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4. Metodologia Empírica

4.4. Análise dos dados

4.4.2. Sentidos desencontrados de qualidade educativa

4.4.2.2. Qualidade educativa técnica

A dimensão técnica da qualidade é defensora de uma educação estruturada na transmissão de um conjunto de saberes e conhecimentos de carácter, mormente científico e técnico, entendidos como fundamentais à formação do homem-trabalhador, detentor de capital humano indispensável ao desenvolvimento económico.

Na consecução deste tipo de qualidade torna-se essencial a divisão dos planos de decisão e de execução - o primeiro, responsável pela liderança capaz de integrar os restantes actores sociais, pela definição de objectivos e decisões e pela supervisão de todos os processos,

e, o segundo, responsável pela exímia implementação -, alocada a um substantivo sistema de avaliação de desempenho, o qual é regulado e controlado por resultados meramente mensuráveis. Portanto, neste contexto, estamos na presença de uma forma de qualidade simplista e redutora que, por um lado, não se coaduna com a complexidade do processo educativo, sobretudo do processo ensino-aprendizagem, e, por outro, actua enquanto instrumento de formação do homem-objecto.

a) Órgão de direcção/gestão

Neste quadro, considerando os discursos da entidade titular e da directora pedagógica, deduzimos uma preocupação, particularmente, de cariz técnico e empresarial, na medida em que as entrevistadas concebem a qualidade estruturada, fundamentalmente, sobre a eficácia na transmissão dos conteúdos.

Acresce que o discurso da entidade titular relativo à qualidade educativa, quando comparado com o mesmo face à concepção de escola, evidencia uma certa incoerência, pois, enquanto a entrevistada adopta uma posição tendencialmente emancipatória no que respeita ao sentido de escola, no âmbito da qualidade a sua posição é acentuadamente técnica, ainda que estejam presentes algumas preocupações com aspectos relativos à capacitação holística do aluno.

Neste sentido, a entidade titular enfatiza, de forma categórica, a questão de trabalhar as aulas em ordem ao teste, sublinhando, justamente, a importante acção do professor na preparação do aluno em função do mesmo, com vista à obtenção de bons resultados; facto que espelha preocupações de carácter técnico. A este respeito, eis o que nos diz a entrevistada:

“A aula tem de ser mais difícil do que o teste. Ela tem de ser dada de maneira a que eles percebam mas também devem ser feitas perguntas mais elaboradas… já como nós vamos pôr no teste, mas já na aula tem de ser feita a pergunta bem elaborada que é para que o aluno chegue ao teste e não sinta dificuldade. Ao fazer isto, estamos a ajudá-los no teste mas também estamos a prepará-los, porque eles, depois, ao fazerem perguntas a eles próprios já não perguntam ´Olha…, onde é que estiveste? O que é que se passou?´, já dizem ´Comenta ou define.´.” (E1: 215).

“ Eu faço tudo em função do teste porque, bem, é a finalidade. Eu faço tudo em função do teste…, dos testes que vou fazendo, de maneira a que eles também aprendam, não é?” (E1: 216).

No que respeita à directora pedagógica, esta remete a qualidade para valores manifestamente empresariais, tocando até certo ponto a ideologia da GQT, quando destaca no seu discurso aspectos que se prendem com a liderança, a definição de objectivos, o rigor e autoridade na execução das decisões e, ainda, as competências técnica e científica dos professores. Evidencia, por outro lado, a necessidade de negociação com os actores educativos, em particular professores, não no sentido da intervenção activa no campo da decisão política, mas no sentido do auxílio na resolução de problemas, facto que denuncia uma certa cooptação. Assim, para ilustrar esta posição e dada a riqueza do discurso da entrevistada, pensamos que os seguintes excertos poderão permitir uma melhor compreensão:

“[…] tirando alguns casos, as empresas familiares são de evitar […]. As empresas familiares nunca resultam, é raro, porque qualquer empresa tem que ter as funções muito bem definidas, quem é que tem autonomia para fazer o quê, e na empresa familiar isso acaba por não acontecer porque se alguém desobedece é difícil de chamar a atenção e dizer ´Olha, assim não pode ser…´ (risos).” (E13: 304).

“Depois de sabermos qual é o objectivo, temos que ver como é que poderemos atingir esse objectivo; se a empresa já existir ver o que está mal e o que podemos fazer para corrigir e todas as pessoas têm que ter a noção daquilo que queremos atingir, não é? Isso é tudo negociado porque senão não vamos a lado nenhum (risos), com alguma ditadura pelo meio senão… (risos).” (E13: 304).

b) Coordenadores de Departamento Curricular/professores

Do ponto de vista dos coordenadores/professores, a apreciação crítica dos respectivos discursos permite-nos inferir que os entrevistados E8 e E9 manifestam uma preocupação primária e concreta com a transmissão dos conteúdos disciplinares, traduzindo, por um lado, uma certa incoerência com a imagem teórica de escola e, por outro, uma representação de

qualidade educativa essencialmente técnica, como confirmam, a título ilustrativo, as transcrições que a seguir se reproduzem:

“[…] a qualidade de ensino, acho que tem que ser aliada a um bom profissional, que saiba a matéria, ou seja, tenha a cultura científica mas também que saiba expor essa mesma ciência, sempre mostrando que se pode criar um bom ambiente mas dividindo o papel do professor e o papel do aluno na base do respeito.” (E8: 275).

