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CAPÍTULO 2 COMO ESTUDAR SOCIOLOGICAMENTE OS ADOLESCENTES

2.1 A ESCOLHA DOS CONCEITOS PARA ESTUDAR ADOLESCENTES EM PRIVAÇÃO

Conforme já expusemos na Introdução e, também, na descrição do estado da arte sobre a temática da delinquência e da Justiça juvenil, poucos foram os trabalhos que se debruçaram para estudar os adolescentes no campo da Justiça criminal e da Sociologia da violência e da punição. Menos ainda, trabalhos que tragam à baila a voz dos próprios adolescentes sujeitos às intervenções punitivas do estado.

Quando iniciamos a pesquisa, ainda na época da coleta de dados e da construção do projeto, foi importante atentar para teorias que pudessem dar conta de apreender o cotidiano da privação da liberdade de adolescentes e das dinâmicas que são travadas nesses locais. Assim, debruçamo-nos sobre autores que poderiam, cada um à sua

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maneira, dar conta de alguns elementos teóricos, pedaços que ajudaram a construir o todo que é a tese. A fundamentação teórica aqui exposta busca trazer as noções e os conceitos que são importantes para refletirmos a respeito do problema de pesquisa que deu origem a esta tese e confirmar, ou não, as hipóteses apresentadas.

Após diversas leituras e reflexões, tínhamos algumas questões que precisavam ser debatidas de forma ampla, para que pudéssemos explicar o que havíamos pesquisado. Dessa forma, após a fase do campo e da pesquisa bibliográfica, precisávamos apresentar o que era discutido a respeito das instituições totais aqui pesquisadas, ou seja, dos locais de privação de liberdade em que adolescentes cumprem penas/medidas socioeducativas e, ainda, pensar/discutir se de fato esses locais que conhecemos se caracterizavam como instituições totais. Além disso, necessitávamos dar conta do que há muito foi chamado de disciplina. E, finalmente, tínhamos a necessidade de compreender algumas dinâmicas produzidas nesses locais de confinamento, considerando que acreditamos, desde o início, que os adolescentes em privação de liberdade são dotados de agência e, por isso, produziam determinadas ações que, ao fim, acabamos por chamar de resistência.

Algumas perguntas, então, foram fundamentais para dar início à escolha das teorias que orientaram este trabalho: Por qual razão escolheremos teorias que já foram, e muito, usadas para explicar a privação de liberdade? Por que acreditamos que as instituições de privação de liberdade para adolescentes são instituições totais? Por qual motivo entendemos que as dinâmicas produzidas dentro dos centros de confinamento podem significar resistência por parte daqueles sujeitos em cumprimento de medida socioeducativa de internação/pena? Eles têm agência/escolha sobre o que está acontecendo em suas vidas naqueles locais e o futuro que pretendem ter?

Dessa forma, em um primeiro momento são analisadas as casas de internação de cumprimento de medida socioeducativa como aqueles lugares que Goffman chamou de instituições totais, ou seja, lugares de residência e de trabalho – e no caso dos adolescentes, de estudo/atividades –, onde muitos indivíduos, afastados da sociedade por um longo período, levam juntos uma vida de confinamento milimetricamente administrada (1961, p. 11).

Em seguida, foram trazidas algumas noções do que Foucault (2011) chamou de poder disciplinar, para tentar compreender como a vida dos adolescentes é controlada durante todas as horas de todos os dias em que cumprem medida de internação/pena. Assim, partiu-se do pressuposto de que o poder disciplinar é capaz de gerir todos os

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adolescentes que estão em privação de liberdade, com o objetivo de nortear todo um aparato ideológico, que acaba por moldar e normalizar as suas condutas. Dessa forma, é a partir da análise desse tipo de poder que podemos buscar a chave para compreender a manipulação de condutas – o tempo dentro da instituição, os prêmios e castigos impostos, o espaço físico e as funções desempenhadas pelos adolescentes –, na qual a principal função é moldar os corpos com a finalidade de transformar os jovens em ferramentas conformes com o status quo.

Discutimos, também, o conceito de resistências cotidianas apresentado por James Scott (2011). Nesse sentido, acreditamos que o conceito de lutas cotidianas de resistência, como aquelas lutas prosaicas, porém constantes, pode ser utilizado para compreender as formas com as quais os adolescentes resistem ao poder exercido sobre eles dentro da instituição de confinamento. Assim, apresenta-se a instituição de privação de liberdade como um lugar em que os adolescentes se opõem aos técnicos e agentes (responsáveis pelo controle dos seus corpos dentro da instituição) e aos próprios agentes do Poder Judiciário (já que, ao fim e ao cabo, os juízes são os responsáveis pela manutenção da internação ou pela progressão a um regime menos gravoso de coerção) de maneira sutil, a partir da simulação de ignorância, sabotagem, relutância ou dissimulação, conforme será apresentado adiante.

Finalmente, a resistência que os adolescentes apresentam se dá – quando se dá – principalmente porque eles querem e desejam se contrapor à internação, conforme ficou demonstrado a partir do trabalho empírico. Assim, o próprio adolescente é o perpetuador do ato de resistir, visto que ele poderia, a qualquer momento, deixar de fazê-lo, conforme explica Anthony Giddens (2014) por meio de sua teoria da estruturação. A ação de resistir é, portanto, em certos casos, um processo contínuo, ou seja, um fluxo, em que a reflexão do sujeito é fundamental para que ocorra a resistência. As unidades de internação não são um tipo “puro”, por assim dizer, de instituição, mas sim um tipo “híbrido”: protegem a sociedade do indivíduo 'perigoso', como função não dita, mas também visam a uma finalidade educativa declarada, já que se consideram e são normatizadas para serem socializadoras – considerando que esses adolescentes, a priori, não foram devidamente socializados para a sociedade (e na sua visão) e, também, educam (punem, docilizam, examinam) esses adolescentes, já que eles não teriam tido educação (punição, docilização e exame) suficiente para se integrarem à sociedade. Nesse sentido, explorar essas unidades de internação e produzir

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dados a respeito delas mostra, também, o desafio de articular teorias em um universo tão peculiar como esse.