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3 O PAPEL DO ESTADO NA SOCIEDADE E NA PROVISÃO DAS INFRA-ESTRUTURAS FERROVIÁRIAS

3 O PAPEL DO ESTADO NA SOCIEDADE E NA PROVISÃO DAS INFRA-ESTRUTURAS FERROVIÁRIAS

3.1 ESTADO E SOCIEDADE: A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA.

Embora a intervenção estatal nas atividades econômicas, notadamente nas infra-estruturas, tenha sido uma constante na história da civilização moderna, a forma e a intensidade com que essa intervenção se processa tem variado ao longo do tempo. Segundo Santos (2000), a permanente redefinição do papel do Estado nas civilizações tem se processado de acordo com o domínio das culturas e ideologias, resultando, de acordo com as características centrais de cada fase, em distintas formas de atuação, “Estado Cartorial” da fase mercantil do capitalismo, “Estado mínimo”, do século XIX, “Estado Provedor” e “Estado Planejador Regulador”, do século XX, e, recentemente, Estado Regulador.

Durante o século XX, até final dos anos 1970, o Estado assume o papel de Estado do bem estar social defendido por Keynes, que previa a atuação do Estado nas situações

específicas em que o mercado não atingisse o equilíbrio almejado. Desta forma, considerando a importância econômica e política das infra-estruturas e a certeza de que o Estado poderia ter êxito onde os mercados pudessem falhar fazem com que a tutela estatal se faça presente, com uma regulamentação excessiva, tanto na Europa, como nos Estados Unidos.

No Brasil, entre as décadas de 1930 e 1970, a ação reguladora do Estado cresceu em direção à estatização dos serviços públicos, chegando o mesmo a acumular as funções de planejamento, financiamento, operação e regulação, na condição de promotor do desenvolvimento da economia, de provedor de infra-estruturas e de serviços públicos, além de, com freqüência, produtor de insumos básicos (BRASILEIRO; HENRY, 1999). Por vezes ele mesmo assume a produção de bens e serviços, concorrendo com empresas privadas ou estabelecendo para si o monopólio da produção (ARAGÃO et al., 1999). A intervenção pública, nesse período, correspondeu a uma política que entendia que o crescimento econômico requeria investimentos que a iniciativa privada não tinha interesse ou condições de assumir (SANTOS, 2000).

A forte atuação do Estado nos setores de infra-estrutura ancorava-se também no reconhecimento da importância econômica e política das infra-estruturas (transporte, energia, telecomunicações, etc.) e na idéia de que o seu provimento à população requeria uma intensa participação dos governos. A segurança e soberania nacional e o nacionalismo econômico também contribuíram para uma maior presença das estatais na economia. Assim, até o início dos anos 1980, verifica-se a provisão governamental das infra-estruturas através de instituições públicas verticalmente integralizadas e monolíticas.

As grandes transformações econômicas, organizacionais, políticas e sociais mundiais do fim dos anos 1970 e inícios dos anos 1980, acentuadas no início dos anos 1990, vieram impactar sobremaneira a intensa participação do Estado na prestação direta dos serviços públicos. Segundo alguns autores (BRESSER, 1998), no Estado Social do século vinte, as empresas estatais, que tinham se revelado eficientes no combate à corrupção e o nepotismo do Estado Liberal, passam a demonstrar ineficiência e incapacidade de atender com qualidade às demandas dos cidadãos, notadamente nas atividades exclusivas do Estado, como serviços sociais, saúde e educação. As manifestações mais evidentes do imobilismo do Estado foram a crise fiscal, o esgotamento das suas formas de intervenção e a obsolência da forma burocrática em administrá-lo (BRESSER, 1998).

Os baixos níveis4 de eficiência apresentados pelos serviços públicos e sua incapacidade para reduzir a pobreza e lograr a sustentabilidade ambiental (BANCO MUNDIAL, 1994), aliados ao esgotamento das fontes de recursos públicos para fazer face ao financiamento de novos investimentos, e até mesmo para garantir recursos de custeio mínimos requeridos pelas atividades básicas de manutenção, foram determinantes para o questionamento e redefinição dos limites da intervenção estatal nas infra-estruturas. A caracterização da incapacidade do Estado para promover o desenvolvimento social e econômico, em virtude da ineficácia de suas estruturas, favoreceu o questionamento sobre a participação do Estado nas atividades econômicas. Em conseqüência, inicia-se um novo ciclo nas relações Estado-Economia onde se observa o progressivo afastamento estatal do exercício da atividade econômica.

Assim, são revisadas todas as posições acerca do papel do Estado, iniciando-se um ciclo econômico, no qual o Estado deixa de ser o provedor direto das infra-estruturas ficando sob sua responsabilidade apenas os serviços de caráter essencial, a exemplo da educação básica. Neste sentido, cumpre-lhe iniciar a tarefa de desregulamentação, evidenciando-se o

estado neoliberal. No neoliberalismo, a solução para a crise estaria no mercado, logo, as

reformas são firmemente orientadas para a redução do Estado ao mínimo e para o pleno controle da economia pelo mercado, a partir da privatização, liberalização, desregulação, flexibilização dos mercados de forma radical. Nesse modelo, o Estado deve limitar-se a garantir a propriedade e os contratos, desvencilhando-se de todas as suas funções de intervenção no plano econômico e social.

