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3 O PAPEL DO ESTADO NA SOCIEDADE E NA PROVISÃO DAS INFRA-ESTRUTURAS FERROVIÁRIAS

4 FASES DA EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DAS FERROVIAS NO BRASIL

4.4 PROGRAMA DE DESESTATIZAÇÃO DAS FERROVIAS (1984 / HOJE)

4.4.2 O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DAS FERROVIAS URBANAS

Desde 1984, os sistemas ferroviários metropolitanos de passageiros de nove estados brasileiros são geridos pela CBTU. Paralelamente ao movimento de reestruturação do setor ferroviário de cargas, as coalizões políticas que se sucederam no poder central levaram a interpretação pragmática do princípio de competência municipal para os serviços de interesse local, e do Estado para os serviços de interesse comum, estabelecidos na Constituição de 1988, artigo 30, inciso 5 e artigo 25 § 3ª, já anteriormente citados fazendo com que a União resolvesse transferir para os Estados e Municípios a gestão dos sistemas metro-ferroviários.

O objetivo da transferência de responsabilidade pelo transporte ferroviário urbano, do Governo Federal para os Governos Estaduais, era o de se obter um substancial impacto no financiamento e provisão dos serviços de transporte urbano. A razão para tal estratégia era que a transferência dos sistemas permitiria ao Governo local participação direta no seu planejamento e operação, melhor monitoração e integração com os demais modos de transporte urbano, sob a jurisdição das Regiões metropolitanas, podendo em decorrência levar a ganhos de custo e eficiência com a combinação de reformas políticas e tarifárias, melhoria do nível de serviço, vindo a produzir uma substancial redução no subsídio do Governo para o transporte ferroviário (WORLD BANK, 1992). A transferência dos sistemas para os Governos locais permitiria, também, sua posterior concessão ao setor privado, se fosse conveniente. A interpretação dada à Constituição de 1988, de competência estadual para os sistemas ferroviários metropolitanos seria um impeditivo para que o Governo Federal promovesse processos de privatização, a exemplo do ocorrido com o setor ferroviário de cargas.

O processo de transferência dos sistemas de trens urbanos da CBTU para os Estados, usualmente chamado de “estadualização”, vem sendo promovido pela própria CBTU desde 1990. Para possibilitar a transferência, a CBTU estabeleceu um Plano de Ação baseado em três linhas principais: Reorganização empresarial, destinada a preparar a companhia para o processo de transferência aos estados; Negociação política, visando a montagem de toda a estrutura jurídica e institucional necessária à transferência nos níveis Federal, Estadual e Municipal; e, abertura de novas fontes de financiamento, com a finalidade de melhorar o desempenho operacional e econômico dos serviços, de forma que a transferência fosse realizada com um mínimo de impacto nas estruturas administrativas dos futuros gestores (POPOUCHI, 1994).

Assim, em agosto de 1993, foi sancionada a Lei Federal 8.693/93 que trata especificamente da descentralização dos serviços de transporte ferroviário coletivo de passageiros, urbano e suburbano, da União para os Estados e Municípios. Segundo Popouchi, (1994), a Lei resultou de um amplo processo de negociação junto aos Estados, desenvolvido anteriormente à sua publicação.

De fato, observa-se que a Lei 8.693/93, apesar de se reportar aos sistemas de trens Urbanos geridos pela União (CBTU e TRENSURB), em seu Artigo 7° a seguir transcrito, autoriza a União a envolver também os créditos relativos à Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro (metrô), uma empresa estadual.

“Art. 7º - Fica a União autorizada a:

I– adquirir, inclusive mediante compensação de créditos, permuta ou doação em pagamento, os créditos que as instituições financeiras por ela controladas tenham com a Companhia do Metropolitano do Rio de janeiro (Metrô), bem como contra o Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro, que tenham sido contraídos diretamente a favor do Metrô;

II – capitalizar o montante de seus créditos, inclusive aqueles objeto do inciso anterior, mediante subscrição de aumento de capital do Metrô e integralização com esses créditos; III – alienar, a qualquer título, inclusive mediante doação, ao Estado do Rio de Janeiro e ao Município do Rio de Janeiro, a integralizada ou parte das ações que receber em decorrência da capitalização prevista no inciso anterior.”

A Lei 8.693/93, com pode ser observado na transcrição de alguns de seus artigos apresentados abaixo, contempla a transferência pela RFFSA para a União das ações da CBTU e a cisão da CBTU para as empresas estaduais devidamente criadas nos Estados e Municípios para receber o sistema ferroviário de passageiros.

