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MÉTODOSTÉCNICAS CONCEITOS Aspectos Teóricos

No documento Ou Sobre Cidades do Brasil (páginas 116-122)

A FEITURA DO MUNDO: CONSTRUÇÃO TEÓRICA

2 MÉTODOSTÉCNICAS CONCEITOS Aspectos Teóricos

Por aspectos teóricos entende-se o conjunto de relações entre itens de conhecimento acerca de determinado âmbito da realidade, que a própria teoria delimita (HOLANDA, 2001a). Além disso, contempla um conjunto sistemático de raciocínios ou enunciados, utilizados para desenvolver ou explicar um fenômeno associado a uma realidade dada. À vista disso, será empregada a Teoria da Sintaxe Espacial, ou Teoria da Lógica Social do Espaço, proposta por Bill Hillier e colegas da Bartlett Faculty of Buit Environment, de

Londres, nos anos 1970. Desenvolveram-na pesquisadores em todo o mundo, inclusive em universidades brasileiras, como já comentado.

A criação da teoria, amparada pelos pensamentos sistêmico e estruturalista, deriva da preocupação que, segundo HILLIER e HANSON (1997, p. 01.3), “[...] as teorias [em arquitetura] tem sido extremamente normativas e pouco analíticas”.

Propõe-se que no lugar de postular uma fórmula e tentar a qualquer custo encaixá-la em edifícios e cidades, deveríamos estudar o fenômeno à exaustão, e procurar encontrar propriedades gerais dos esquemas relacionais a ele associados.

A abordagem contempla técnicas de entendimento e representação do espaço, gera subsídios que permitem ao pesquisador investigá-lo do ponto de vista das articulações urbanas, descreve possibilidades de interação e contatos a partir de possíveis fluxos diferenciados de pessoas ou veículos. Equivale à exploração dos espaços ou vazios deixados pelos cheios na cidade ou no edifício, facilmente ilustrado por um mapa de figura- fundo, criação de Nolli (Figura 2.23).

Mediante um método e técnicas, a teoria da sintaxe espacial estabelece relações entre atributos de duas instâncias:

(1) O espaço organizado para fins humanos (escalas do edifício e da cidade); e (2) A estrutura social, os modos de interação entre indivíduos e grupos, clivagens

sociais e estruturas de poder. “Lato sensu, podemos dizer que é uma teoria que se localiza no âmbito dos estudos que relacionam espaço e comportamento, mas as dimensões de um e de outro são precisamente delimitadas” (HOLANDA, 2001a). Na base está a premissa de que para se compreender a cidade ou o edifício, em sua complexidade sociocultural, é necessário compreender as leis subjacentes ao objeto urbano/construído e as que o relacionam à sociedade (HILLIER, 1989, p.5-6):

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· as leis do objeto propriamente dito, que lidam com modos pelos quais as construções podem ser agregadas ou entendidas no espaço do ponto de vista volumétrico e espacial;

· as leis da sociedade para a forma urbana, isto é, como a sociedade usa e adapta as leis do objeto para dar forma espacial aos diferentes tipos e padrões de relações sociais43;

· as leis da forma urbana para a sociedade, que traduzem como a forma urbana afeta a sociedade, ou seja, as respostas que a forma urbana ou a forma construída dão à sociedade44; e, para completar o ciclo, poderia ser acrescido um quarto tipo de lei: · as da sociedade propriamente dita, ou da sociedade-em-si, sobre as próprias

relações sociais como sistemas de arranjos espaciais45.

Segundo HILLIER (2001, p. 02.2), se nós colocarmos um objeto aqui ou ali dentro de um sistema espacial então certas conseqüências previsíveis afetarão a configuração espacial do ambiente. Estes efeitos são bastante independentes dos desejos ou da intenção

humana, mas podem ser utilizados pelos seres humanos para alcançarem efeitos espaciais e mesmo sociais.

Dessa concepção deriva a idéia das formas de representação do espaço, dos artefatos construídos pela sociedade, sejam eles edificações ou cidades. Por meio de procedimentos específicos busca-se antever as respostas que o meio construído dará à sociedade, uma vez que as relações sociais acontecem no espaço e esse espaço responde ou afeta essas relações46. O espaço não é um elemento passivo.

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Afinal, como afirma PANERAI et al. (1986, p. 14), “não podemos ignorar ou ocultar que a arquitetura e a forma urbana dependem da sociedade que as produz”.

44

“Uma conhecida frase de Winston Churchill diz: nós moldamos nossos edifícios e depois eles nos moldam” (RATTI, 2004, p. 487). Mesma citação em READER (2004, p. 9).

45

Frederico de Holanda, comunicação verbal.

