• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 COMPARAÇÃO ENTRE A SITUAÇÃO FRANCESA E A BRASILEIRA

1.1.2 Os adolescentes e as instituições na França

A insegurança está no seio das preocupações da população francesa. Essa demanda por segurança se expressa, principalmente em relação aos comportamentos juvenis, julgados como perigosos, agressivos e violentos. É importante notar que não são os comportamentos de todos os adolescentes que são julgados, mas sim de certos jovens, principalmente aqueles de origem estrangeira que moram em zonas periféricas dos centros urbanos. Em face ao comportamento desses jovens, visto como uma ameaça à ordem pública e à segurança dos bens e das pessoas, as ações e reações da polícia e da Justiça são consideradas como insuficientes pela grande maioria da população. Discursos, muitas vezes pronunciados pelas mais altas autoridades do Estado, falam sobre a necessidade de paralisar esses jovens a qualquer custo, nem que seja reformando, de maneira aleatória e contraditória, a legislação concernente a essa temática (BAILLEU, 2002, p. 403).

O sistema de Justiça juvenil na França é regulado por um direito específico. Assim, crianças e adolescentes não são submetidos às regras que dizem respeito aos adultos, uma vez que lá eles também são reconhecidos como indivíduos em uma situação vulnerável se comparados aos adultos, já que ainda estão em uma situação peculiar de desenvolvimento. A legislação infraconstitucional que regula todo o Direito juvenil é a L’Ordonnance du 2 février 1945, relativa à infância e à adolescência delinquente, que tem por objetivo proteger e também punir os menores de idade. Essa legislação foi construída com base em uma concepção humanista do Direito Penal e coloca a educação em primeiro lugar, deixando para um segundo momento a repressão e as sanções. A filosofia humanista da lei é clara, inclusive, na própria exposição de motivos:

A França não é tão rica assim de crianças e adolescentes, para que ela possa negligenciar todas as ações que podem ser feitas para transformá-los em pessoas saudáveis. A guerra e a todas as revoltas causadas por ela, de ordem material e moral, fizeram crescer, em proporções inquietantes, a delinquência juvenil. O projeto dessa lei atesta que o governo francês, composto pelo Primeiro Ministro, Ministros e Secretários de Estado, são responsáveis pela execução das leis e pela direção da política nacional provisória da República Francesa, através das quais, deverá proteger de maneira eficaz os menores de idade e, especialmente, aqueles delinquentes. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/FR)33.

63

O objetivo, assim, não é punir os menores que cometem crimes, já que eles não seriam plenamente responsáveis pelos seus atos, mas proteger e educar esses adolescentes. Essa lei cria novos atores no Direito francês, visto que surgem figuras jurídicas e profissionais específicas para tratar dos casos relativos aos menores de idade. As decisões são aplicadas por um braço específico do Ministério da Justiça, chamado Protection Judiciaire de la Jeunesse (PJJ).

É importante mencionar, ainda, o fato de que a legislação francesa, de 1945 e de 1958, diferencia a figura do “menor delinquente” da figura do “menor em perigo”, estes últimos, como aqueles, considerados vítimas de um ambiente socioeconômico e familiar omisso (FRANÇA, 1945; 1958). Em relação às crianças e aos adolescentes em conflito com a lei, eles podem ser enquadrados em três categorias diferentes de infrações: as contravenções, os delitos e os crimes.

Essa lei prevê que todos os menores de idade capazes de discernir a respeito dos seus atos são penalmente responsáveis por algo que tenham cometido. Ocorre que é apenas a partir dos 13 anos de idade que uma medida socioeducativa de internação (a mais grave de todas) pode ser aplicada. Antes disso, dos 10 anos aos 13 anos incompletos, alguma medida socioeducativa em meio aberto pode ser imposta a eles. Assim, entre os 13 anos e os 16 anos, um adolescente pode ser internado, desde que devidamente fundamentada a necessidade dessa internação. A partir dos 16 anos e até os 18 anos, um adolescente pode ser colocado em um estabelecimento penitenciário para menores ou em um “bairro de menores”, também com a devida fundamentação de um juiz e desde que o crime que foi cometido seja grave34.

Durante o cumprimento de uma medida ou mesmo durante a instrução do processo criminal, é necessário que técnicos de diversas áreas – educadores, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais – façam um dossiê sobre a personalidade e o ambiente social e familiar do adolescente. Esse dossiê é confidencial e só é acessível ao menor, a seu advogado – que obrigatoriamente deve estar presente em todos os atos processuais – , à sua família, aos técnicos de acolhimento institucional e, também, ao advogado da vítima.

