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CAPÍTULO 3 O CAMPO DA PESQUISA

3.1 OS LOCAIS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

3.1.2 Questões histórico-políticas dos Estabelecimentos Penitenciários para menores

Os estabelecimentos penitenciários para menores são uma novidade na França. Isso porque eles foram criados pela Lei Perben I, editada em 2002. Tal criação faz parte de um conjunto de medidas que, juntamente com a Lei Perben II e a chamada lei de prevenção à delinquência, reforçam o sistema de Justiça juvenil. De acordo com o discurso do antigo presidente da República francesa, a necessidade se fez imperiosa em razão do laxismo a que está submetido o sistema de Justiça juvenil do país, a impunidade que beneficia os adolescentes e a necessidade de restringir o caminho para a barbárie que tem assolado a sociedade francesa, já que sempre se encontram meios de justificar a delinquência juvenil (PORTELLI, 2007).

Inaugurados apenas em 2007, existem, no total, seis em todo território francês. A pesquisa foi realizada em apenas um deles e, igualmente ao Quartier Mineur M*, não será especificado seu nome, sendo chamado, para os fins deste trabalho, de EPM G*.

Tais estabelecimentos são dedicados exclusivamente aos menores de idade, diferentemente dos Quartier Mineurs, conforme demonstrado anteriormente. A ideia de sua criação, bastante controversa, era de que esses locais se tornassem “sala[s] de aula cercada[s] por paredes”69. Contudo, em consonância com os “bairros de menores”, os

profissionais são aqueles ligados à Administração Penitenciária, Proteção Judiciária da Juventude, Educação Nacional e Saúde. Ficou claro pela leitura de bibliografia especializada que, por trás de sua criação, existia a ideia de abarrotar os adolescentes com muitas atividades70, coisa que não era feita dentro dos “bairros de menores”. Além disso, constam nos documentos oficiais que o objetivo é de que os Quartiers Mineurs

69 Essa frase foi dita pelo então ministro da Justiça francês Pascal Clément, quando da inauguração do

primeiro desses estabelecimentos. A esse respeito, ver: <https://medly- france.com/2017/02/19/lincarceration-des-mineurs-pour-qui-comment-quels-resultats/>. Acesso em: 14 dez. 2017. Muitas críticas ao que foi dito e ao que estava sendo feito baseavam-se na ideia de banalização o cárcere (cf. visto na nota disponibilizada pela Association Française des Magistrats de la Jeunesse et de la Famille, disponível em: <https://www.afmjf.fr/Critique-des-EPM-par-la-Ligue-des.html>. Acesso em: 3 jan. 2018).

70 Nesses espaços, por exemplo, as atividades escolares serão asseguradas e variam de um total de 12

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que estão em total degradação devem parar de receber os adolescentes para serem fechados, sendo eles então enviados aos EPM.

Cada EPM pode acolher 60 (sessenta) adolescentes, que são divididos em “unidade de vida” com dez indivíduos, sendo que tal acolhimento ocorre dentro da filosofia de “educar e vigiar”. A ideia, de acordo com a lei, é de que os menores de 13 anos a 17 anos sejam acolhidos nesses locais. O princípio-fim dessa nova organização – uma orientação educacional aliada às restrições de detenção – baseou-se no desejo de ocupar o tempo de detenção de menores com o desenvolvimento de muitas atividades, que lhes permitiriam quebrar, em tese, suas práticas de delinquência anteriores. A importância dada à vida coletiva, à educação escolar, às atividades esportivas ou culturais baseou-se na capacidade desses diferentes atores (Administração Penitenciária, Proteção Judiciária da Juventude, Educação Nacional e Saúde) de trabalhar, se não em cooperação, pelo menos em estreita ligação para desenvolver a educação vigiada e evitar a reincidência (BAILLEU, 2012, p. 85).