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Segundo Frederico de Holanda, “não há muita discussão em torno de uma casa poder atingir-nos como mais quente/fresca, mais apertada/espaçosa, mais cara/barata de construir, que nos encanta por sua originalidade ou nos parece banal [...]. Mas o foco da atenção não recairá sobre os aspectos comentados [...], o aspecto

dominante de nossas atenções pode ser caracterizado preliminarmente ‘como a configuração de edifícios e cidades afeta nossos modos de convívio social, nosso jeito de interagir com outras pessoas, a maior ou menor facilidade que temos de nos reunirmos em determinados lugares ou as estratégias de vigilância e controle de uns sobre os outros’. Percebemos entrar em campo controverso, embora [nossos] estudos [...] sugiram que (sim!) a arquitetura nos afeta dessa maneira, contradiz olhares céticos pelos quais (absurdo!) nossos comportamentos com o próximo são indiferentes à configuração dos lugares utilizados” HOLANDA (2003, p. 13/14). A idéia é paralela à de HILLIER (1989, p. 13): “eu argumento que acredito que dizer que a forma espacial não tem efeito sobre a sociedade é patentemente absurda. Se isso fosse verdade, nós poderíamos projetar qualquer

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Figura 2.23 – Mapa de Roma (Itália) elaborado por Giambattista Nolli, em 1748: a representação tornou-se emblemática da cartografia urbana contemporânea. Ao contrário das representações em vista de pássaro, perspectivadas ou geográficas das cidades, que distorciam os elementos, o Mapa de Nolli, como se tornou mais

conhecido, destacou-se pela acurácia. Segundo TICE (2005), as inovações cartográficas foram várias: (1) a construção de uma planta detalhada, ao invés de uma representação pictográfica que geralmente sofria reduções

e deformações em vista da perspectiva; (2) o fornecimento imediato de uma imagem de cheios e vazios que facilita a interpretação da cidade; (3) o estabelecimento do parâmetro de figura-fundo com a adoção da oposição

claro versus escuro; e (4) a dialética urbana, promovida pela representação da cidade e do conjunto de edifícios mais significativos.

Fonte: < http://www.imago-terrae.com/images/pantheon.jpg >

É também uma variável independente.

A sintaxe espacial, portanto, propõe uma relação fundamental entre a configuração do espaço na cidade e o modo como ela funciona. A análise do espaço em relação às suas propriedades configuracionais, ou sintáticas, permite-nos determinar alguns aspectos do funcionamento urbano que outras abordagens não são capazes de explorar.

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Para os criadores da teoria, o desenvolvimento gradual das técnicas os convenceu que existe na arquitetura uma propriedade relacional muito relevante que “chamamos de

configuração” (HILLIER e HANSON, 1997, p. 01.3). Configuração significaria mais ainda que um conjunto de relações, e sim um complexo de relações de interdependência com duas propriedades fundamentais. A configuração é diferente quando vista de:

· diferentes pontos dentro de um mesmo sistema; · e quando apenas de uma parte do sistema.

Seja em razão de mudanças em um elemento no sistema ou uma relação, todo o conjunto pode se alterar, em graus variados.

A interpretação das variações na configuração pode revelar atributos derivados da interação entre forma espacial e diferentes processos associados à morfologia urbana. “Estes

processos são econômicos, sociais e políticos. Alguns, especialmente os econômicos, são de natureza internacional, outros são bem mais específicos à cultura. E subsidiando tudo está a herança do passado” (SCARGILL, 1979, p. 1).

A investigação destas associações pode relevar novas interpretações sobre o fenômeno urbano, trazendo informações sobre segregação de populações e o uso e a distribuição de comércios e serviços.

A despeito disso, arquitetos, urbanistas e planejadores, ao se debruçarem sobre o espaço, muitas vezes não percebem que das formas que conceberam surge uma série de relações complexas associando os artefatos (aquilo feito com propósito ou criado intencionalmente pelo homem). Tanto os objetos físicos quanto estas relações são produtos da concepção do espaço e apresentam propriedades estreitamente associadas ao seu funcionamento.

Conceber aqui remete à idéia de ocupar conscientemente um vazio espacial, não apenas na acepção de projeto: envolve (sim!) toda espécie de apropriação vernacular e não canônica. De acordo com HILLIER (2005, p. 3-4), existe um grande problema que remanesce nos estudos de assentamentos urbanos: a cidade é continuamente entendida a partir do aspecto social ou físico, com sociólogos dedicados especialmente à primeira feição e arquitetos à segunda. Parece faltar, portanto, a conexão, ou a “ponte”, e afirma: “historicamente, o objetivo da sintaxe espacial foi construir a ponte entre a cidade humana e a cidade física”. Esta análise social baseada em atributos físicos, e vice-versa, é construída a partir do raciocínio lógico, considerando quantificações e medições: está mais uma vez na moda em

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razão das pesquisas contemporâneas sobre relações complexas, redes de sistemas, fractais, etc.

