estes serão categorizados e prismados pela análise. É importante contemplar as configurações da juventude à semelhança de um caleidoscópio que, na medida em que se gira numa direção ou noutra, toma uma de suas cores como mais forte ou predominante, enquanto outra se apaga.

A ambigüidade marca, geralmente, as representações elaboradas pela sociedade sobre juventude: a ela se atribui o caráter de sujeito das mudanças sociais, ao mesmo tempo em que, ao buscar essa mudança, ela se torna personagem principal de uma crise de valores. Além da ambigüidade, nota-se que também a transitoriedade é marca da condição juvenil. E esta visão impede que os jovens sejam reconhecidos como sujeitos de direitos. Isso se dá uma vez que a concepção de jovens é a de pessoas que, não sendo mais dependentes da autoridade moral do círculo familiar, ainda não são autônomas em relação à sua sobrevivência. Outra marca da representação sobre juventude diz respeito à

instabilidade, e essa característica é atribuída em contraponto a uma pretensa estabilidade inerente à vida adulta109. Além disso, a vida adulta é vista, nessas representações, como estágio ao qual os jovens ainda chegarão, portanto, como condição a ser alcançada e desejada, como sendo o pleno do desenvolvimento humano.

Outra ambigüidade que causa estranheza, e mesmo desconforto, é o fato de que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE110, órgão do Governo Federal, trata como população jovem em seus documentos aquela com idade entre os 10 e os 24 anos, ao analisar o contingente de ocupados111.

Em nossa formação acadêmica, aprendemos que os métodos e as técnicas servem às concepções, e que metodologia estatística não tem fim em si mesma. Daí nossa estranheza ao constatar que um órgão público federal ainda não se adequou aos avanços que a construção social vem conseguindo imprimir a alguns trechos de instrumentos legais, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDBEN e à Declaração dos Direitos Humanos. Isso aponta para um descaso do Estado brasileiro que, ao não efetivar ou ao não garantir a efetivação dessa construção social, permite a não compreensão ou mesmo a manipulação dos dados e o cerceamento dos direitos aí implicados.

Ainda no documento “Principais Destaques da Evolução do Mercado de Trabalho nas Seis Regiões Metropolitanas Abrangidas pela Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) EM FOCO: comparação 2003/2004/2005, de 2006112”, o texto cita que:

[...] as pessoas ocupadas com idade entre 10 e 24 anos continuaram a apresentar queda em sua participação no contingente médio mensal de ocupados no conjunto das seis RMs (...) A RM que apresentou a maior participação de

109

Utilizamos a expressão vida adulta no sentido daquilo que até aqui se configurou denominar assim, embora não desconheçamos que elementos definidores da condição adulta, tais como: a constituição familiar, a autonomia financeira e a maternidade/paternidade estão em crise, assim como o modelo social que os valorizou.

110

A FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE rege-se pela Lei n. 5.878, de 11 de maio de 1970, e por seu Estatuto, aprovado pelo Decreto n. 3.272, de 3 de dezembro de 1999, e tem como missão institucional retratar o Brasil, com informações necessárias ao conhecimento da sua realidade e ao exercício da cidadania, sendo, para tanto, responsável pela produção, análise e disseminação de informações estatísticas (demográficas, econômicas e sociais), geográficas, cartográficas, geodésicas e relativas aos recursos naturais

e ao meio ambiente. Disponível em: www.ibge.com.br. Acesso em: 12/01/2004

111

Disponível em:

www.ibge.gov.br/home/estatístic/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/ retrospectiva.pme.pdf. Acesso em: 12/01/2004

112

ocupados nessa faixa etária foi Belo Horizonte (20,7%) e a menor, a RM do Rio de Janeiro (14,8%). (IBGE, 2006, p. 10) Novamente, à página 28, o mesmo documento nos traz o seguinte texto:

A média das estimativas mensais para as pessoas desocupadas em 2005 foi 13,8% inferior à referente a 2004. O declínio foi observado nas seguintes regiões metropolitanas: Belo Horizonte (-18,6%), Rio de Janeiro (-15,7%), São Paulo (-18,0%) e Porto Alegre (-14,1%). Apenas as regiões metropolitanas de Recife e Salvador apresentaram comportamento diferente. Em Recife houve crescimento da população desocupada (6,5%) e em Salvador, estabilidade. (IBGE, 2006, p. 28)

Entretanto, ao avaliar a queda no número de desocupados, em todos os grupos de idade analisados, o documento cita, à página 30, os grupos de 15 a 17 anos (-17,9%), de 18 a 24 anos (-10,6%), de 25 a 49 anos (-13,8%) e de 50 anos ou mais de idade (-16,4%) não mais fazendo menção ao grupo de 10 a 14 anos de idade.

