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4. Metodologia Empírica

4.4. Análise dos dados

4.4.1. Sentidos ambíguos de escola

4.4.1.3. Escola S.A

Considerando as narrativas dos sujeitos do estudo, é visível a presença de uma linha de orientação mercantil no espaço da escola P.N., traduzida na preocupação com o recrutamento de alunos e na satisfação das expectativas e das necessidades dos mesmos e respectivos pais, no sentido de esta operar como essencial à inscrição de novos alunos, contribuindo para a sobrevivência e viabilidade financeira da escola, uma vez que é uma escola privada e financeiramente autónoma, isto é, não depende de qualquer subsídio do Estado para trabalhar.

a) Órgão de direcção/gestão

Neste quadro, o órgão de direcção/gestão revela preocupações mercantis que de alguma forma condicionam o sentido de construção da escola, deslocando-o, pelo menos em parte, para a esfera mercantil. Tais preocupações foram referenciadas por todos os elementos que compõe o órgão (quadro 8), ainda que recorrendo a uma pluralidade de expressões como comprovam os excertos:

“Uma coisa que eu ligo e que não gostaria que isso passasse na minha cabeça, mas que sou obrigada (risos) a olhar, é o número de alunos que temos de ter; e, portanto, nem sempre podemos fazer aquilo que eu gostaria de fazer e que acho que é importante para uma escola. Temos de chamar alunos e isso, por acaso, fico triste comigo própria de ter de fazer isso mas… é evidente que é uma realidade.” (E1: 210).

“[…] eu acho que, enquanto escola privada, […] a escola tem como obrigações, vá lá, ou como orientações, isto é, a competição e a satisfação do aluno estão sempre presentes, ou seja, o aluno tem que se sentir satisfeito em cá andar porque isto é uma instituição privada e o aluno tem livre escolha de cá andar ou não; por isso, ele tem que se sentir satisfeito e por natureza há sempre uma competição associada entre os alunos […]" (E6: 259).

“Agora, claramente, são os dois espaços [empresarial e mercantil] que eu não queria (risos) com que nós nos identificássemos mas acho que são aqueles com que nós nos identificamos.” (E6: 260).

“[…] tem que pensar obrigatoriamente como empresa que é, tem que pensar no que, lá está, a população alvo que procura a escola pretende, o que é que os vai cativar, o que é que os vai permitir cá continuar […]” (E12: 296).

“Acho que… acaba por satisfazer mais… o que os pais exigem mas acho que as pessoas [professores] fazem algum esforço para conciliar a educação.” (E13: 303).

b) Coordenadores de Departamento Curricular/professores

Do ponto de vista dos coordenadores/professores, como ilustra o quadro 8, também é unânime a presença do espaço mercantil na escola P.N.. Face à diversidade de respostas presentes nos discursos dos inquiridos, pensamos que os seguintes excertos, por um lado, espelham o sentimento dos coordenadores/professores, em geral, e, por outro, poderão permitir a compreensão da mobilização desta acepção de escola pelos sujeitos:

“Eu acho que é assim…, acho que pode haver um propósito e esse propósito ser…, a intenção ser o lado mais humano e o lado mais complementar. Na prática, o lado mais económico acaba por prevalecer.” (E7: 266).

“De facto, o meu ideal acaba por não se reflectir depois… naquilo que eu acabo por fazer. Porquê? Porque tenho a noção, lá está, que o sistema exige que os alunos tenham notas e acabe por ajudá-los a concretizar esse objectivo mais do que outro, por exemplo, educá-los para a tal vida que estávamos a falar. De certa forma, também a minha atitude acaba por ser, não é muito de encontro ao meu ideal, não é? Mas pronto, são certas exigências do tal espaço… mercantil, não é?” (E9: 281).

“Eu gostava muito de responder que nós estamos aqui a trabalhar muito para formar melhores cidadãos…, cidadãos mais intervenientes, mais activos na sociedade, mais conscientes. A verdade é que vamos fazendo isso mas esse não é o objectivo principal do trabalho da escola. Infelizmente, vai muito pela ideia do tal, daquilo que falavas, do mercantil, do pensar um bocado na satisfação do cliente. Os próprios alunos e os pais destes sentem-se muito como clientes e, então, a ideia de “Nós pagamos e, portanto, se calhar temos direito a outras coisas…”, e aquilo que falavas ao início da eficácia não tanto, é um bocado por essa ideia.” (E10: 285).

