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ESTRUTURA & ESTRUTURALISMO

No documento Ou Sobre Cidades do Brasil (páginas 88-93)

A FEITURA DO MUNDO: CONSTRUÇÃO TEÓRICA

2.2.3 ESTRUTURA & ESTRUTURALISMO

A interpretação estruturalista36 associa-se diretamente ao pensamento sistêmico ao

considerar a relação entre partes do que se investiga. Seu primeiro pressuposto propõe que “a significação não se deposita no elemento ou no fato, mas sim nas relações que

estabelece” (LIMA, 1971, p. 81).

Tido como um ponto de vista epistemológico (HRABÁK apud LIMA, 1971, p. 95), e não uma teoria ou método, o estruturalismo parte da observação que cada elemento em um dado sistema é determinado por todos os outros elementos daquele sistema.

O princípio gerador é aquele que define os elementos como não apresentando significação por si mesmos, apenas sendo entendidos quando integrados à estrutura do sistema do qual fazem parte e vistos na solidariedade de suas correlações e oposições.

Na estrutura não há apenas forma, relação e configuração. Existe ali também uma totalidade que sempre é concreta: a idéia de propriedade do todo além daquelas encontradas pela soma das partes. É o pensamento holístico.

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“A escolha desta palavra [estruturalismo] é antes de mais nada um conjunto – estrutural, bem entendido – de exclusões. Saber por que razão se diz ‘estrutura’ é saber por que razão não se quer mais dizer eidos, essência, forma, Gestalt, conjunto, composição, complexo, construção, correlação, totalidade, idéia, organismo, estado, sistema, etc. É preciso compreender por que razão cada uma destas palavras se revelou insuficientes, mas também por que razão a noção de estrutura continua a pedir-lhes emprestada uma significação implícita e a deixar-se habitar por elas (DERRIDÁ, 1971, p. 13)”.

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Observe-se, todavia, que o estruturalismo tem por objetivo, a despeito de sua variada aplicação em diversas áreas de conhecimento, a mesma função: constituir processos de significação para o sistema que se estuda. Isto ocorre pois tanto os sistemas quanto às estruturas respectivas compreendem uma realidade construída, ou seja, elaborada pelo pesquisador, e não uma realidade de fato.

O pesquisador, por meio de seu escopo conceitual e teórico, estabelece o que seria esta unidade a que chamará sistema, delimitando o objeto de interpretação e condicionando o aparato ferramental de investigação àquele escopo. O âmbito do sistema variará a depender das intenções e a simulação produto do processo constituirá uma realidade criada.

Lembrando, toda abordagem ou simulação – sempre e necessariamente – compreendem uma aproximação da realidade, nunca ela.

Segundo LAUGHLIN apud GOPPOLD (2005), as estruturas são constituídas por algum tipo de elemento e pelas regras de sua combinação. Tais estruturas formam então as

configurações, cujo significado ou impacto total não pode ser entendido se não se considerar o conjunto de relações entre os elementos.

Do princípio de estrutura deriva a corrente estruturalista, cuja epistemologia fundeia-se nos estudos da lingüística. A língua, o texto e a redação são pontos de começo por uma razão simples e direta: um texto não é um conjunto somado de palavras. Apenas apresenta

sentido quando se entende a relação entre verbetes produzindo as idéias decodificadas pelo leitor.

E não apenas isso. O âmbito pode ser ampliado: “nenhum livro pode existir por si mesmo; está sempre numa relação de apoio e de dependência em relação aos outros; é um ponto em uma rede; comporta um sistema de indicações que remetem – explicitamente ou não – a outros livros, ou a outros textos, ou a outras frases (FOUCAULT, 1971, p. 19)”.

Para FOUCAULT (1971, p. 34-35) é possível, abaixo de todos os conceitos heterogêneos da gramática clássica, definir um sistema comum que abarque não somente sua emergência, mas também sua dispersão e eventualmente sua incompatibilidade. Este sistema é formado por um conjunto de regras de formação de conceitos e pode ser subdividido em grupos subordinados.

