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SOBRE OS CENTROS

No documento Ou Sobre Cidades do Brasil (páginas 93-99)

A FEITURA DO MUNDO: CONSTRUÇÃO TEÓRICA

2.2.6 SOBRE OS CENTROS

Partimos do que propõe CASTELLS (1983, p. 157): “não basta pensarmos em termos de estrutura urbana; é preciso definir os elementos da estrutura urbana e suas relações antes de analisar a composição e a diferenciação das formas espaciais”. A sugestão é a busca do coração daquilo que se limita por sistema.

Portanto, além da compreensão de uma estrutura em termos de seus padrões e das formas de articulação, identificando diferenças e hierarquias, se investigarmos o sistema é

tendência natural a dúvida sobre o centro. O que seria o centro? Onde estaria? Que critérios podem defini-lo como ponto de convergência dentro de um dado fenômeno interpretado em sua delimitação sistêmica?

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Para DERRIDÁ (1971, p. 230-231) a dúvida do centro desestabilizou o conceito de

estrutura, pois sua busca pareceu ter sido mais fortalecida do que a própria interpretação da estrutura. Procurou-se mais explorar as propriedades do centro, em uma estrutura, do que a estruturalidade da estrutura em si. “A estrutura [...] sempre se viu neutralizada, reduzida: por um gesto que consistia em dar-lhe um centro, em relacioná-la a um ponto de presença, de origem fixa”.

E não há certeza se o olhar direcionado para o centro tornou-se algo positivo ou não, afinal, o processo histórico humano baseia-se no estabelecimento de dogmas e parâmetros que, de fato, são centralidades de idéias e pensamentos afluindo a partir da noção de

convergência. Os centros são pontos para onde se congregam, fisicamente ou abstratamente, objetos ou idéias.

Os centros têm como função não somente nortear ou equilibrar a organização da estrutura, sendo ponto focal. Sua interpretação e movimentação ao longo do tempo têm resultado numa séria de conseqüências ainda em exploração: hoje fala-se em centro antigos

decadentes, áreas degradadas, locais esquecidos. São espaços, se tratarmos de cidades, que já foram centros, mas que, pela própria dinâmica da estrutura e alteração do que é dito aqui como sistema urbano, atualmente desempenham função secundária.

Portanto, os centros dos sistemas se movem.

2.2.7 ARREMATES

Do conjunto de princípios apresentados a síntese compreende a idéia que não se pode intencionalmente ignorar aquilo, até então interpretado como vazio, que separa dois elementos no espaço. E de maneira ampla, os diversos vazios que separam os objetos edificados dentro do espaço urbano. É a própria forma-espaço.

Deste dito vazio surgem diversos atributos estruturais e relacionais que, de modo claro, podem explicar com coerência as formas de articulação e arranjo encontrados no sistema em estudo. E, como diz FOUCAULT (1971, p. 14), “não é mais o vazio puro e uniforme que separa com uma única e mesma lacuna duas figuras positivas”.

A idéia do vazio está rompida, como também o princípio de análise que fragmenta e o que reconstrói se afasta da realidade.

A investigação da rede de relações, e nela os padrões e hierarquias, não tem o objetivo apenas de compreender o fenômeno localizado: procura-se, como se em amostra,

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interpretar as regras que permitam entender outros fenômenos e ampliar o escopo da investigação pelo caráter comparativo.

As relações exploradas podem levar a proximidades e distâncias entre sistemas que permitam ao leitor elucubrar sobre formas específicas de conexões e dependências, associando-as a outros padrões culturais, econômicos, geográficos, e avante.

A aspiração da abordagem não é, todavia, procurar fechar os sistemas em si mesmos e dali extrair o que se der como possível. Tenta-se não apenas estabelecer cortes, que à sua maneira são sempre reducionistas, e sim compreender princípios que possam definir jogos de relações e que possam, inclusive, ultrapassar os limites dos sistemas e alcançar âmbitos maiores de delimitação, ou sistemas exteriores. Afinal, a constituição do sistema, lembremo- nos, é algo arbitrário e dependente do observador: perpassa a questão de escala e objetivo. Para FOUCAULT (1971, p. 24-38) estas relações e estruturas, na maioria das vezes,

permanecem como aspectos invisíveis e, por isso, são pouco exploradas. Portanto, o estudo relacional revela relações que permaneciam até então obscuras e não se encontravam imediatamente transcritas ou legíveis. “Mas o que ela revela não é um segredo, a unidade de um sentido oculto, nem uma forma geral e única; é um sistema regulado de diferenças e de dispersões”.

