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4. Metodologia Empírica

4.4. Análise dos dados

4.4.3. Sentidos complexos de profissionalidade docente

4.4.3.3. Profissionalidade docente mercadorizada

A construção da vertente mercadorizada de profissionalidade docente reside na aquisição de saberes, competências, conhecimentos, habilidades e valores de carácter vendável, essenciais nas actividades de marketing, de relações públicas e de negociação e, ainda, na capacidade de prever, antecipar e satisfazer as expectativas dos alunos e de responder às necessidades concorrenciais do mercado. Neste quadro, o professor é percepcionado enquanto instrumento essencial à transformação dos alunos em identidades isoladas, competitivas e indiferentes ao todo, concordante com a formação do aluno enquanto homem- consumidor/cliente.

Portanto, a profissionalidade mercadorizada visa capacitar o aluno para as valências necessárias à formação de bons clientes e bons consumidores, adaptados às elasticidades e flexibilidades do mercado globalizado.

a) Órgão de direcção/gestão

Neste contexto, a entidade titular, ao abordar o plano prático, adopta, de certa forma, a imagem mercadorizada de profissionalidade docente e, nesta perspectiva, são vários os passos do seu discurso onde é possível deduzir a presença de preocupações comerciais.

Entre a diversidade de situações, sublinhamos, primeiro, a abordagem às “aulas de apoio” que, entre outras leituras, denuncia inquietações mercantis no sentido de estas, quando mal abordadas pelos professores, afastarem possíveis alunos/clientes; e, segundo, a referência ao ensino como um sacerdócio que, no nosso entender, além de poder intentar valências de ordem de cariz democrático, como referimos no ponto 4.4.3.1., também pode apontar para questões estratégicas de relações públicas e marketing por forma a “chamar alunos” e a satisfazer as necessidades e expectativas dos mesmos e, ainda, traduzir um certo propósito de

cooptação do professor, visando o compromisso para com os objectivos da instituição. Para ilustrar estes processos, pensamos que os seguintes excertos poderão facilitar a compreensão:

“[…] ainda este ano que passou, uma mãe…, quando se falou das aulas de preparação para exames, perguntou: ´Mas são assim como as aulas de apoio?´; como quem diz as aulas de apoio não prestam para nada, o meu filho não vem para aqui para as aulas de preparação de exame sendo iguais às aulas de apoio. Por isso é que eu digo, se as aulas de apoio forem boas para uns até pode ser que esses chamem outros.” (E1: 219).

“[…] um professor que veja o ensino como um sacerdócio, porque ele vai ter de dar aulas extra, porque ele não vai ter de pensar que está na hora de ir embora […]” (E1: 220).

Uma outra questão que emerge do discurso da inquirida, que nos parece importante destacar, reside num certo incentivo à competição entre os professores, reportando-se, ainda que subtilmente, aos rankings, como se pode inferir da seguinte afirmação:

“Eu penso que… com as notas. As notas são…, não é que eu faça caso do ranking, mas acho que entre os professores, ver o professor com boas notas, que tem sucesso, não é?” (E1: 221).

Do ponto de vista da directora pedagógica, a dimensão mercadorizada de profissionalidade docente não tende a ser, explicitamente, assumida, ainda que, a nosso ver, esteja presente no seu discurso. Neste sentido, considerando a apreciação crítica da sua narrativa, deduzimos alguns aspectos mercantis, designadamente de relações públicas e marketing, quando a entrevistada se reporta ao “perfil do professor da escola”, pois, ainda que a entrevistada no seu discurso enfatize as relações humanas do professor, como referimos no ponto 4.4.3.1., no nosso entender, os atributos mencionados pela inquirida, como, por exemplo, “ sabe lidar com o aluno”, podem constituir um instrumento de recrutamento de alunos, na medida em que o professor procura, com a sua forma de estar e, portanto, com os seus saberes, estabelecer uma relação de diplomacia e de cordialidade de modo a proporcionar ao aluno um bom ambiente no espaço escolar.

Ainda que os discursos não valorizem a vertente mercantil da profissionalidade docente, o órgão de direcção/gestão reitera que o desvio das suas práticas face ao plano discursivo se

deve a condicionalismos economicistas. Dada a diversidade de respostas, vejamos, a título ilustrativo, como os elementos do órgão se referem a esta questão:

“Pois…, isso é o grande mal (risos), é o que deita muitas vezes por terra aquilo que eu gostaria que fosse, mas como também tenho de olhar ao número de alunos…[…]” (E1: 223).

“A grande dificuldade que nós temos em desenvolver o nosso trabalho vem, às tantas, com aquelas questões pré-feitas do ensino particular, da escola em particular, […], em que no ensino particular os alunos têm de tirar melhores notas porque estão a pagar; acho que são estas questões da sociedade, não são dos miúdos são da sociedade, os tais mitos, que condicionam mais a nossa actividade […]” (E6: 262).

“Infelizmente [a escola P.N.] tem baixado o nível do ensino mas isso é global, não é só em Portugal.” (E13: 312).

Resumindo, considerando a apreciação crítica já produzida, no sentido de percepcionar as representações de escola, de qualidade e de profissionalidade docente do órgão de direcção/gestão no plano concreto das suas práticas, somos levados a concluir que, na escola P.N., “[…] a ênfase na capacidade empreendedora e criativa dos actores educativos, a focalização educativa orientada para a satisfação do cliente têm-se imposta igualmente como os traços mais distintivos […], conduzindo simultaneamente a um menosprezo do papel que as escolas detêm na socialização política dos jovens […]” (Estêvão, 1998b: 76).

b) Coordenadores de Departamento Curricular/professores

Do ponto de vista dos coordenadores/professores, estes, em diferentes momentos dos seus discursos, reportam-se, claramente, aos aspectos mercantis da sua profissionalidade. Esta perspectiva é, particularmente, reforçada quando solicitada a abordagem a possíveis factores que condicionem a construção da sua profissionalidade.

