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4. Metodologia Empírica

4.4. Análise dos dados

4.4.3. Sentidos complexos de profissionalidade docente

4.4.3.2. Profissionalidade docente técnica

A dimensão técnica de profissionalidade docente reporta-se a um conjunto de disposições e valores que configura o professor enquanto um mero técnico altamente eficaz, eficiente e competente na execução de tarefas concebidas e delineadas por agentes externos. Neste contexto, os espaços e tempos de reflexão crítica e criativa dos docentes tendem a ser limitados bem como a sua capacidade de compreensão global dos processos e de intervenção no plano de decisão, reduzindo a actividade do professor à transmissão e reprodução de saberes, conducente à limitação ou até anulação do discurso da possibilidade e à desqualificação política dos mesmos.

Deste modo, os professores transformam-se em simples consumidores e repositórios de conhecimento, saberes e competências e tendem a praticar um ensino de carácter bancário, no qual os problemas tendem a ser transformados em problemas técnicos, privando-se e privando outros de valências de índole democrática.

a) Órgão de direcção/gestão

A vertente técnica de profissionalidade docente é mobilizada em todos os discursos, ainda que segundo diferentes graus de intensidade. Neste quadro, destacamos a directora pedagógica, que, em conformidade com a sua posição face ao sentido de escola e de qualidade, adopta uma atitude nitidamente técnica, como confirma, a título ilustrativo, o excerto:

“Um bom professor é aquele que possui qualidade científica, qualidade de ensino, sabe como ensinar, é rigoroso e sabe manter a autoridade perante a turma.” (E13: 306).

“Eu posso falar por mim, quando admito um professor novo, a primeira preocupação é a qualidade científica, sem isso não vamos a lado nenhum, e a seguir é a vocação como professor, saber estar numa sala de aula, ensinar e transmitir os conhecimentos aos alunos.” (E13: 305).

No que respeita ao discurso da entidade titular, também este ostenta aspectos que permitem percepcionar preocupações de índole técnica de profissionalidade docente, como referimos anteriormente. Entre os aspectos, sublinhados pela entrevistada, salientamos a

referência às “aulas de apoio”, factor que, segundo a mesma, condiciona positivamente a profissionalidade do professor. Do ponto de vista técnico, as aulas de apoio são convocadas pela entrevistada com o propósito de superar eventuais dificuldades sentidas pelos alunos na aprendizagem dos conteúdos disciplinares, objectivando, portanto, o sucesso escolar do aluno, como atesta o excerto que a seguir se reproduz:

“Factor bom, prontos, para mim acho que… são as aulas de apoio, porque as aulas de apoio (nós aqui não podemos dar o nome de explicações, a escola não pode dizer que tem explicações) acho que são mesmo explicações, porque a gente se tem sucesso com os nossos ´explicandos´, ora ao fazer dos nossos alunos nossos ´explicandos´ também vamos ter sucesso em que eles aprendam o que está atrasado.” (E1: 219).

Não obstante, e de certa forma em antítese à posição da directora pedagógica, o coordenador do Ensino Secundário e a coordenadora dos SPO, adoptando posições similares, valorizam a dimensão crítica de profissionalidade por entenderem as valências de ordem técnica, designadamente domínio dos conteúdos científicos e capacidade de transmissão, como pré- requisito para a profissão professor. Todavia, do nosso ponto de vista, este facto, para além de outras leituras, reforça a centralidade da vertente técnica na representação de profissionalidade docente dos inquiridos, uma vez que a assumem como condição preliminar, como aponta a fala que a seguir se reproduz:

“Em termos de matérias… incomoda-me falar de um professor que não tem qualidade porque aí não é professor; portanto, para mim, o professor tem que ter qualidade de ensino, tem que ser conhecedor e dominador de todas as matérias (as quais está habilitado para leccionar). Por isso, essa questão nem se põe…[…]” (E6: 261).

Veja-se também que a coordenadora dos SPO, num outro momento do seu discurso, considera que os aspectos técnicos de profissionalidade dos professores tendem a sobrepor-se a valências de índole emancipatório, em resultado de constrangimentos, como se pode constatar das seguintes palavras:

“Claro que o aluno tem que fazer um exame, aquela matéria tem que ser leccionada obrigatoriamente…, o que tira muito tempo para que se possam considerar todas as outras dimensões.” (E12: 299).