Para a lingüística, há o grupo que estabelece a formação dos conceitos que permitem descrever e analisar a frase como uma unidade em que os elementos (as palavras) não estão simplesmente justapostos, mas relacionados uns aos outros, este conjunto de regras é o que se pode chamar de teoria da atribuição. Há também aquele que rege a formação

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dos conceitos, permitindo descrever as relações entre os diferentes elementos significantes da frase e os diferentes elementos do que é representado por esses signos; é a teoria da

articulação. Ambas, portanto, relacionais.

Quando assumimos a reflexão por meio do estudo das relações estamos de fato

estabelecendo como ponto prioritário a investigação das diferenças. Se todas as relações fossem iguais, não haveria sentido investigá-las, pois nada de distintivo seria extraído. Se estudarmos as diferenças, verificaremos que o princípio relacional é construído pela hierarquia que se vai estabelecendo à medida que as articulações interpartes são

constituídas. As propriedades das diferenças associam-se à distinção de cada elemento em relação aos outros e em relação ao todo. A partir de suas formas de articulação,

desempenham uma posição peculiar em face desse todo: a distinção ou a diferença será a estratégia para produzir significação.

A estrutura articulada, então, torna-se o objeto de investigação. “A estrutura, o esquema de construção, a correlação morfológica torna-se de fato e apesar da intenção teórica a única preocupação do crítico” (DERRIDÁ, p. 30-31, 1971).

Por princípio, a noção de estrutura contempla também referência espacial, aplicável à interpretação ampliada do que seria o âmbito geométrico, da ordem das formas-espaços e dos lugares. “[...] Fala-se da estrutura de uma obra, orgânica ou artificial, como uma unidade interna de um conjunto, de uma construção; obra comandada por um princípio unificador, arquitetura construída e visível na sua localidade [...]” (DERRIDÁ, 1971, p. 31).

Este princípio unificador são as propriedades de articulação existentes, dispostas além da soma das partes. É o princípio topológico ao estabelecer prioridades e diferenças,

hierarquias e distinções.

A analogia é emprestada para as cidades, as palavras sendo os itens físicos componentes e o significado a compreensão das relações entre eles. O enquadramento da abordagem como relacional e estruturalista pressupõe que a significação será encontrada por meio do estudo da estrutura relacionada neste sistema estabelecido. A cidade como um sistema fechado resultará num artefato passível de análise e interpretação, com base nesta delimitação precisa.

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Afinal, as “cidades não são sistemas congelados em uma lógica imanente, ao contrário, são conjuntos de redes sistematizadas que concedem uma ordem provisória37 à vida urbana” (READ, 2005, p. 352)38.

2.2.4 PADRÃO

Ao investigarmos sistemas e suas estruturas procuramos as semelhanças e diferenças e, ao compararmos sistemas distintos, buscamos encontrar padrões de repetição que permitam interpretar o fenômeno desta ou daquela maneira.

O princípio de padrão em uma estrutura compreende uma configuração de relações

características de um sistema em particular. Os sistemas tendem a ter um padrão específico de ordenamento de sua estrutura respectiva.

Para CAPRA (2003, p. 76), a preocupação com o padrão associa-se com a dúvida filosófica e científica que paira sobre a interpretação dos objetos: “a tensão entre o estudo da

substância e o estudo da forma”. Para a substância indaga-se, “de que ela é feita?”; para a forma, “qual é o padrão?”.

Acrescenta que o estudo do padrão não é algo recente, mas acompanha o pensamento desde o período clássico com Pitágoras, avançando com os poetas românticos no século XIX, o que culminou especialmente para o surgimento da palavra “morfologia” em 1822. Entretanto, o estudo do padrão sempre parece ter sido eclipsado pelo estudo da substância e hoje, às voltas com o pensamento sistêmico, sua interpretação ganha novo impulso por ser entendida como a chave para a compreensão da vida.

Se morfologia, em senso restrito, refere-se a esta investigação da forma-espaço, resultará na pesquisa dos atributos existentes, de seu padrão.

A discussão, se interpelada para o âmbito espacial, parece apontar para uma manutenção em arquitetura e urbanismo de abordagens que se concentram nos aspectos meramente descritivos e tipológicos – ainda arraigados numa tradição novecentista, como parece

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Provisória porque o tempo continuamente reestrutura as lógicas de ordem no espaço urbano (Cf. MITCHELL, 2003).