Essa abordagem preocupa-nos, pois, crianças de 10 a 12 anos completos, e adolescentes de 12 até 18 anos, respectivamente, deveriam estar vivenciando a sua condição etária. Quanto às crianças, são inúmeras as articulações que atuam em nosso Estado, defendendo o direito à infância contrapondo-se ao trabalho infantil. Essas articulações são integradas por entidades, órgãos e movimentos que, em âmbito local, estadual e nacional, propõem e encaminham ações que objetivam monitorar e articular a atuação do governo em relação à erradicação do trabalho infantil e à proteção do trabalho adolescente. Entre essas integrantes, estão representações da administração municipal e dos governos estadual e federal. Isso aumenta nosso estranhamento, uma vez que, enquanto o IBGE publica seus dados do Censo e da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios – PNAD – considerando as faixas etárias de 10 a 14, 15 a 19 e de 20 a 24 anos, o Ministério da Educação – MEC, em suas estatísticas educacionais privilegia as faixas etárias em correspondência aos níveis de ensino sendo 6/7 a 14/15 – Ensino Fundamental e 15 a 18 anos – Ensino Médio, e ainda o cálculo da População Economicamente Ativa – PEA – inclui crianças de 10 a 12 anos e adolescentes de 13 a 14 anos, sendo que a legislação proíbe o trabalho para pessoas com menos de 14 anos, deixando-o facultativo na condição de aprendiz para aquelas que têm idade entre 14 e 16 anos.

Recorremos aqui a PERALVA (1997) para melhor expressar nosso incômodo:

O aprendizado, forma geral de iniciação ao trabalho que selava precocemente o fim da infância e marcava a entrada na vida adulta, era praticado, diz Ariès (1973, 255), em todas as camadas da população. À medida que a escolarização se difunde, ela tende a subtrair segmentos progressivamente mais amplos da população infantil às injunções do trabalho, retardando a entrada na vida adulta. Desse ponto de vista também, a experiência das sociedades industriais no século XIX introduz elementos novos que aceleram essas transformações históricas, redimensionando-as, mas sobretudo redefinem o processo social de cristalização das idades, institucionalizando as diferentes fases da vida por efeito da ação do Estado. (p. 17) Esta mesma autora nos informa que:

A escolarização avança contra o trabalho, contribuindo com sua lógica própria para a modulação social das idades da vida. Mais do que isso, ela termina por se tornar, ao longo do tempo, e sobretudo a partir do segundo pós-guerra, o verdadeiro “suporte” da família contemporânea (Singly, 1993), que passa cada vez mais a depender do Estado enquanto mediador dos dispositivos que lhe asseguram a reprodução social. Quanto mais importante é a presença do Estado na esfera educativa, o que é o caso na experiência francesa, mais essa assertiva é verdadeira. Nesse sentido, a definição da infância e da juventude enquanto fases particulares da vida torna-se não apenas uma construção cultural, mas uma categoria administrativa – vale dizer jurídica e institucional, ainda que abrigando fortes diferenças sociais no seu interior (Touraine, 1993). (PERALVA, 1997, p. 17)

Ao utilizarmos a expressão Política Pública, é inegável que estaremos lidando, constantemente, com as possíveis interpretações derivadas do caráter provisório e do estilo precário que Política e Pública, respectivamente, assumem diante dos avanços das legislações que garantem direitos. Embora tais legislações sejam resultantes das mobilizações populares, as contradições entre esses avanços e as práticas arcaicas que a matriz conservadora, a partir da qual as políticas públicas são definidas, ainda insiste em manter a idéia de tempo livre como perigo. Daí a necessidade de novas questões, de novas perguntas e de novos estudos, uma vez que séculos de exclusão, de submissão, de desrespeito à diversidade e de não reconhecimento do diferente não se recuperam em uma década. Entretanto, e conseqüentemente, a firmeza do olhar de nossos formuladores, ao pensar políticas para nossas crianças, nossos adolescentes e nossos jovens, é fundamental para essa reconstrução.

Problematizaremos, agora, a definição de limite inferior e superior do momento da juventude. Antes, porém, queremos destacar, para suscitar o

debate, que a ambigüidade atribuída como característica dos jovens pode ser percebida na organização de algumas legislações produzidas por adultos, entre outras situações. Por exemplo, em alguns estados norte-americanos, um jovem pode dirigir um automóvel aos 14 anos de idade; em outros não pode ingerir bebida alcoólica antes dos 21. No Brasil, um jovem, com autorização judicial, pode se casar e constituir família a partir dos 14 anos, mas não pode dirigir um automóvel antes dos 18. Ainda no Brasil, um jovem não pode contrair dívida em estabelecimento comercial antes dos 21 anos, mas pode eleger parlamentares e dirigentes escolares aos 16, em Belo Horizonte.

Observa-se que a complexidade e o caráter político da definição do que é ser jovem, do que significa estar na juventude ou do que significa atravessar a juventude manifesta-se na ambigüidade encontrada na legislação, do Brasil e do mundo, quando define responsabilidades que uma pessoa pode ou não assumir, atribuindo graus diferenciados de emancipação para cada dimensão da vida em sociedade. Sem pretender, aqui, realizar uma análise do mérito ou do conteúdo histórico-social em que essas legislações foram propostas, passamos a alguns exemplos que melhor evidenciam o caráter ambíguo que pretendemos ressaltar. O jovem pode trabalhar a partir dos 14 anos como aprendiz, mas só a partir dos 16 anos tem os direitos de trabalhador assegurados; pode votar aos 16 anos, mas só a partir dos 18 pode ser votado para vereador, aos 21 para prefeito e vice, e deputado estadual; aos 30 para juiz de paz, deputado federal, governador e vice, e aos 35 para senador ou presidente da República.