“Art. 1º - A Rede Ferroviária Federal S. A. – RFFSA e a Rede Federal de Armazéns Gerais Ferroviários S. A. - AGEF transferirão à União atendidas as condições previstas nesta lei, a totalidade das ações de sua propriedade no capital da Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU e da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S. A. – TRENSURB.”

Art. 3º - Efetivada a transferência das ações a que se refere o art. 1º, fica autorizada a cisão da CBTU, mediante a criação de novas sociedades constituídas para esse fim, cujo objeto social será, em cada caso, a exploração de serviços de transporte ferroviário coletivo de passageiros, urbano e suburbano, respectivamente nos Estados e Municípios onde esses serviços são atualmente prestados.

§ 1º - A cisão far-se-á com a versão, em cada caso, de parcelas do patrimônio da CBTU diretamente vinculado à exploração dos serviços de transporte de que trata o caput deste artigo.”

...

§ 4º - As ações da União nas sociedades a serem constituídas poderão ser alienadas, a qualquer título, inclusive mediante doação, aos Estados e Municípios nos quais os serviços de transporte são prestados.

§ 5º - As operações de cisão de que trata este artigo só serão realizadas mediante prévia aceitação, em cada caso, pelos respectivos Estados e Municípios, da doação prevista no parágrafo anterior.

§ 6º - A transferência da exploração de todos os serviços de transporte a cargo da CBTU implicará a sua extinção ou dissolução, aplicando-se, em quaisquer dos casos, o disposto nos art. 18, 20, 21 e 23, da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990.

Art. 4º - Efetivada a transferência das ações a que se refere o art. 1º desta lei, fica a União autorizada a alienar, a qualquer título, inclusive mediante doação, ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Município de Porto Alegre, as ações de sua propriedade na Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S. A. (Trensurb).

Parágrafo Único – As despesas decorrentes do disposto neste artigo correrão à conta de dotação específica.

Art. 9º - Fica a Ministério dos Transportes autorizado a constituir Grupos de Trabalho, composto por representantes dos Governos Federal, Estadual e Municipal, bem como por representantes dos trabalhadores e usuários, com o objetivo de acompanhar os processos de transferências dos sistemas ferroviários de passageiros, de que trata esta lei.”

De acordo com o documento “Staff Appraisal Report N.° 14264-BR” THE WORLD BANK GROUP (1995), os objetivos da CBTU com o Programa de Descentralização e Modernização eram:

a) Transferir a responsabilidade dos sistemas ferroviários urbanos do Governo Federal para o Governo Local (Estadual ou Municipal);

b) Garantir a integração dos sistemas ferroviários com os outros modos de transporte urbano, especialmente no que se refere ao gerenciamento financeiro;

c) Garantir o acesso dos pobres às facilidades de empregos, saúde, e educação; d) Eliminar ou reduzir substancialmente a remessa de subsídios diretos para

investimentos de capital e operacionais para a CBTU.

Como previsto na Lei 8.693/93, a descentralização tem início com a cisão da CBTU, mediante a criação de novas empresas por localidade, autorizada a transferência das ações para os respectivos Estados e Municípios. No entanto, para que a transferência de titularidade se efetivasse, era necessária a aceitação dos sistemas pelos Governos locais, e essa não era uma questão fácil. A idéia de gerir seus próprios sistemas ferroviários urbanos não era, de fato, muito atraente para os Estados, pois além de se tratar de sistemas reconhecidamente deficitários cujos subsídios sempre foram assumidos pela União, na maioria dos casos não tinham significativo impacto no total dos deslocamentos urbanos. Os quadros 11 e 12 apresentam os dados da repartição modal nas Regiões Metropolitanas contempladas pelo Programa de Descentralização, tanto no ano 1990 época do início do Programa, quanto na oportunidade da elaboração dos respectivos documentos “Staff Appraisal Report” de cada sistema.