Como o próprio nome da instituição indica, o EPM é principalmente uma instituição penitenciária, dirigida por uma pessoa ligada à Administração Penitenciária. Contudo, é constante a presença de profissionais que não fazem parte da Administração Penitenciária, conforme explicado no parágrafo anterior, o que acaba por suavizar o aspecto carcerário. O trabalho dos profissionais ligados à Proteção Judiciária da Juventude continua sendo limitado, como nos “bairros de menores”, em razão da própria Administração Penitenciária ser a responsável por dividir e organizar as tarefas que serão feitas ali dentro. Isso demonstra, conforme explica Bailleu (2012), que existem dificuldades inerentes entre a mistura vigiar-educar.

O EPM G* foi o segundo estabelecimento visitado pela pesquisadora, mas nem por isso tornou-se mais fácil sua permanência lá dentro. Isso porque, igualmente ao Quartier Mineur M*, o aspecto de vigilância do estabelecimento era gritante. Além disso, houve uma dificuldade de ordem prática: para chegar lá foi necessário pré- combinar horários de chegada à estação de trem, onde um agente penitenciário buscaria a pesquisadora. Não havia outro meio de chegada em razão da distância entre a cidade e o EPM G*, que fica para lá da zona industrial da região.

Assim, deu-se início ao que seria o último passo da pesquisa de campo na França. No primeiro dia de nossa pesquisa, recebemos o relatório anual referente a 2014, que é um documento de mais 60 (sessenta) páginas, do qual constam desde uma

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apresentação geral do estabelecimento até os incidentes que haviam ocorrido, além de uma comparação entre os anos de 2012 e 2013.

Desse documento, que também não será colocado como apêndice desta tese em razão da necessidade de manutenção do sigilo, pudemos ter acesso ao perfil socioeconômico dos adolescentes privados de liberdade em 2014, além de suas nacionalidades e do tipo de crime cometido.

Importa informar que o estabelecimento compreende sete unidades de acolhimento, que são compostas por: cinco unidades de adolescentes, cada uma com dez células individuais; uma unidade com quatro células para aquele acolhimento considerado “reforçado”, na qual ficam adolescentes que devem estar expostos a um cuidado especial; e uma unidade para os novatos com seis células, sendo uma para pessoas com algum tipo de redução de mobilidade. Cada célula em cada uma das sete unidades possui uma cama, uma escrivaninha e um banheiro, equipado com ducha para banho.

Essas sete unidades estão ao redor de um pátio, que é o espaço exterior do estabelecimento. Além disso, existe um prédio separado chamado de unidade disciplinar, uma quadra de futebol, um centro esportivo para fazer ginástica e musculação, que contam com um vestiário. Ademais, esse estabelecimento conta com um polo socioeducativo, com salas de multimídia, de aula e multiculturais, salas de professores, ateliês para trabalhos manuais, salão de beleza e um parlatório com um vasto espaço para os visitantes.

O estabelecimento, por contar com pessoas ligadas à área da Saúde, conta com um espaço chamado de ‘Unidade de Consultas e Cuidados Ambulatoriais”, que contém vários consultórios, uma farmácia, uma sala para internação não grave e salas para os médicos e enfermeiros que não podem ser acessadas pelos adolescentes. Por fim, existe também todo o prédio administrativo, que acolhe os profissionais da Administração Penitenciária e da Proteção Judiciária da Juventude.

Quando entramos no EPM G* pela primeira vez, impressionou-nos a diferença de disposição das estruturas. Isso porque tentar fazer uma comparação com o Quartier Mineur M* resta quase impossível, uma vez que mesmo que em seu nome haja a palavra “penitenciário”, à primeira vista não se enxergam dinâmicas claras de uma prisão: não há lixo jogado por todo lado, tampouco privados de liberdade apoiados nas janelas com os braços para fora gritando.

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Durante o tempo em que fizemos a pesquisa, pudemos realizar quatro entrevistas, sendo duas com adolescentes e duas com profissionais, um agente penitenciário e um educador.