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CAPÍTULO 4 OS ADOLESCENTES E A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

4.1 OS ADOLESCENTES ENTREVISTADOS EM CUMPRIMENTO DE PRIVAÇÃO DE

4.1.4 Os adolescentes do Centro B*

a) Luiz, 18 anos

Com um ano e três meses internado no Centro B*, Luiz começou a entrevista contando o que tinha acontecido quando ele era pequeno.

Bah, eu sou tranquilo. Só que, bah... No caso, bah, a maioria das pessoas perguntam como o cara entrou no crime. Só que, bah, se as pessoas vissem que o cara entrou porque o cara quis, mas não é... Mataram meu pai quando eu tinha 1 ano e 6 meses. Passei minha infância toda visitando minha mãe na cadeia. Daí o cara não tem opção, né, meu...

Com 13 anos de idade, Luiz começou a matar e, a partir daí, a traficar. Era devoto da umbanda e morava com a avó e a tia desde que a mãe foi presa. Quando foi internado, contudo, morava com a namorada, numa cidade da Grande Porto Alegre. Sustentava-se com o dinheiro do tráfico e com os roubos. A maioria dos amigos estão ou presos ou mortos, de acordo com ele.

Estudou até a 5a série do Ensino Fundamental e apenas recomeçou seus estudos quando foi internado. Em relação às visitas que recebia, disse que a avó, a tia e sua namorada se revezavam para que ele sempre recebesse visitas ali no Centro B*.

O motivo que levou ele a ser preso foi roubo, mas, segundo ele, já havia uma busca e apreensão114 para prendê-lo por homicídio. Fazia parte da facção “bala na cara”,

e os roubos eram cometidos para “apoiar o patrão na cadeia”.

b) Antônio, 17 anos

Antônio gostava de jogar futebol e namorar quando estava na rua. Não usa mais as roupas que usava na rua porque engordou muito no Centro B*. Vindo de uma cidade

114 Busca e apreensão é quando existe um documento do juiz dizendo que se o adolescente é encontrado,

ele deve ser internado provisoriamente em razão de algum ato infracional cometido. No caso dos adultos, o nome dado a esse instituto é “mandado de prisão”.

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da Região Metropolitana de Porto Alegre, morava com a avó, a tia e com dois irmãos mais novos, porque a mãe e o pai estavam presos.

Ficou dois anos sem estudar antes de ser internado, mas às vezes ia à escola unicamente para usar o ginásio para jogar futebol. Além disso, “ficava nas esquinas fumando maconha, que é rotina de guri”.

Estava no Centro B* havia um ano, um mês e um dia. Com 15 anos, a pedido do pai, envolveu-se no mundo do crime e se filiou à facção dos “manos”.

Ah, no caso eu fui pela pilha do meu pai no caso. No caso dele, ele é preso. Ficou um tempão, acho que desde os meus 5 anos… Ele falou que era pra mim ir num lugar e que não iria precisar fazer nada, só ficar lá contando dinheiro pros caras. Daí eu cheguei, já era outro tipo. Aí tive que ficar traficando, depois parei de traficar. Aí fiquei de gerente do cara. Daí dois guris quiseram no caso... que estavam há mais tempo que eu, e eu logo que cheguei já fiquei de gerente, aí eles queriam me matar. Aí eu matei os dois. Daí depois caí por tráfico e porte.

Visitava a mãe, que estava presa perto de Porto Alegre, uma vez por mês, em razão de um trabalho em conjunto realizado pelas técnicas do Centro B* e pelo pessoal da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.

c) Milton, 18

Milton estava internado havia sete meses no Centro B*. A entrevista mal tinha iniciado e ele começou a nos contar sua história de vida.

Quando meu coroa morreu, eu tinha 7 anos, minha mãe tem vários problemas de doença, né, meu. Daí, no caso, minha mãe não trabalha também, no caso ela pegava só essa aposentadoria do meu coroa e a aposentadoria dela [O pai] Morreu de HIV. Daí no caso ela pegava só essa aposentadoria dela e a aposentadoria do meu coroa. Daí no caso tivemos uma passagem muito difícil, né, dona, eu e meu outro irmão, tinha um outro irmão meu que morreu, tem mais um que era o segundo mais velho...

Eu me lembro até hoje dele, não me esqueço do rosto dele. E quando ele ia trabalhar, no caso ele me levava junto, né, dona, ele ficava trabalhando eu ficava olhando aqui, assim. Eu era grudado com ele, né, dona. Eu dormia em cima dele assim, do lado dele. Meu coroa, era muito apegado a ele. No caso que ele morreu eu me joguei um pouco mais, né, dona. Bah, aí eu fiquei meio assim. Se tivesse vivo, eu nunca teria fumado maconha, nunca teria cheirado pó, roubado, várias coisas que eu fiz, essas coisas que eu faço hoje em dia, vai ver não estava nem preso, né, dona. Depois que ele morreu, eu me abalei, né, dona. Só que daí eu aprendi que ele morreu, mas no caso minha coroa tá viva. E tem muitos que queriam que a coroa tivesse viva pra poder ajudar, e não têm. E eu aprendi com a perda do meu pai que eu tenho que apoiar minha coroa, no caso eu sou o homem da casa, né, dona. Mas eu sou o único que moro com a minha coroa, eu tenho que apoiar ela.

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Além disso, contou-nos que o irmão mais velho foi assassinado com um tiro no peito, um pouco depois da morte de seu pai. Frequentou a escola até os 12 anos de idade, quando estava na 3a série do Ensino Básico, e durante a época em que realizamos a entrevista, ele estava aprendendo a multiplicar e a separar sílabas, conforme referiu diversas vezes.

Com 14 anos de idade, começou a trabalhar no mercado de drogas e, agora, estava internado por porte de armas e tráfico, além de uma fuga da semiliberdade, quando cumpria uma outra medida socioeducativa. Além disso, ficou uma vez internado provisoriamente e acabou sendo imposto a ele uma medida de liberdade assistida.

De acordo com ele, após a morte de seu pai, quem lhe deu apoio foi o pessoal que trabalhava no tráfico, da facção “manos”. Usava maconha, cocaína, cigarro e álcool. Informou que já cometeu homicídio quando solicitado pelo patrão da boca de fumo, matando os “contras”, os “bala na cara”. Chegou a trabalhar legalmente, como ajudante de pedreiro, mas o salário era muito baixo, sendo necessário continuar no tráfico para ajudar a família. Tinha uma namorada, mas não a via mais, só quando estava em internação provisória, pois a família dela, já que era menor de idade, não deixava ela vê- lo no Centro B*.