Quadro 11 – Distribuição Modal das viagens motorizadas nas Regiões Metropolitanas em 1990 (% do total de viagens motorizadas)

Região Metropolitana Ônibus Taxi Trem Metrô

Fortaleza 69,0 30,0 1,0 NP

Recife 66,0 30,0 4,0 NP

Belo horizonte 69,4 30,0 0,6 NP

Rio de Janeiro 64,3 31,1 3,5 NP

São Paulo 43,0 45,0 4,0 8,0

Fonte: GEIPOT, CBTU e Metro/SP. Appud, Document of The World Bank – Staff Appraisal Report nº. 1002-BR/1992

NP - Não possui. DI – Dado Indisponível

Quadro 12 – Distribuição Modal das viagens motorizadas nas Regiões Metropolitanas na oportunidade da elaboração do acordo de empréstimo com o Banco Mundial (% do total de viagens motorizadas)

Automóvel

(táxi, vans) Ônibus Metrô

Trem

Metropolitano Subúrbio Trem de Troleybus Barco Outros

São Paulo 45,0 43,0 8,0 NP 4,0 NP NP ND

Rio de janeiro 14,5 77,0 3,0 NP 4,0 NP 1,0 0,5

Belo Horizonte DI 97,6 NP 2,4 NP NP NP DI

Recife 34,0 59,4 NP 4,6 0,7 1,3 NP DI

Fortaleza DI 92,1 NP 3,4 DI NP NP 4,5

Fonte: Staff Appraisal Report N°./Ano - 1002-BR/1992, 14264/1995, 14265/1995, 20198/2001

NP - Não possui. DI – Dado Indisponível

Para facilitar a transferência, o Governo Federal decidiu acoplar a descentralização a um projeto de reabilitação física e reestruturação financeira dos sistemas, através do qual esperava melhorar o desempenho operacional e econômico dos serviços, de forma que a transferência fosse realizada com um mínimo de impacto nas estruturas administrativas dos futuros gestores. Para o financiamento desse projeto, o Governo Federal buscou uma aproximação com o Banco Mundial, com vistas a obter apoio técnico e financeiro.

A exemplo do ocorrido em 1951, e posteriormente em 1965, o Governo Federal contou com a participação do Banco Mundial, que passou a financiar o Programa de Descentralização. A participação do banco Mundial como financiador de parte do Programa permitiu dessa forma

que fosse adotado o princípio de “construir e/ou recuperar para transferir”, dependendo das negociações dos sistemas pelos Estados.

O modelo originalmente adotado para os sistemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza, geridos pela CBTU, considerou a inversão de recursos a “fundo perdido” pela União, como forma de viabilizar a recuperação e/ou complementação dos sistemas. Neste sentido foram previstas, inicialmente, a recuperação dos sistemas de São Paulo e do Rio de Janeiro, e a complementação e recuperação dos sistemas de Belo Horizonte e Recife e, posteriormente, a completa modernização dos sistemas de Fortaleza e Salvador. Esses investimentos viabilizariam a passagem dos sistemas para os Estados.

O primeiro processo de estadualização de Sistemas de Tens Urbanos da CBTU foi concluído em 1994, com a transferência do sistema de São Paulo, para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), seguido pela transferência do sistema do Rio de Janeiro para a FLUMITRENS em 1995 e pela transferência do sistema de Fortaleza para a METROFOR, em 2002. Neste ponto, cabe destacar a privatização da maior parte dos sistemas ferroviários de passageiros do Rio de Janeiro, a partir concessões orientadas por processos licitatórios, com a empresa OPPORTRANS assumindo a operação do Metrô do Rio de Janeiro, a partir de 12/1997, e a SUPERVIA Concessionária de Transporte Ferroviário S.A assumindo a partir de 07/1988 a operação de 199 Km dos 270 km originais da FLUMITRENS, a partir de processo licitatório na modalidade de Leilão. Já os sistemas de Belo Horizonte e Recife ainda não tiveram seus sistemas estadualizados, apesar de iniciados desde 1995, e o acordo com o Banco Mundial ter se encerrado no dia 31/07/2004. O caso do Recife será descrito no Capítulo seguinte.

4.5 TÓPICOS CONCLUSIVOS

Como conclusão do presente Capítulo, mostramos que as principais mudanças nas relações Estado e Sociedade, no que diz respeito à provisão das infra-estruturas em geral, acarretaram ou foram responsáveis pelas mudanças institucionais ocorridas no setor ferroviários de cargas e de passageiros. Ou seja, à medida que as relações entre os atores econômicos, políticos e sociais mudam, de uma conjuntura a outra, novos formatos institucionais, regulatórios e de financiamento das infra-estruturas emergem. É, pois, nesse contexto, que se insere a análise do Processo de estadualização dos trens metropolitanos. Esse processo será visto para o caso da aglomeração do Recife, no Capítulo seguinte.

5 EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA METRO-FERROVIÁRIO DA