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CAPÍTULO 4 OS ADOLESCENTES E A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

4.1 OS ADOLESCENTES ENTREVISTADOS EM CUMPRIMENTO DE PRIVAÇÃO DE

4.1.3 Os adolescentes do Centro A*

a) Fernando, 19 anos

Fernando nasceu na região metropolitana de Porto Alegre e, de acordo com ele, o que gostava de fazer, além de ficar com sua família, era beber e fumar cigarro e

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maconha. Não conseguia jogar futebol no bairro em que ele morava porque tinha muita gente de facção rival perto. De acordo com o que nos contou, ele fazia parte da facção chamada “bala na cara” e seu irmão, de 21 anos de idade, tinha um ponto de venda de drogas lá. Das músicas que gostava de escutar na rua, ainda escuta funk e pagode no Centro A*, que continuam sendo suas favoritas.

Disse que tinha muitos amigos na rua e que, às vezes, ia à igreja com os sogros e a namorada, mas não sabia que igreja era. Parou de estudar na 4a série porque, de acordo com ele, queria se jogar no “mundão”. Os amigos não estudavam e, por isso, ele também não queria frequentar a escola. Já estava havia dois anos no Centro A* por latrocínio. A ideia era conseguir mais dinheiro, porque estava sem na época em que foi internado pela primeira vez.

Tem um filho de 3 anos de idade, que vai visitá-lo com sua ex-companheira, a qual sonha poder reconquistar para voltar a ficar com ela e morar com o filho deles, mas antes terá de dar um jeito de esconder a tatuagem que tem o nome de uma outra mulher com a qual se envolveu. A mulher que dá nome à tatuagem está presa pelo mesmo latrocínio dele.

Quando a família não vinha visitá-lo, Fernando disse que ficava muito triste e com muita raiva, porque ele se arrumava para recebê-los e eles simplesmente não apareciam.

b) Octávio, 18 anos

Considerava-se um menino que gostava de fazer brincadeiras. Gostava de jogar futebol e beber com os amigos quando estava na rua. Trabalhava, quando foi internado, em uma rede de fastfood em Porto Alegre, onde nasceu e cresceu. Morava em um bairro pobre de Porto Alegre com a mãe, o padrasto e três irmãos e gostava de escutar funk, pagode e sertanejo, além de jogar videogame. Não conhecia o pai e referiu que seu padrasto teve esse papel na vida dele.

De vez em quando ia à igreja, mas gostava mais de fazer cursos de informática. Os amigos de verdade, de acordo com ele, eram os que ficaram pela vizinhança e que mandavam carta pela mãe dele nos dias de visita.

Está na Casa A* em razão de um latrocínio que cometeu junto com outras pessoas. Mas nos contou que, em razão de ter uns “contras”, já tinha cometido outros

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homicídios. Além disso, já havia cumprido medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviço à comunidade) por receptação.

Já estava na Casa A* havia um ano e dois meses e ficou mais três meses em uma casa de internação provisória da cidade de Porto Alegre. Considerava-se pertencente à facção “bala na cara” desde os 9 anos de idade, quando ia armado para o colégio e, quando deixou de frequentar a escola, começou a fazer gerência para algumas bocas de fumo.

A família, agora, mudou-se para uma cidade da Grande Porto Alegre em razão do falecimento de seu avô, e ele pretende ir para lá quando sair da Casa A*. Com o dinheiro que ganhava nos cursos que fazia dentro da Casa A*, ajudava a família e sua ex-companheira. Informou-nos, também, que tomava três diferentes medicações para dormir, fornecidas pelo médico psiquiatra da Casa A*.

c) Paulo, 18 anos

Paulo vem de uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul e estava no Centro A* havia um ano. Gostava de sair para namorar, fazer festa, usar cocaína e maconha. Quase não ficava em casa na época em que cometeu o ato infracional, disse ele. Morava com a mãe e as irmãs mais nova. A casa era pequena e muito simples, mas dava pra sobreviver, de acordo com ele.