“[…] quando eu vim para aqui trabalhar e desde que estou cá ainda continuo a acreditar, continuo a acreditar que é possível mudar o aluno, […], eu ainda acredito que sou capaz de mudar alguma coisa na vida deles. Embora… tentar fazer isto e fazer com que eles tenham os resultados que querem muitas vezes é contraditório, muito contraditório. Mas aí já entram em jogo outros aspectos, nomeadamente a minha própria sobrevivência. Portanto, eu tenho que conseguir que eles tenham as notas que ao fim ao cabo desejam…, não deixo na mesma de tentar mudar a vida deles no sentido de terem os valores correctos, valores que vão na orientação do ser, do produzir, do sonhar e lutar para lá chegar e por aí fora.” (E11: 290).

Além disso, alguns coordenadores/professores reconhecem que a escola, por natureza, também é um espaço de competição, todavia, acrescentam que não pode ser único, como nos aponta o sequente excerto:

“Também tem que haver aquele espírito de competição mas não pode ser só isso, sinceramente acho que não pode ser só isso […]” (E5: 251).

Não obstante, outros coordenadores/professores mostram o seu repúdio face à competição, em particular, e à qualidade educativa mercantil, em geral, nomeadamente quando cai no excesso, como, a título ilustrativo, se pode deduzir do próximo excerto:

“O espaço mercantil… é o problema das escolas…, das escolas privadas, não é? Já ultrapassou a barreira da escola privada e agora está na escola pública porque, infelizmente, estes valores de cidadania de que falamos não são incutidos em casa da maneira mais correcta, no meu parecer, e vemos meninos com 15 anos quase já a “esfaquearem-se” uns aos outros por causa das notas. E não acho que haja uma competição saudável, quanto melhor são os alunos pior é a competição, é uma coisa que me atormenta porque eles têm 15 anos e quando chegarem à faculdade não sei como é que vai ser… […] Quanto à competição, é cada vez maior, eu noto de ano para ano, acho horroroso e eles são terríveis mesmo.” (E4: 241).

Concluindo, repare-se, no entanto, que alguns entrevistados, ainda que valorizem, primeiramente, a dimensão científica da escola e sublinhem a importância da dimensão educativa no sentido axiológico e cívico, reconhecem que, face a uma necessidade lucrativa por

parte da escola P.N., a vertente económica da educação tende a sobrepor-se, como ilustram as palavras da professora E8:

“Sinceramente, sem nenhuma falsidade, a escola onde leccionamos está muito vocacionada para a parte empresarial…, os rankings, notas. Eu sei que por detrás disso está um interesse económico, financeiro, porque se não houver clientes (risos) não vai para a frente, mas é um problema, quer dizer, eu gosto de ser professora cá, mas há coisas que me deixam infeliz.” (E8: 274).

Sintetizando os sentidos ambíguos de escola, em termos globais e na perspectiva dos entrevistados, o Estado não tende a promover o desenvolvimento de uma escola que valorize, em primeira instância, racionalidades de índole emancipatória, ou seja, o Estado não tende a preocupar-se em dotar os alunos de atributos e competências que lhes proporcionem problematizar de forma reflexiva e crítica o mundo e a sua realidade concreta.

No que respeita às representações de escola, de um modo geral, o órgão de direcção/gestão e os coordenadores/professores, ainda que num plano discursivo concebam a escola enquanto escola cidadã, na qual a dimensão crítica e criativa coopera e articula com a componente científica e disciplinar, na prática adoptam um sentido técnico. Contudo, são unânimes no reconhecimento de que, na realidade, o espaço educativo da escola P.N. tende a favorecer lógicas de índole instrumentalista, designadamente a satisfação das expectativas dos alunos e pais.

Considerando a apreciação crítica realizada, é claramente perceptível que a amostra em estudo, face a um conjunto de condicionalismos, nomeadamente de ordem económica, tende a deslocar as suas práticas em prol dos resultados e das expectativas dos alunos e pais e, neste contexto,

“[…] tendem a apontar as escolas privadas como aquelas que perseguem objectivos idênticos aos das empresas comerciais (G. Robinson: 1971) ou que as mesmas, numa sociedade capitalista, não passam de ´Projectos económicos-financeiros como outro qualquer´ (M. Góes, 1989: 48) […]” (Estêvão, 1998c: 64).

Finalizando, nesta linha de análise, a escola P.N. pode ser percepcionada como um espaço de espaços, na qual se cruzam imagens distintas, por vezes, contraditórias, de acordo

com as conjunturas temporais e espaciais. Este facto mostra-se concordante com os discursos dos sujeitos entrevistados que corroboram a ideia da pluralidade de acepções de escola no espaço da escola P.N., fundamentando as suas posições através de razões, principalmente, do foro económico.