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Todavia a cidade poderia ser uma unidade menor dentro de um sistema maior, ou o oposto. Depende-se do limite que se quer estabelecer e o grau de aproximação ou distância no enxergar o que se investiga. Observe-se o que diz LEFEBVRE (1999, p. 102, grifo nosso): “Se eu comparar a cidade a um livro, a uma escrita (sistema semiológico), não posso esquecer o aspecto da mediação. Não posso separá-la nem do que a contém nem do que nela está contido, em isolando-a como um sistema completo. Além disso, no máximo, a cidade

compreende um subsistema, um subconjunto. [...] Existem outros níveis de realidade que não se tornam

transparentes por definição. A cidade escreve e atribui, ou seja, ela significa, ordena e estipula. O quê? Isso tem que ser descoberto pela reflexão”.

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ocorrer em grande parte dos estudos de configuração das cidades. A idéia da substância material é predominante e os padrões, quando explorados, tornam-se levantamento estatístico e não investigação qualitativa que subsidie novas interpretações.

A concepção sistêmica propõe não a substituição da substância pelo padrão, devido inclusive à natureza inclusiva da abordagem. A síntese entre as duas aproximações diferentes é defendida como a chave para a teoria, tendo em vista o estudo da substância ou forma contemplar a estrutura, enquanto o estudo dos espaços revela os padrões. Trazendo para o problema de interpretação da cidade, podemos dizer que a questão da análise per se é como se nos debruçássemos sobre um organismo vivo39 dissecado: todos os componentes materiais estão ali, visíveis para a interpretação, contudo a configuração de relações entre ele – o padrão que o mantém vivo, interativo e dinâmico – é destruído. É a mesma analogia do quebra-cabeça, dita de outra forma. Os padrões compreendem o modo de organização de qualquer sistema a partir da configuração das relações dos elementos deste sistema, o que define as características essenciais que o tornam semelhante ou distinto de outros.

A dificuldade, por outro lado, associa-se ao modo de interpretação do padrão de

organização: se a descrição da estrutura equivale à exploração dos elementos físicos do sistema (a substância, a forma), a compreensão do padrão corresponde a um mapeamento tido por abstrato, por não ser algo táctil ou visível. Seria intuitivo até o ponto em que

tivéssemos em mãos estratégias que permitissem avaliá-los, estatisticamente ou graficamente.

“Os padrões [...], não podem ser medidos nem pesados; eles devem ser mapeados. Para entender um padrão, temos de mapear uma configuração de relações. Em outras palavras, a estrutura envolve quantidades, ao passo que o padrão envolve qualidades (CAPRA, 2003, p. 77)”. A ligação entre ambos, portanto, é o processo: de vida ou cultural, se entendido como organismo, de uso, se estático.

Como se mapear, portanto, um padrão? Como investigar a configuração das relações de forma cientificamente subsidiada e não apenas como um conjunto de abstrações? Que métodos permitiriam a abordagem?

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2.2.5 HIERARQUIA

Se padrão envolve organização e relações entre elementos, de sua análise resultam distinções hierárquicas. Corresponde ao universo das diferenças proposto pelo

estruturalismo e à percepção das partes do todo como de atuação particular no engenho do sistema.

Utilizando-se mais uma vez o parâmetro biológico, quando interpretamos um sistema vivo é notória a percepção da organização, do padrão, a partir da elaboração de estruturas que desempenham papéis diferenciados dentro do sistema como um todo. São funções específicas estreitamente conectadas com outras, constituindo uma rede de relações complexa e de interdependência vital.

Se trouxermos a investigação para o âmbito urbano teríamos a visão precisa que a malha viária, como a concretização da rede de relações, pode ser interpretada a partir de sua hierarquia. Tanto o é que estudos na área de transporte diretamente estabelecem a distinção das vias a partir de sua capacidade de fluxo e posicionamento em relação ao sistema viário como um todo.

Vias locais, coletoras, arteriais. Vias com cobertura asfáltica, pavimentação, em piçarra. De uma faixa de rolamento, de duas, três, com acostamento. As categorizações são amplas e partem, usualmente, de características físicas das calhas das ruas. “As malhas viárias são quase que invariavelmente conceituadas como algum tipo de hierarquia espacial, na qual diferentes tipos de propriedades configuracionais são vistas como associadas a diferentes graus de importância funcional (HILLIER et al., 1993, p. 30)”.

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