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4. Metodologia Empírica

4.4. Análise dos dados

4.4.2. Sentidos desencontrados de qualidade educativa

4.4.2.3. Qualidade educativa mercantil

A acepção mercantil da qualidade visa, sobretudo, a satisfação das necessidades e expectativas dos clientes, no caso da escola P.N. alunos e pais, operando enquanto estratégia de formação do homem-consumidor/cliente, isto é, indivíduos destituídos do valor da solidariedade colectiva.

A importância atribuída a esta valência da qualidade por alguns entrevistados reside na necessidade de recrutar alunos que permitam à escola continuar a trabalhar, garantindo o sustento de todos os actores, designadamente dos professores, como destacam os inquiridos E7 e E11 em algum momento dos seus discursos.

Considerando a informação presente no quadro 10, apenas alguns dos sujeitos se reportam de forma explícita à dimensão mercantil da qualidade educativa, no entanto, esta imagem de qualidade tem sido frequentemente mobilizada na discussão dos sentidos desencontrados da qualidade educativa, ainda que tacitamente. Por este motivo, a seguinte apreciação analítica tende a constituir uma sistematização da análise já produzida.

a) Órgão de direcção/gestão

Neste contexto, parece-nos poder concluir que o discurso da directora pedagógica revela- se congruente com aquele que produziu para o sentido de escola. Ambos destacam as dimensões técnicas, embora a formação do aluno enquanto pessoa, no seu entender, deva estar sempre presente. No entanto, noutros passos do seu discurso, a inquirida acaba por assumir a importância da vertente economicista na vida de uma escola privada e, neste sentido, reconhece que cede às pressões de índole económica, como corrobora o excerto:

“Às vezes… a pressão económica, não é? Não deveria ser assim mas uma escola privada tem que pensar sempre na parte economicista, não é? É difícil equilibrar rigor e qualidade com chamar mais alunos, às vezes temos que ceder (risos) […]” (E13: 306).

Esta visão de qualidade educativa também está presente no discurso do coordenador do Ensino Secundário quando aponta a “pressão em termos avaliativos” como um dos factores que mais contribui para a redução da qualidade educativa. Nesta perspectiva, deduzimos que o órgão de direcção/gestão quando pressionado tende a satisfazer, de certa forma, as necessidades e expectativas dos alunos e pais, cedendo espaço às dimensões empresarial e mercantil.

b) Coordenadores de Departamento Curricular/professores

No que respeita aos coordenadores/professores, e tendo em conta a análise já produzida no presente subcapítulo, é claro nos seus discursos, ainda que compelidos, a cedência de espaço não só para aspectos de âmbito produtivo mas principalmente de âmbito vendável. Os inquiridos evidenciam, portanto, particulares preocupações, no sentido de satisfazer as necessidades e expectativas dos alunos e pais, que tendem a traduzir-se na obtenção de bons resultados e, mais do que isso, na concretização dos resultados esperados pelos discentes, como referido por alguns dos coordenadores/professores entrevistados.

Neste quadro, identificamos representações de qualidade educativa de índole marcadamente mercantil, como corroboram as afirmações que a seguir se reproduzem:

“Infelizmente… está mais ao serviço dos resultados, da satisfação das expectativas e tudo mais, contrariamente ao que eu considero correcto e considero que devia ser.” (E3: 235).

“Aqui temos que desmistificar logo no início do ano (que é uma coisa que vamos conseguindo fazer com os anos, com a experiência), desmistificar nas primeiras aulas que não é porque eles pagam a mensalidade que vão ter a disciplina feita ou as notas dadas. […] e, portanto, os alunos pensam que só porque pagam a mensalidade nós professores temos que estar aqui não sei a fazer o quê no entender deles, cujo único objectivo é ter uma nota X no final do ano, pronto. Isso influencia-nos muito […]” (E4: 243).

“Neste momento, eu tento equilibrar mas cada vez me empurram, sinceramente, mais para os resultados, infelizmente.” (E5: 254).

“Muito mais sendo ensino privado, onde eles muitas vezes chegam aqui com a ideia de que o facto de estarem a pagar já lhes permite atingir determinados resultados.” (E7: 268).

“Claro que os fins para uma escola privada são precisos porque senão, se não há fins não há inscrições (risos).” (E8: 276).

“Não sei se no final do ano isso (risos) se verifica ou não, mas a instituição…, as directrizes que nos dão…, os pontos-chave são para satisfazer o aluno.” (E8: 277).

“[…] eu não sou obrigado mas sou um pouco pressionado a dar a nota que eles… têm que ter.” (E11: 292).

Em suma, tendo em conta a análise crítica dos discursos, inferimos que a referência sistemática aos resultados por parte dos entrevistados, para além de outras leituras, aponta para a necessidade de agradar aos clientes (alunos/pais), no sentido de satisfazer as suas exigências. Na verdade, esta atitude permite manter o número de inscritos e gerar uma política de marketing e relações públicas, geradora de novos recrutamentos, isto é, “chamar alunos” - conforme as palavras dos sujeitos E13 e E8 (quadro 10) -, que garanta a sobrevivência e sustentabilidade financeira da instituição. Por outro lado, os bons resultados propiciam boas posições no ranking, favorecendo políticas comparativas, conducentes à selecção da escola por

parte dos pais, ainda que a entidade titular, noutro passo do seu discurso, reitere o seu desinteresse face aos rankings.

Sintetizando a análise produzida relativa aos sentidos desencontrados de qualidade educativa, no interior do órgão de direcção/gestão são perceptíveis posições distintas, que traduzem diferentes representações de qualidade educativa; quer isto dizer, enquanto o coordenador do Ensino Secundário ostenta uma representação teórica cabalmente crítica, cedendo espaço aos sentidos técnico e mercantil do ponto de vista concreto, a directora pedagógica assume, desde logo, uma imagem marcadamente técnica, cedendo igualmente espaço a aspectos mercantis.

No mesmo sentido, também é possível constatar divergências nas representações dos coordenadores/professores. De um modo geral, estes assumem a qualidade na sua acepção crítica, contudo, reiteram, uma vez mais, a cedência de espaço a lógicas de cariz técnico e mercantil; não obstante, alguns entrevistados ostentam a imagem técnica de qualidade educativa, sublinhando a importância de aspectos científicos e pedagógicos, porém, também estes reafirmam o desvio das suas práticas em ordem à vertente de mercado.

Concluindo, de acordo com a análise realizada até ao momento no âmbito da percepção do sentido de escola e do sentido de qualidade educativa, o que emerge como central no conjunto dos discursos é a ideia de cedência de espaço à esfera do mercado, pois os inquiridos, apesar de idealizarem a escola enquanto espaço sócio-crítico e a qualidade enquanto sinónimo de capacitação do aluno como cidadão, no geral, reconhecem, efectivamente, a “[…] subordinação da educação à economia e ao mercado com pouca ou nenhuma preocupação com a desigualdade e o destino social das pessoas […]” (Libâneo, 1998: 21).