Neste contexto, tendo em conta a informação presente no quadro 12, o que emerge como central no conjunto dos discursos dos sujeitos é a ideia de que, face às pressões de notas/resultados oriundas quer dos alunos/pais quer da instituição, cedem espaço, nas suas

práticas, à órbita do mercado, operando, em parte, enquanto agentes de um serviço vendável, como corroboram, a título de exemplo, os excertos que a seguir se reproduzem:

“Em termos de escola acho que às vezes, muitas vezes condiciona-me em termos do resultado que a escola espera […]” (E2: 229).

“Pressão de resultados. Pressão, por vezes, de resultados. Preocupação em… atingir determinado patamar, digamos assim.” (E3: 236).

“Mas muitas vezes, a tal parte mercantil associada à escola…, não é que acabe por me condicionar mas revolta-me, sabes? Revolta-me. Não é que na minha acção directa isso depois tenha efeitos e não quer dizer que eu me “subjugue”, não é? Perturba-me muito. Perturba-me o exagero da situação.” (E4: 247).

“[…] como é que vou dizer, mesmo o professor não querendo ser influenciado por isso [resultados], acaba por, lá está, é a pressão, é a pressão… E só isso em si acho que torna o papel do professor…, se quem paga a educação dos filhos…, às vezes ficamos um bocado na dúvida se realmente estamos a ir pelo bom caminho. Não sei, acho que principalmente isso é que, depois não é só os pais é a própria… instituição, não é? Porque o professor não tem assim tanta autonomia como pensa, não é? Há a parte da direcção, da escola que pressiona para isso…, há um todo que leva um professor ao desânimo (risos), basicamente.” (E5: 255).

“Essencialmente é isto…, as principais dificuldades estão no problema dos números, da frieza dos números a apresentar no final do ano […]” (E7: 271).

“[…] a realidade que eu vivo é esta, neste momento, o que te posso responder é que o grande constrangimento é a pressão que a própria escola faz perante a minha figura como professora.” (E8: 279).

“[…] deixo-me condicionar um bocadinho com a pressão que os próprios miúdos fazem com notas […]” (E10: 288).

“O factor é a pressão; pressão de ´Mas ele tem que ter uma boa nota.´. E, pronto, uma pessoa tem que ceder porque tem que ter uma boa nota.” (E11: 293).

Outro aspecto que ressalta das afirmações anteriormente transcritas, e que nos parece importante sublinhar, reside no conflito que os constrangimentos de ordem economicista provocam em termos de identidade profissional dos professores, no sentido de “[…] à luz de uma nova agenda ´instrumentalista´ […] desgastar os propósitos morais e éticos […]“ (Flores, Day e Viana, 2007: 16) e, por conseguinte, potenciar a fragilização da mesma, conduzindo, por um lado, à alienação e, consequente, despolitização dos docentes, e, por outro, à atenuação da capacidade e poder de oposição e acção dos mesmos.

Face ao exposto, considerando a análise produzida no âmbito dos sentidos de escola, de qualidade educativa e de profissionalidade docente dos coordenadores/professores, depreendemos que a dimensão mercadorizada de profissionalidade é mobilizada pelos mesmos em resultado de um conjunto de razões em ordem à satisfação das necessidades e expectativas dos alunos, pais e instituição.

Sistematizando a análise efectuada no âmbito dos sentidos de profissionalidade docente, concluímos que comparando os discursos dos entrevistados se observam algumas dissonâncias mas também concordâncias. Neste quadro, de um modo geral, a amostra em estudo partilha da opinião que as dimensões comunicativa e técnica devem estruturar a profissionalidade dos professores, ainda que em proporções diferenciadas.

Não obstante, no que respeita ao órgão de direcção/gestão, sublinhamos que a directora pedagógica adopta uma representação fundamentalmente técnica, ressalvando que os aspectos democráticos não podem ser de todo abandonados, pelo contrário, os professores devem procurar fazer um esforço no sentido da sua mobilização. Em oposição, a entidade titular, o coordenador do Ensino Secundário e a coordenadora dos SPO assumem, num primeiro momento, a imagem comunicativa de profissionalidade docente, no sentido de valorizarem proporcionalmente as vertentes cívica, de cidadania e técnica; porém, face a tensões de natureza instrumentalista, percepcionam o desvio das suas práticas em ordem às esferas técnica e mercadorizada.

No que toca aos coordenadores/professores, as conclusões mostram-se similares, isto é, alguns entrevistados adoptam uma posição análoga à representação assumida pela directora

pedagógica, enquanto outros se revelam mais concordantes com a perspectiva da entidade titular, do coordenador do Ensino Secundário e da coordenadora dos SPO.

Por último, e no que diz respeito ao sentido mercadorizado de profissionalidade docente, importa reiterar que teoricamente os coordenadores/professores não tendem a incorporar aspectos de índole comercial na construção da sua profissionalidade, contudo, assumem que estes interferem nas suas práticas, pois, enquanto escola privada, a escola P.N. tem necessariamente de, pelo menos em parte, satisfazer os seus clientes.