É preciso, portanto, definir com clareza as estratégias de aproximação para dar forma a estas relações e enfatizá-las na condução da pesquisa. Ainda que “invisíveis”, não significa que são feições “novas” ou então “secretas”; são apenas ignoradas ou pouco exploradas. Deve-se ter em mente também que as estratégias de interpretação dos artefatos que considerem a descrição e análise dos elementos não deveriam estar amparados pelo mesmo domínio de investigação: os recortes são variados e não absolutos e o avançar de um em relação ao outro distingue evidentemente dois campos específicos de ação. Quando análise e descrição são tomadas pela mesma perspectiva há problema ao comprometer o pensamento, como se disse anteriormente. O resultado: descricionismo pouco esclarecedor. A análise deve avançar além do seu limite.

Portanto, para a interpretação espacial, ferramentas que permitam a análise do espaço e sejam distintas da aproximação descritiva são bem-vindas e devem ser ênfase na

interpretação das formas. Compreende-se, então, a necessidade em ponderar tais aspectos complementares para explorar o viés, ainda que haja resistência no próprio campo, por parecer se trabalhar com algo intangível.

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Além disso, é imprescindível não confundir que a abordagem relacional é aquela que estabelece um conjunto de articulações daquele elemento, no que ele tem de individual. Mas isto não significa individualizar o objeto, fixando suas características de modo permanente. Ao contrário, busca-se descrever a dispersão dos elementos entre si e compreender isto que é visto como os vazios ou interstícios que os separam.

Também não se argumenta que a adoção deste parâmetro investigativo solicita o desprezo às outras abordagens e vale-se da diminuição das importâncias respectivas. Longe disso. Também não compreende a interpretação relacional algo unitário, fechado em si, que substitui outras visões. É algo a adicionar.

2.3

CONEXÃO COM SINTAXE ESPACIAL

Começamos por citação e imagem:

“A habilidade de pensar sobre cidades como uma série de espaços conectados por perspectivas parece ser relacionada à redescoberta da perspectiva pelos artistas italianos no começo do século XV” (BARNETT, 1986, p. 8).

Figura 2.11 – A cidade ideal, segundo Piero della Francesca (ca. 1470). Fonte: < http://gallery.euroweb.hu/html/p/piero/francesc/idealcit.html >.

A perspectiva renascentista (Figura 2.11) concebeu uma visão de mundo peculiar, na qual o ponto de origem era o olhar do ser humano que observava a paisagem. A idéia do lugar passava então a ser composto por uma série de pontos de vistas seqüenciais que

compreendiam a apreensão daquele espaço, obtido a partir de cada ponto de um trajeto. As seqüências não eram meras seqüências visuais, e sim um conjunto de etapas para alcançar uma visão do todo urbano.

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A situação descrita faculta a compreensão que a noção de continuidade e relacionamento entre espaços é muito mais perene que se supunha e, desde meados do século XX, tem fornecido subsídios para uma nova interpretação do espaço urbano.

Além disso, existem duas palavras de especial interesse para o estudo e que compõem fisicamente e relacionalmente o espaço, gerando a unidade ou diversidade captada pelos pontos de vista seqüenciais. Argumenta-se que ambas apresentam significado semelhante e, por isto, são consideradas sinônimas.

A primeira, morfologia, deriva do grego morpho, de morphe, “forma”, significando

literalmente “o estudo da forma”. Segundo CUNHA (1997, p. 533) são documentados vários vocábulos no grego oriundo da raiz, contudo grande parte foi introduzida a partir do século XIX na linguagem científica internacional. É resultado dos artistas românticos que buscavam uma nova maneira de entendimento das coisas, seres e objetos, e dos avanços nas

pesquisas biológicas sobre organismos: a distinção formal como foco.

Em português, é oriundo do alemão morphologie, verbete criado por Goethe em 1822. Citando Rost, GOPPOLD (2005) acrescenta aos significados de morpho os sentidos de gesto, posição, padrão, indicando que a implicação filosófica deriva de Aristóteles e o uso escolástico de Tomás de Aquino, a partir das idéias de matéria e forma. Ilustra ainda que existe uma associação mitológica com o deus grego dos sonhos, Morfeu, uma vez que os gregos não diferenciavam a realidade da aparência ou dos sonhos.

