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4. Metodologia Empírica

4.4. Análise dos dados

4.4.2. Sentidos desencontrados de qualidade educativa

4.4.2.1. Qualidade educativa crítica

A vertente crítica da qualidade educativa enfatiza a necessidade de articular, no sentido da cooperação, aspectos democráticos e aspectos de ordem instrumentalista, a fim de responder às actuais solicitações da sociedade. Neste contexto, a qualidade educativa passa por dotar os indivíduos, designadamente alunos, de disposições, códigos e instrumentos que lhes permitam o efectivo sucesso educativo, noutros termos, a real mobilidade social, independentemente da origem socioeconómica. Nesta perspectiva, os actores sociais entendem “[…] as escolas como lugares que, embora reproduzam basicamente a sociedade dominante, contenham também possibilidades para oferecer aos estudantes uma educação que os converta em cidadãos activos e críticos (e não em simples trabalhadores).” (Giroux, 1990: 46).

a) Órgão de direcção/gestão

Do ponto de vista do órgão de direcção/gestão, o coordenador do Ensino Secundário mostra-se convicto na defesa de uma qualidade de contornos críticos e criativos, dito doutro modo, demonstra preocupações com a politização do aluno em ordem à formação do cidadão, ainda que reconheça, no seu discurso, a importância da transmissão dos conteúdos científicos, como se pode deduzir pelo excerto:

“A qualidade passa, na minha opinião, não pelos miúdos decorarem mas por perceberem o que se está a falar. […] acho que os miúdos têm que cada vez mais conseguir perceber, pensar, raciocinar e não decorar. […] não seriam só as matérias, teria que ser o dia-a-dia,

teria que ser a formação do aluno como pessoa e como ser, que também poderia estar inerente ao processo de ensino.” (E6: 260).

De facto, este inquirido mostra-se coerente com a posição assumida face à imagem de escola e, ainda, é clara a sua congruência ao destacar que a qualidade educativa, no quotidiano da escola P.N., tende, efectivamente, a ceder espaço face às vertentes empresarial e mercantil, como comprova o excerto que a seguir se reproduz:

“Como coordenador preocupa-me… porque vejo as pessoas demasiado preocupadas com as notas, vejo as pessoas demasiado preocupadas com os exames e pouco preocupadas com o resto, mas também sinto que, neste momento, é uma preocupação que não vai dar grandes frutos. Porquê? É impossível lutar contra a maré, neste momento, não é? (risos)” (E6: 260).

Além disso, o entrevistado reitera a sua posição no que respeita às orientações técnicas e mercantis que a escola P.N. tende a assumir no âmbito da qualidade educativa, ao afirmar:

“Os factores que mais condicionam a qualidade de ensino passam sobretudo pela pressão em termos de avaliações. Acho que o facto de as pessoas se sentirem pressionadas, não só pela estrutura da escola mas pela sociedade em si…, em ter bons resultados condiciona o seu trabalho e não permite a implementação de novas situações que até poderiam ser benéficas para todos; para mim, é um dos factores que mais contribui para o insucesso, para uma menor qualidade.” (E6: 261).

Na senda da qualidade crítica, a coordenadora dos SPO remete, como nos indica a matriz, para a formação plena do aluno, enquanto sinónimo de qualidade educativa. Contudo, depreendemos que esta preocupação tende a ser essencialmente teórica, pois, quando interpelada sobre os factores que condicionam a qualidade educativa, reporta-se a números, rankings e resultados, como se pode inferir do excerto que a seguir se transcreve:

“O que põe em causa esta qualidade…, tanta coisa …, toda a política de educação…, vivemos para números, para os rankings dos exames nacionais, para os resultados por comparação com as médias nacionais, para entrar na universidade.” (E12: 297).

b) Os coordenadores de Departamento Curricular/professores

Por seu turno, os coordenadores/professores, de um modo geral, percepcionam a qualidade educativa pautada segundo orientações emancipatórias, noutras palavras, tendem a conceber, teoricamente, a qualidade educativa enquanto autonomização do aluno, assente no desenvolvimento equitativo das dimensões crítica e criativa e técnica e científica. Para ilustrar esta representação, dada a diversidade de respostas, vejamos como alguns coordenadores/professores se reportam à mesma:

“Acho que tem que ser um todo. Tem que ser uma junção dos conhecimentos, da aprendizagem em si dos conteúdos que são leccionados dentro da sala de aula, mas também o aluno tem que ter valores, tem que saber ser sociável, pronto, saber estar dentro de uma sala de aula, de um corredor, no atendimento na secretaria, entre os colegas. Ele daqui a uns meses está num mundo ligado ao ensino superior, eventualmente alguns, outros ao mundo do trabalho e acho que têm que saber a parte não só de conteúdos lectivos mas também a parte social.” (E2: 226).

“Do meu ponto de vista, para haver qualidade educativa, como já… falei anteriormente, não basta só transmitir mas também fazer… transformar o cidadão em si ou adequar o cidadão em si à vivência em sociedade, digamos assim, ou seja, preparar o cidadão - repara que não estou a falar só como aluno -, preparar o cidadão para o saber viver, saber preparar-se para o que poderá vir e não só a nível de conhecimento e de tudo isso.” (E3: 234).

“A direcção da autonomia, a direcção do respeito pelo próximo e por si mesmo, a direcção da aprendizagem através do esforço e não do facilitismo.” (E4: 242).

“Qualidade…, primeira coisa, acho que devem entender os conteúdos. Acho que essa parte é importante, acho que devem relacionar esses mesmos conteúdos com o quotidiano, com assuntos já falados, deve-se promover actividades que relacionem esses com a vida […]” (E5: 252).

“[…] se estes princípios forem os princípios orientadores do processo educativo - a exigência, o rigor, a curiosidade, a insatisfação, a capacidade crítica -, eu acho que é possível fazer uma escola de qualidade.” (E7: 267).

Uma vez mais, esta imagem tende a ser significativa no plano discursivo de alguns coordenadores/professores; no entanto, ainda que alguns entrevistados assumam uma posição de maior resistência face a pressões a que estão sujeitos, outros deixam, claramente, transparecer a sua impotência face à pressão de resultados, como se pode ilustrar pelas seguintes afirmações:

“Eu gostava muito de trabalhar com alunos que fossem…, que no fundo eu estivesse a trabalhar um bocado para lhes dar asas para que eles pudessem voar, na ideia de serem cidadãos mais intervenientes, mais conscientes, que até vissem mais telejornais. Preocupa- me muito falar com alunos que não percebem minimamente de política, que se alheiam completamente da política, que se alheiam de problemas efectivos do nosso país porque parece que para eles os problemas do país não são propriamente deles, sentem-se um bocado à margem.” (E10: 286).

“Ora, a minha acção diária é sempre a apontar para os valores, aquilo que eu acredito. Depois, quando chegamos ao fim do período (risos), eu tenho que ir buscar os resultados. Basicamente é isso que eu tenho que fazer.” (E11: 292).

Portanto, embora os coordenadores/professores insistam na importância dos valores democráticos para o sucesso não só escolar mas também educativo, podemos inferir que os propósitos instrumentalistas, de um modo geral, tendem a sobrepor-se.