34 Diferente do Brasil, as penas tem prazo determinado na França, podendo o adolescente ficar de 1

semana até muitos anos dentro dos bairros de menores ou dos estabelecimentos penitenciários para menores e, caso alcance a maioridade durante esse cumprimento nos “bairros de menores”, passará a cumprir pena em outro prédio, junto com os adultos, mesmo que o crime tenha sido cometido aos 14 anos (Informação fornecida por P*, Diretor da PJJ no bairro de menores pesquisado).

64

São quatro as estruturas criadas para atender as crianças e os adolescentes em situação de conflito com a lei: (i) centros de colocação imediata, que são responsáveis pelo acolhimento de urgência de menores em grande dificuldade, de preferência delinquentes e que não podem continuar habitando no ambiente social e familiar em que se localizavam. Esses centros têm por objetivo acolher os menores para criar um plano de atendimento social e familiar, com o objetivo-fim de ajudá-los a criar um projeto de vida; (ii) centros educativos reforçados, que assumem os jovens delinquentes ou em situação de marginalidade, a fim de criar uma ruptura com as suas atuais condições de vida para reintegrá-los socialmente; (iii) centros educativos fechados são aqueles que têm como escopo acolher os jovens em situação de conflito com a lei, após a decisão de um juiz – seriam uma alternativa ao encarceramento fechado em um estabelecimento penitenciário e visam, acima de tudo, a evitar a possível reincidência com a ressocialização desses adolescentes; (iv) estabelecimentos penitenciários para menores, que executam as penas impostas por um juiz, com o objetivo da socioeducação – nesses lugares, os adolescentes ficam completamente cerceados de sua liberdade; e, (v) os “bairros de menores” que ficam dentro dos complexos penitenciários.

De acordo com os dados do Instituto Nacional da Juventude e de Educação Popular, publicados em 2012, os crimes a que os jovens são condenados restringem- se, em sua maioria, a roubos e furtos, lesões corporais, infrações relativas ao tráfico e ao uso de drogas e dano ao patrimônio público e privado (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/FR, 2012).

Desde os anos de 1960, a Lei de 1945 conheceu uma dezena de reformas, e as últimas se afastam cada vez mais daquele espírito inicial de sua redação. Se o princípio da educação é, em teoria, o coração do sistema de Justiça juvenil na França, ele está cada vez mais sendo colocado de lado. A delinquência juvenil tem deixado de ser vista apenas como uma disfunção social, mas os indivíduos têm entrado em jogo para serem os responsáveis de seus atos.

A crítica à lei que regula a Justiça juvenil francesa vem de muito tempo e entra no centro do debate, sendo normalmente descrita como insuficiente em face às novas demandas sociais e aos novos acontecimentos. Dessa forma, com as mudanças nas políticas públicas no campo da Educação, da Saúde e da Assistência Social, foi necessário que a Justiça juvenil também entrasse em um novo paradigma de compreensão, comunicação e tratamento dos problemas de “ordem pública”. Agora, em vez de se preocupar com a prevenção, preocupa-se com a gestão dos problemas e

65

ilegalidades gerados pelo comportamento de certos indivíduos, tudo isso em nome da segurança pública (de alguns). Especificamente, parar esses comportamentos não é mais o objetivo principal: agora, o objetivo é, essencialmente, melhor gerir os riscos coletivos produzidos por tais comportamentos (BAILLEU, 2002, p. 419).

Em recente pronunciamento35, a ministra da Justiça francesa, Christiane Taubira, disse que os legisladores estão trabalhando para uma reforma geral na lei relativa à infância delinquente. De acordo com ela, essa legislação já foi modificada mais de 30 (trinta) vezes, o que acabou por gerar regras contraditórias e, muitas vezes, incompatíveis dentro do próprio documento. Assim, seria necessária uma aproximação da Justiça de menores à Justiça penal adulta, nunca esquecendo que, em primeiro lugar, estaria sempre a educação desses jovens. Ainda de acordo com ela, a propagação de notícias de aumento do número de crimes, delitos e infrações cometidas por adolescentes é apenas de ordem ideológica, visto que, além de ter havido queda nos números recentes de atos praticados por adolescentes, esses números teriam se mantido estáveis.

No mesmo sentido da ministra francesa, a presidente do Tribunal da Infância da cidade de Créteil, sudeste de Paris, em entrevista concedida ao jornal Le Point, mencionou que a sociedade precisa aprender a tomar responsabilidade pelos menores que estão em situação de conflito com a lei. De acordo com ela, a partir do momento em que um adolescente comete um crime, precisamos entender o motivo que levou ele a tomar tal decisão. É necessário, nesse sentido, que saibamos que a lei tem sido desrespeitada, visto que a educação no seio da Justiça juvenil tem sido deixada de lado, pois se demanda cada vez mais punição.