Se morfo, e por conseqüência morfologia, contempla também os sentidos de posição e padrão, isso o associa enquanto significado à segunda palavra: configuração, entendida como a forma de articulação ou arranjo das estruturas em um dado sistema.

Portanto, a forma e a estruturação seguem linhas comuns e andam juntas, confundindo-se semanticamente.

Outra acepção de interesse preciso é a noção de sistema, aqui adotada para estabelecer os limites do que se entende por cidade. Cada cidade como um sistema individual. Segundo CAPRA (2003, p. 39), o bioquímico Lawrence Henderson, no século XIX, foi decisivo no uso pioneiro da palavra sistema para denotar tanto organismos vivos como sistemas sociais. Da época em diante, um sistema passou a significar um todo integrado cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes, ou a compreensão de um fenômeno dentro do contexto de um todo maior.

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A idéia vincula-se à etimologia da palavra, derivada do grego synhistanai ou sýstema, isto é,

colocar junto ou então conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação.

Portanto, o entendimento das coisas, e nelas as cidades, significa literalmente colocá-las em seu contexto e interpretar a natureza de suas relações.

2.3.1 PREMISSAS

Dos itens anteriores foi construído o aparato conceitual para a definição do que seria a análise sintática do espaço. Considerou-se como partida a noção do pensamento sistêmico para a investigação das partes do todo e como o todo contém propriedades que estão além da soma das partes. Evidenciou-se a problemática da análise ao se deparar com o

decompor e o recompor subseqüente, usualmente com perda no processo de reconstrução do fenômeno.

Seguidamente, explorou-se a visão do mundo como relacional, subsidiada pelo

estruturalismo: não importam apenas os elementos componentes, mas as formas como eles se articulam entre si, estabelecendo semelhanças e diferenças.

A compreensão de similaridades e distinções, como resultado, gera diversos padrões que são constituídos por hierarquias. Das hierarquias chegamos às predominâncias e carências, definindo centros e sua movimentação ao longo do tempo.

Se estudarmos as relações entre objetos, interpretamos os vazios entre eles. Se o elemento de exploração são as cidades, o vazio, portanto, corresponderá às calçadas, passeios, ruas, vias e avenidas. Permite-se observar a cidade pelos vazios pelos quais circulam os

pedestres e os veículos.

Não que se prefira um ou outro, ou que a escolha do olhar veicular signifique uma atenção exagerada ao carro, como se tende a pensar contemporaneamente. A dicotomia repousa apenas na espécie do movimento que se quer investigar e no campo de ação de estudo. A escolha do foco está a depender do grau de aproximação do artefato de análise: se pequenos fragmentos urbanos, observa-se o pedestre; se grandes fragmentos ou a cidade como um todo, vê-se o padrão veicular. Pedestre e veículo são indicativos de movimento, e não uma preferência orgânica ou mecanicista.

Ao explorarmos a cidade como um todo – como no presente estudo, onde cada uma é tratada como um sistema – diz-se que será explorado o movimento veicular não por se

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querer entender como o carro se comporta na cidade, e sim pelo veículo ilustrar a

possibilidade de movimento dentro do espaço urbano como um todo e ter raio de alcance para tal. Nada além disso.

Portanto, o estudo das relações interpartes, aqui, é a investigação da estrutura viária, mas não com o entendimento que se aplica na engenharia de tráfego a partir da contagem veicular ou de pedestres. Procura-se avaliar o movimento – e seus padrões, hierarquias e associações – distribuído no espaço, a partir/resultado da forma do espaço, e de que maneira a distribuição está contextualizada com a dinâmica urbana: o achado de

centralidades, a definição de áreas integradas e segregadas, o encontro de concentrações e dispersões de usos do solo, etc.

O foco, então, é aquele da compreensão do movimento, que se torna a significação do aspecto relacional no espaço urbano, ao significar como a forma do espaço interfere (e sofre interferência) na distribuição dos fluxos dentro de uma cidade.

E as inquietações: como interpretar o movimento? E quantificá-lo? A solução escolhida está na sintaxe espacial.

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