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O PENSAMENTO SISTÊMICO

No documento Ou Sobre Cidades do Brasil (páginas 83-88)

A FEITURA DO MUNDO: CONSTRUÇÃO TEÓRICA

2.2.2 O PENSAMENTO SISTÊMICO

A inspiração para a abordagem advém de uma inquietação contemporânea. Para qualquer área de conhecimento, em nossa época, quanto mais nos dedicarmos à compreensão de uma dada realidade, maior a certeza que esta não pode ser entendida isoladamente ou decepada de seu contexto e elementos de estruturação.

Podemos afirmar que a idéia motivou a onda de vertentes congregando disciplinas e hoje falar em cidade implica interpretá-la sob focos que seguem da geografia à antropologia, da matemática à física. Encampar a flâmula multi, pluri ou trans disciplinar tornou-se moda. Os resultados foram trabalhos integrados que, salvas as exceções, mais dificultaram que colaboraram para melhor compreender a cidade (Cf. HOLANDA, 2006).

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Entretanto, o que propomos aqui como abordagem é, sim, a permanência da apreciação em um único campo do conhecimento. Trazendo objetivamente para a pesquisa, consiste no investigar a configuração urbana não como um aglomerado de objetos e formas-espaços distribuídos pela cidade, e sim como um conjunto de elementos que se articulam, e desta forma de articulação é possível extrair uma série de ponderações sobre aquilo que dizermos ser cidade.

A ênfase, chamada relacional, é explicada pela alegoria do quebra-cabeça: imaginemos uma caixa contendo um novo jogo (Figura 2.9).

Figura 2.9 – Imagem de um quebra-cabeça ainda em sua caixa, não montado: diversidade de peças e variações nas cores.

Fonte: < http://www.verkaufsgarage.de/in/spiel/puzzle-1000-2.jpg >.

Conforme saídas da fábrica, todas as peças estão intactas dentro de um plástico lacrado. Podemos abrir o saco e começar a separá-las segundo a forma, a cor, o tamanho. O resultado serão grupos de peças com características distintas.

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É possível passar horas supondo o porquê do azul predominar, e não o vermelho. A razão da existência de poucas peças retas e dezenas recortadas em todos os lados. E outras. Mas, por fim, são estas as idéias que de fato importam, considerando o objetivo em se ter a imagem montada? Isto ajudará em algo na construção do jogo?

Figura 2.10 – Detalhe de um quebra-cabeça esférico, parcialmente montado: a compreensão do modo de relacionamento entre as peças é decisiva para a finalização do jogo.

Decerto que não. As peças apenas terão sentido quando estiverem associadas àquelas contíguas, formando uma imagem única. E com significado.

Não importa a predominância de azul sobre o verde, mas sim saber que a imagem passará de um azul escuro, para verde claro e amarelo, em seqüência. Não importa o predomínio de peças recortadas em oposição às retas. É útil saber que as peças de bordas retas compõem a moldura da imagem e se dispõem em seqüência.

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Estas informações ajudarão a entender a lógica de ordenação do quebra-cabeça e, por conseguinte, auxiliarão na construção da imagem. As anteriores não, ou muito pouco (Figura 2.10).

Analogia idêntica para a cidade.

A abordagem relacional, assim como descobrir a relação entre as peças do quebra-cabeça, é fruto do pensamento estruturalista, derivado de pesquisas na área de lingüística e de interpretação textual.

Fundeia-se ainda no estabelecimento da idéia, derivada da biologia e desenvolvida na primeira metade do século XX, contendo a necessidade de manter o complexo conjunto de estruturas e relações de um dado elemento ou organismo. Termos como convexidade, contexto e relação ganharam espaço, promovendo uma linha de pensamento denominada

sistêmica. “De acordo com a visão sistêmica, as propriedades essenciais de um organismo

[...] são propriedades do todo, que nenhuma de suas partes possui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes (CAPRA, 2003, p. 40)”.

A idéia resulta da transição pós-moderna em novas concepções que progressivamente se afastaram de um entendimento de mundo mecanicista, filiada aos achados de Descartes e Newton e à imagem de engenho da Revolução Industrial, e remeteram a uma visão

holística, ecológica, sustentável e sistêmica.