As músicas que escutava na rua, notadamente funk, rap e sertanejo, continua podendo escutar dentro da casa. Além disso, a coisa que mais gostava de fazer dentro da casa era jogar futebol e tinha paixão pelo Grêmio. É evangélico e devoto da igreja Universal do Reino de Deus.

Em razão de o Centro A* ser muito longe da cidade em que a mãe morava e, além disso, de que ela não tinha muito dinheiro, ele recebia suas visitas apenas duas vezes por mês, quando o Centro de Referência em Assistência Social (Creas) da região fornecia as passagens de ônibus para as visitas.

Parou de estudar no 7º ano do Ensino Fundamental, quando foi internado por latrocínio junto com um amigo. De acordo com ele, fora o tráfico de drogas para conseguir um dinheiro para ajudar em casa, nunca tinha cometido um ato parecido com o que o levou a ficar privado de liberdade.

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Roberto estava internado no Centro A* havia um ano, mas já tinha ficado um ano no Centro B*, onde tentou uma fuga e acabou por ser transferido. Morou, até os 13 anos de idade, com a mãe, o padrasto e os irmãos, em um bairro da zona norte da cidade de Porto Alegre.

Morava com a minha mãe e meu padrasto. A minha mãe, no caso, o meu padrasto batia na minha mãe muito. Minha mãe se envolveu lá com os Bala na Cara, sabe? Ela foi morar lá em Viamão. Lá no... perto do... Beco X, lá nos N.

[…]

Daí ela ficou de patroa lá. Aí ela caiu presa, ficou seis anos. Daí eu fiquei cuidando dos meus irmãos. Morava com meus irmãos, mas é tudo pequeno. Morava com meu padrasto. Aí meus irmãos tinham... meu irmão tinha 2, uma 4 e a outra 5. Eles foram recolhidos no abrigo. E eu fui embora, eu larguei correndo do abrigo. Quando eles foram me pegar, eu larguei correndo. E eles recolheram só os meus irmãos. Aí eu me envolvi com tráfico. Comecei a traficar. Trafiquei. Comecei a matar, isso aí. Matei. Aí caí por homicídio. Parou de estudar na 2a série do Ensino Básico, com 13 anos de idade, logo que a

mãe foi presa. Quando começou a traficar, pela facção “bala na cara”, conseguia dinheiro para comprar as coisas que queria, roupas de marca e tênis de qualidade. Gostava de ir nos centros de umbanda, mas quando foi internado, jogou suas guias fora porque começou a frequentar os cultos evangélicos da igreja Universal do Reino de Deus.

É, eu era muito ansioso na rua. Eu cheirava cocaína. Cheirava e ficava muito louco. Daí qualquer coisinha, eu queria... me convidavam: ‘Ah, vamos roubar’ e eu já ia: “Não vamos!’ Eu falava não. Não, vamo, vamo agora’. ‘Vamos fumar maconha?’, eu: ‘Vamos fumar maconha!’. Era tudo, qualquer coisa que me convidavam, eu tava indo junto. Tem coisa que uma vez eu nós cortamos um cara lá. Cortemo perna, braço, orelha, tudo. E tocamo lá no Gasômetro lá. Porque eu ia por impulso. Na real, os caras me davam moral, os mais velhos, ‘Aa, vamo negão’. E eu ia. Não tava nem aí. Não tinha nada a perder, não tinha minha mãe.

Conseguiu ter visita dos irmãos mais novos, que ainda estão abrigados. Sobre a mãe, falou:

[…] não sei onde que ela tá. Não sei se ela tá escondida, ela tá foragida. Ela foi pro semiaberto e fugiu. Não sei se ela está escondida ou se abandonou nós. Não sei.

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Queria, quando sair do Centro A*, morar numa pensão que faz parte de um programa social e que pode ficar por dois anos e, a partir disso, economizar dinheiro para poder ficar com os irmãos.