“Para haver qualidade, acho que primeiro tem que haver uma boa relação, depois tem que haver obrigatoriamente uma boa formação científica e pedagógica do professor, porque senão acho que não pode haver qualidade; porque não bastam as características pessoais do professor, infelizmente não bastam, se bastassem decerto tínhamos aí muita qualidade no ensino, mas não. Acho que é preciso, realmente, uma boa formação científica e pedagógica e a partir daí, acho que juntando as coisas, tanto as características pessoais do professor, a boa relação com os alunos, juntando às competências científicas e pedagógicas, acho que temos aí a união perfeita para haver qualidade no ensino. (E9: 282).

Ainda, na senda da transmissão dos conteúdos alocada a um professor tecnicamente capaz, dotado de um acervo de competências pessoais, técnicas e científicas, as professoras E8 e E9 reiteram, como aponta o quadro 10, a importância do bom ambiente entre professor e aluno na consecução da qualidade educativa, condição, no seu entender, crucial para uma eficaz e eficiente transmissão.

Repare-se, no entanto, que a professora E2, ainda que num primeiro momento do seu discurso eleve o sentido crítico da qualidade educativa, num segundo momento deixa transparecer a importância da dimensão técnica nas suas práticas face a aspectos de natureza emancipatória, como se pode deduzir da seguinte afirmação:

“Exigência é a todos os níveis…, exigência em termos de conteúdos, de aplicação dos mesmos conteúdos e, depois, também em termos de… relações entre os colegas, entre o aluno e os funcionários, entre…” (E2: 227).

Considerando, na globalidade, os discursos dos coordenadores/professores, estes tendem a ser concordantes com os discursos produzidos no âmbito do sentido de construção de

escola, isto é, a representação mental percepcionada assenta, indubitavelmente, em princípios e valores de cariz democrático; contudo, quando questionados sobre as suas práticas concretas, em virtude de constrangimentos, tendem a ceder espaço em ordem a valores de pendor empresarial, com vista à obtenção de resultados, e mercantil, a fim de satisfazer as expectativas dos alunos, facto demonstrativo da articulação destas duas esferas. Vejamos, então, como alguns coordenadores/professores se reportam a esta questão:

“[…] dado que estou a trabalhar numa escola privada, tenho que me pautar pelas linhas e pela conduta que a escola pretende, então, tenho que ter alguma atenção ao ranking, ao resultado que os alunos esperam, mas não consigo desligar-me ou só, meramente, preocupar-me com isto e não me preocupar com a formação cívica e cidadania dos próprios alunos. Não, é impensável, eu não posso terminar um ano lectivo sem eles aprenderem alguma coisa em termos de valores, em termos humanos.” (E2: 227).

“Os resultados, por vezes, condicionam muito a nossa acção, a minha acção, pronto. E penso que será mais um caso, talvez não só meu mas de alguns (risos).” (E3: 234).

“É óbvio que…, é assim, não vamos ser líricos…, os resultados são importantes e são muito importantes porque são os resultados que nos permitem que esta escola continue a trabalhar, que esta escola continue a ser procurada e com que nós tenhamos trabalho, portanto, vamos ser realistas quanto a isto. Agora, para se obter determinados resultados não temos obrigatoriamente, na minha opinião, de descer de nível, pelo contrário, eu acho que é possível as duas coisas.” (E7: 267).

Não obstante, e tal como presente nos anteriores discursos dos professores E2 e E7, alguns entrevistados sublinham que alguns docentes tentam de alguma forma resistir às pressões e desenvolver o seu trabalho sob a alçada de um paradigma predominantemente crítico. Neste sentido, eis o que nos dizem:

“Acho que a escola vai pelas lógicas instrumentalistas embora algum corpo docente, não todo, tente fazer exactamente… pela sua formação, pelas lógicas emancipatórias.” (E2: 226).

“São as lógicas emancipatórias, sim. E consigo mais uma vez juntar a parte científica da minha disciplina, que infelizmente há muita gente que não pode.” (E4: 245).

A entrevistada E4 ao afirmar “infelizmente há muita gente que não pode” reportar-se aos professores que leccionam disciplinas que são objecto de avaliação externa por exame nacional. Na sua perspectiva, este aspecto da avaliação tende a condicionar a actividade docente em prol de uma transmissão de saberes mais rígida e tradicional, com vista à consecução de bons resultados académicos.

Em síntese, parece-nos poder concluir que alguns dos entrevistados, designadamente a directora pedagógica e as professoras E2 e E8, adoptam uma posição tendencialmente técnica, contudo, tal como a maioria, tendem, por razões várias, a ceder a pressões da esfera mercantil.