Resumindo, deste ponto de vista, podemos deduzir um certo grau de inconformidade nos discursos produzidos pelo coordenador do Ensino Secundário e pela coordenadora dos SPO, na medida em que, como já referimos, noutros pontos dos seus discursos apontam como linha orientadora de profissionalidade docente o sentido comunicativo.

b) Coordenadores de Departamento Curricular/professores

No que concerne aos coordenadores/professores, alguns dos entrevistados ostentam uma profissionalidade, visivelmente, técnica, quer isto dizer, elegem como atributos fundamentais do professor o domínio disciplinar, a transmissão de conteúdos e, ainda, a eficácia e competência na sua transmissão, embora reiterem a sua preocupação em contribuir para a construção do aluno enquanto cidadão. Face à diversidade de respostas, vejamos, a título de exemplo, como os entrevistados se referem a esta questão:

“É um professor que sabe, que tem domínio perfeito ou quase perfeito em termos científicos, que sabe transmitir, ou seja, sabe chegar ao aluno, desce se for necessário a outro tipo de linguagem, exemplificando, como sobe ao rigor em termos de linguagem, em termos científicos…[…].” (E2: 227).

“Acho que a parte científica nunca pode ser descurada porque nós estamos aqui para ensinar, não é só para passar a mão na cabeça e dizer ´O que é que tens?´ e ouvir os problemas deles (que às vezes não têm fim); isto é uma sala de aula, não é nenhum consultório de psicologia infantil. Mas eu continuo a achar que nunca poderia dar aulas dissociando os dois, é impossível.” (E4: 246).

“[…] ponto número um, saber a ciência e saber passá-la, mas também ser um amigo na medida em que deve apoiar os alunos.” (E8: 277).

Mais, em determinadas circunstâncias, designadamente com a aproximação do exame nacional, os aspectos técnicos da profissão professor tendem a revelar-se hegemónicos face a dimensões de ordem emancipatória, como confirmam as afirmações da professora E2:

“Eu gostaria que ele chegasse ao fim e visse o mundo em que vive, eventualmente, as escolhas que pode fazer, as escolhas acertadas ou não, mas, efectivamente, não é isso que se passa. Efectivamente, o que se passa é: há um exame final que tem um determinado peso na média, que vai permitir o acesso ou não ao ensino superior (a maior parte deles nem põe isso em causa) […]” (E2: 230)

“Chega-se aí ao segundo período e já se está a trabalhar para o resultado.” (E2: 230)

Neste sentido, esta posição corrobora o estudo de Melo (2009) que afirma que, apesar dos ideais de profissionalidade dos professores, estes percepcionam perda de autonomia e criatividade em favor da preparação dos alunos para a obtenção de bons resultados nos exames nacionais. Por outro lado, este aspecto tende a ser apontado por outros coordenadores/professores que, apesar de não estarem sujeitos a este tipo de pressão, reconhecem que o exame nacional é um factor com muita influência no desenvolvimento da profissionalidade do professor, como se pode concluir dos seguintes excertos:

“Eu muito pouco, não é? Ainda bem, porque seria terrível, confesso. Seria (risos) uma luta, uma luta muito difícil, porque, primeiro, não tenho dado 12º ano nos últimos anos, sabes?” (E4: 247).

“Não sendo a minha disciplina, no caso da Psicologia, uma disciplina de exame nacional, mais me permite fazer isto como é óbvio, tentar encontrar um equilíbrio entre as duas partes […]” (E7: 269).

Em síntese, no entendimento de alguns coordenadores/professores, a construção da profissionalidade docente assenta sobretudo nos saberes, nas competências e nas capacidades técnica e pedagógica, com vista à consecução de uma excelente transmissão e consequentes bons resultados, particularmente no exame nacional, pois, segundo alguns destes inquiridos, os resultados do exame nacional também reflectem o brio e a competência profissional do

professor. Não obstante, e paralelamente a esta prioridade, estes coordenadores/professores procuram, sempre que possível e nas condições possíveis, mobilizar os seus saberes e disposições democráticos, no sentido de promover o desenvolvimento holístico do aluno.