Ocorre que tais concepções de conhecimento contemporâneas minaram certos preceitos da Era da Máquina. LÉVI-STRAUSS, apud DERRIDA (1971, p. 241), a exemplo, afirma que o estudo dos mitos colocou um problema metodológico pelo fato de não poder ser conformado ao princípio cartesiano de dividir a dificuldade em quantas partes forem necessárias para resolvê-la. Seria desejado, então, uma abordagem mais abrangente e menos matemática, no stricto sensu.

O paradigma holístico compreende o mundo ou a realidade como um todo integrado, e não como um conjunto de partes dissociadas. Considera que existem características do todo que não são obtidas pela soma das partes: há somente quando as partes integrantes atuam e se arranjam relacionalmente. Aqui a pedra de toque é tensão entre as partes e o todo. A ênfase nas partes, analítica, de decomposição, é chamada de mecanicista, reducionista ou

atomística. A ênfase no todo, por sua vez, é dita como holística, organísmica ou ecológica35.

35

Segundo CAPRA (2003, p. 25), a visão holística pode ser igualmente denominada de olhar ecológico, caso a expressão seja aplicada num sentido amplo e mais profundo do que o usual. “A percepção ecológica profunda

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Retoma-se, portanto, a visão organicista como se em oposição aos dois séculos da Era da Máquina promovidos pela Revolução Industrial. Retorna-se, portanto, para o início deste capítulo.

A linha de pensamento tem-se consolidado nas últimas décadas e a vertente ecológica ou holística vem sendo aplicada em distintos campos de conhecimento.

CASTELLS (1983, p. 156), sobre a cidade, infere:

Os resultados obtidos pela ecologia têm mais valor para fundamentar uma teoria do espaço que as correlações socioculturais acumuladas, pois elas remetem à determinação primeira das forças produtivas e às relações de produção que decorrem delas, que não se trata de contradizer, e sim desenvolver, articulando aos seus efeitos sobre o espaço estes dois produtos pelas outras instâncias de determinação social.

O entendimento holístico da realidade, ao longo do século XX, passou a ser conhecido como sistêmico, implicando o entendimento do sistema como um conjunto de partes que se relacionam, e deste relacionamento resultam clarezas sobre a realidade.

A despeito do avanço da abordagem, o problema, ou característica pós-moderna, acentue- se, é aquilo que afirma TURNER (1994, p. 243) ao dizer que a realidade permanece interpretada como partes estáticas, analisadas como a primeira interpretação do quebra- cabeça, e isso inevitavelmente conduz às concepções mecânicas e “totalmente fantasiosas que formam a estrutura vacilante do pensamento e da opinião contemporâneos”. Colaboram posições como a de PANERAI et al. (1986, p. 15), ao estabelecer “[...] a cidade como uma arquitetura, configuração espacial que se há de fragmentar em elementos para que surjam assim as diferenças”.

O pensamento analítico, portanto, decompôs a unidade em objetos separados, perdendo grandemente a unidade dinâmica da relação. A partir de um método exclusivamente analítico, perde-se a premissa do todo e os princípios vitais de integração e coordenação são esmaecidos ou inexistentes.

O pensamento construído sobre base exclusivamente analítica, necessariamente perde o poder de integração, de restabelecer o todo quebrado pela análise. Faltando coordenação, essa forma de pensamento,

reconhece a interdependência fundamental entre todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados em processos cíclicos da natureza”.

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unilateral e desequilibrada, dá origem a uma imensidão de fragmentos, que crescem sempre, desintegrando o universo (TURNER, 1994, p. 243).

A relação, portanto, é tida como a fonte da realidade e o meio coerente de interpretação dos fatos: os objetos, em si mesmo, não têm significado e apenas se tornam reais quando interpretados em relação.

A abordagem demanda que não sejam vistas as partes isoladas, e sim relações, ou seja, a interdependência entre partes. “Para a nossa percepção, que é resultado de uma sensação global, as partes são inseparáveis do todo e são outra coisa que não elas mesmas, fora desse todo” (GOMES FILHO, 2004, p. 19).

À vista disso, as idéias anunciadas pelos biólogos organísmicos durante a primeira metade do século XX são revisitadas e ajudaram a dar à luz a um novo modo de pensar: o

pensamento sistêmico tende a senso comum.

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