No início dos anos 1990, a crise caracterizada pelos elevados déficits públicos, as altas taxas de inflação, notadamente nos países subdesenvolvidos, passou a ser diagnosticada como uma crise do Estado e a sua solução associada à reforma do Estado de modo a torná- lo mais eficiente e competente (BRESSER, 1998). Ao invés do Estado mínimo, a reforma é associada à construção ou reconstrução do Estado para que esse possa, em um novo ciclo de desenvolvimento, voltar a complementar e corrigir efetivamente as falhas do mercado, ainda que mantendo um perfil de intervenção mais modesto do que aquele que prevalecia no ciclo anterior. Esta nova postura objetiva a atuação dos agentes econômicos no sentido de se alcançar a eficiência incentivando o crescimento auto-sustentado e o ajuste à economia globalizada. Tratava-se de pôr em prática uma concepção de reconstrução do Estado, traduzida pela recuperação da poupança pública e superação da crise fiscal, pela

4 Segundo BRESSER (1998), os baixos níveis de eficiência, resultaram do processo de Captura do

Estado por interesses privados, da ineficiência de sua administração, e do desequilíbrio entre as demandas da população e sua capacidade de atendê-las.

redefinição das formas de intervenção no econômico e no social por meio de contratação de organizações públicas não estatais.

Observa-se, então, a transição de um Estado promotor direto do desenvolvimento econômico e social para um Estado que atue como regulador e facilitador ou financiador a fundo perdido, principalmente do desenvolvimento social. A partir de então a tese da Reforma do Estado foi adotada e o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento passaram a priorizar os empréstimos para a reforma do Estado (BRESSER, 1998).

Surge então o estado regulador na busca de responder às necessidades de controle para um desenvolvimento equilibrado, sem perder de vista os objetivos sociais, bem como permitir a liberdade de atuação dos agentes econômicos, como garantia do crescimento auto-sustentado. “A base da sustentação é a premissa de que a sociedade tem condições de resolver de forma mais eficiente, mais descentralizada e menos custosa, grande parte de seus problemas” (BENJÓ, 1995). Nesse sentido, a ação regulatória do Estado é justificada nas situações em que o mercado, por si só, não é capaz de alcançar a maximização da eficiência de produção, nem atender a demanda de equilíbrio social. A regulação do Estado deve existir, portanto, porque os mercados apresentam falhas objetivas, e exigem uma ação regulatória específica.

No que concerne aos setores de infra-estrutura e serviços públicos, os processos de retração do Estado vêm seguindo as alternativas abaixo (BELL; CLOCKE, 1990; GÓMEZ- IBAÑEZ & MEYER,1993 apud SANTOS, 2000, p. 45)

− A remoção progressiva de subsídios, aproximando as tarifas praticadas dos reais custos de provisão do serviço;

− A perseguição de critérios e valores empresariais e comerciais pelas operadoras públicas, que podem se vestir de uma personalidade jurídica de direito privado (e eventualmente admitir participação do capital privado);

− A contratação de terceiros para a execução de serviços públicos regulamentados e controlados, pela via de instrumentos contratuais-administrativos;

− A venda de operadoras públicas;

− A desregulamentação da atividade, liberando o acesso de novos produtores ao mercado, reduzindo ou eliminando privilégios e obrigações, reforçando, em contrapartida, as exigências quantitativas;

O Estado redireciona, então, a sua máquina administrativa para o exercício das atividades de regulação dos serviços prestados pela iniciativa privada, em substituição às atividades ditas “operacionais e de produção”, originalmente executadas diretamente pelo Estado. Segundo Benjó (1995), regulação é a criação da “mão visível”, induzindo a produção do retorno desejado. Para o autor, “o desafio regulatório é criar mecanismos de motivação ao

lucro, que sejam consistentes com os retornos (outcome) pretendidos pelo regulador. A ação eficaz regulatória consiste em estabelecer critérios nos quais o retorno social desejado seja obtido pelo máximo lucro da empresa, de tal forma que essa possa escolher voluntariamente o padrão pretendido pelo regulador”.

Nesse contexto de crise financeira internacional, de crise fiscal e de redefinição do papel do Estado, o paradigma da provisão pública e da regulação governamental com base na teoria dos monopólios naturais, sem uma maior preocupação com a questão da competitividade, o Estado passou a ser considerado o grande responsável pela ineficiência do setor de infra- estruturas, culpado então pelas insuficientes condições de financiamento das ferrovias, pela deterioração da malha ferroviária, pela falta de inovação e baixa qualidade dos serviços ferroviários (KESSIDES e WILLIG, 2000).

Em conseqüência, diversos países, a exemplo do Japão, Nova Zelândia, Estados Unidos, Argentina, Suécia, Inglaterra e Canadá, investem em processos de reestruturação radicais e efetivos em suas ferrovias, tendo como resultado os processos de privatização e de concessão da malha ferroviária, de cargas e de passageiros, ao setor privado. Um dos argumentos básicos consistia na necessidade de restabelecer a performance financeira das empresas ferroviárias e permitir a ampliação dos mercados das ferrovias. Essas reformas no setor ferroviário, no bojo das redefinições das relações Estado e Sociedade, com a passagem do Estado Provedor para o Estado Regulador, serão retomadas mais adiante, ainda no presente capítulo.

Da mesma forma, no Brasil, a “reforma” do Estado vem sendo associada ao processo de desestatização, com o intuito de reduzir a participação direta do Estado e estimular a participação da iniciativa privada na prestação dos serviços públicos. É nesse contexto, de redefinição das relações entre o Estado e a Sociedade, e de acentuado estímulo à participação das empresas privadas no que diz respeito à provisão das infra-estruturas que, no Brasil, se desenvolvem os processos atuais de privatização, de concessão e de descentralização da gestão do setor ferroviário urbano de passageiros.