Distancia-se, por exemplo, da interpretação fenomenológica, que se baseia na experiência dos indivíduos (SEAMON, 2000, p. 1), embora o que interessa seja a experimentação coletiva e não aquela individual. A sintaxe espacial, por sua vez, despreza a individualidade e considera a forma-espaço como quinta-essência: a experiência individual é descartada. É aquilo que assegura SEAMON (2004) a respeito do criador da sintaxe: Bill Hillier está pouco interessado em detalhar e entender as dinâmicas e eventos vividos pelas pessoas no dia-a- dia, pois considera a configuração a base ou a causa de tudo o que acontece.

Todavia, embora o objeto de investigação se torne claro – a configuração urbana explorada em suas relações – alcançamos um problema metodológico: como estudar tais relações? Os edifícios e os quarteirões são, à priori, espaços físicos, como o são as ruas, mas as relações entre elementos são imateriais ou intangíveis.

Para HILLIER e HANSON (1997, p. 01.2-01.3) elementos são discursivos: nós podemos vê- los, nomeá-los e nos referirmos a eles. Entretanto, as relações não são discursivas e nós não temos linguagem para descrevê-las ou esquemas conceituais para analisá-las. A interdependência das idéias discursivas e não discursivas é a condição fundamental para nossa existência cultural. “A arquitetura e o urbanismo são os mais onipresentes casos dessa dualidade, pois edifícios e cidades estão onde nós aplicamos esquemas relacionais não discursivos para o mundo real em que vivemos, e então convertemos nosso ambiente de materialidade para cultura”.

É esta ponte, então, a chave. Passemos ao método. Aspectos Metodológicos

O método consiste no estabelecimento de conceitos, categorias analíticas, seu

relacionamento, e etapas ou passos de procedimento. Segundo BUENO (2000, p. 510), compreende a ordem que se segue em uma investigação, e o raciocínio utilizado para se chegar ao conhecimento ou à demonstração para alcançar um fim determinado.

A sintaxe espacial oferece instrumentos de entendimento e representação do espaço urbano, aqui definido como aquele universalmente acessível, isto é, que pode ser

percorrido, sem barreiras, de qualquer lugar para qualquer lugar. É aquele de âmbito público e que, por sua vez, é potencialmente capaz de ordenar, sob certas condições sociais,

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Compreender esse espaço urbano é entender que o ir de qualquer lugar para qualquer lugar implica a percepção das conexões e articulações existentes entre vias na trama, e a

definição de rotas e espaços intermediários entre dois pontos de uma jornada qualquer que se queira percorrer. Além disso, vincula-se também à percepção de que os elementos componentes de determinada trama, sejam eles vias, ruas, avenidas, enfim, eixos, estão inter-relacionados.

Considerar configuração da cidade relacionalmente implica admitir que alterações na forma ou no espaço de partes do sistema, em razão das conexões existentes, necessariamente resultarão em alterações do todo – em graus diferenciados.

De modo semelhante, define-se uma estrutura urbana como um conjunto de elementos cujas partes atuam como funções umas das outras, apropriando-se dos conceitos sistêmicos e estruturalistas.

A sintaxe espacial contempla um método poderoso para estudos do espaço urbano ao possibilitar que fatores relacionados à configuração sejam matematicamente mensurados e claramente visualizados e, portanto, possam ser correlacionados com a infinidade de informações que envolvem estudos de natureza urbana. O eixo desta pesquisa é configuracional, repetimos, uma vez que são exclusivamente configuracionais os dados disponíveis no banco de informações referido sobre cidades do mundo.

Todavia, a análise facultará elaborar especulações iniciais sobre aspectos sociais aos quais está relacionada a configuração, particularmente para as cidades brasileiras, e mais ainda para aquelas onde há informações disponíveis sobre a translação dos centros urbanos e a conseqüente decadência de antigas centralidades, e.g., Natal, Recife, Maceió.

Portanto, para o alcance das respostas às questões da pesquisa, são exploradas as feições morfológicas – geométricas e topológicas – das cidades inseridas na amostra selecionada, de modo a identificar características comuns ou particulares. Implica investigar aspectos fenotípicos e genotípicos, e revelar, se existente, uma tipologia configuracional para os núcleos urbanos brasileiros.

A exploração se dá por meio de categorias de análise, discriminadas em quatro grandes grupos (Tabela 2.1):

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Tabela 2.1 – Grupos de variáveis da pesquisa.

FORMA & DISTRIBUIÇÃO (MAPA AXIAL)

ID VARIÁVEIS INFORMAÇÕES ABRANGÊNCIA NATUREZA ANÁLISE

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