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Capítulo 1: Oito anos de funcionamento do Plano de Desenvolvimento Regional

3. Recursos, representatividade e participação social não garantem bom desempenho

3.1 Estrutura organizacional

Não cabe no presente capítulo uma análise do processo histórico de criação do PDRSX no contexto da construção da usina hidrelétrica Belo Monte. Essa análise foi feita nos capítulos 2 e 3 da tese. No capítulo 2, a ênfase foi dada ao processo de elaboração dos objetivos estratégicos do PDRSX à época de sua criação e, no capítulo 3, a tese enfoca os conflitos sociais e ambientais presentes nos momentos mais decisivos do processo de construção da usina hidrelétrica Belo Monte.

Para a presente análise importa principalmente mencionar que o processo de negociação entre os agentes sociais regionais no momento de criação do PDRSX culminou em um arranjo institucional inovador e representativo da sociedade regional e, ao mesmo tempo, desequilibrado em termos da capacidade dos diferentes agentes sociais regionais de influenciarem as principais decisões do PDRSX.

3.1.1 Arranjo institucional inovador e representativo

Esses aspectos do PDRSX foram apresentados anteriormente, na introdução do capítulo, que demonstrou o caráter inovador do PDRSX dentro da Política Nacional

de Desenvolvimento Regional (PNDR) – devido principalmente ao alto volume de recursos financeiros disponível, para ser acessado por todos os setores regionais –, e no item 1.1 do presente capítulo, que demonstrou o caráter representativo do PDRSX ao detalhar a composição e as taxas de ocupação e rotatividade dos membros dos quatro órgãos do PDRSX (comitê gestor (CGDEX), câmaras técnicas (CTs), coordenação geral (CG) e secretaria executiva).

Nota-se, assim, que três objetivos foram determinantes para a consolidação da estrutura do PDRSX e para a composição do seu principal órgão de tomada de decisão, o comitê gestor (CGDEX). Em primeiro lugar, os agentes sociais envolvidos com a criação do PDRSX buscaram garantir que o PDRSX dispusesse de recursos próprios para financiar suas ações. Em segundo lugar esses mesmos agentes sociais buscaram a paridade no CGDEX entre a representação dos governos, de um lado, e de instituições da sociedade civil organizada, de outro lado. Por último, a criação do PDRSX foi marcada pelo objetivo de garantir no CGDEX uma divisão igualitária de assentos entre os três níveis de governo e uma divisão justa de assentos entre os diferentes setores da sociedade civil.

Outro aspecto importante da estrutura do PDRSX que fortalece o elemento de representatividade do plano refere-se a sua abrangência geográfica. O PDRSX foi criado para promover o desenvolvimento de todos os municípios afetados direta ou indiretamente por Belo Monte. Assim, de acordo com as regras atuais, o PDRSX seleciona e financia projetos em doze municípios: Altamira, Anapú, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, Placas, Senador José Porfírio, Porto de Moz, Vitória do Xingu, São Félix, Pacajá e Gurupá,

A análise das entrevistas semiestruturadas e das situações sociais presenciadas confirma as observações feitas acima. Por meio dessas análises foi possível perceber que esses aspectos do PDRSX (disponibilidade de recursos financeiros e alto grau de representatividade da sociedade regional) são bastante valorizados pela população local, que entende que, apesar de alguns desequilíbrios na representatividade de determinados setores, que serão mencionados a seguir, o arranjo institucional do PDRSX representa um avanço dentro do contexto político institucional da região, pelos recursos financeiros disponíveis e por sua capacidade de promover o diálogo permanente entre agentes sociais de praticamente todos os setores da sociedade regional e de todos os municípios da região.

As análises dos documentos institucionais permitem que se façam considerações sobre alguns desequilíbrios entre agentes sociais regionais em termos de capacidade de influenciar as decisões dentro dos órgãos do PDRSX.

O primeiro desequilíbrio se refere à maior capacidade dos entes governamentais de influenciarem os processos decisórios do comitê gestor (CGDEX) e da coordenação geral (CG) do PDRSX.

Sobre esse aspecto pode-se afirmar que, em primeiro lugar, não existe uma lógica por detrás do fato da Universidade Federal do Pará (UFPA) atualmente preencher uma cadeira da sociedade civil, sendo que essa entidade é pública e responde ao Ministério da Educação e ao governo federal. Em segundo lugar, a Norte Energia S. A., embora seja oficialmente uma empresa privada, enquanto dona dos recursos do PDRSX e concessionária da energia da usina hidrelétrica Belo Monte (UHEBM), possui interesses mais alinhados com os do governo federal do que com os da sociedade civil organizada. Nesse sentido não existe razão para a Norte Energia S. A. assumir uma cadeira da sociedade civil no CGDEX, como ocorre atualmente.

Esses dois pontos de desequilíbrio terminam por diminuir a representatividade da sociedade civil e aumentar a capacidade do governo federal de influenciar as decisões dentro do CGDEX.

Os municípios também possuem maior capacidade de influenciar as decisões do CGDEX, mas isso não resulta de desequilíbrios estruturais. O maior poder de decisão dos municípios advém da estratégia de atuação adotada por eles, pautada pela formalização de uma nova associação e o fortalecimento institucional da mesma ao longo dos anos. Esse aspecto será discutido no Capítulo 3 da tese.

O desequilíbrio entre o poder de decisão dos governos e da sociedade civil dentro do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX) é aumentado pela composição da sua coordenação geral (CG). Originalmente a coordenação geral (CG) estava pensada para ser exercida apenas pelos representantes das três esferas governamentais. A participação de um representante da sociedade civil foi negociada depois da promulgação do Decreto Presidencial de criação do PDRSX e inserida em um documento – o Regimento Interno do CGDEX – com validade jurídica inferior ao Decreto Presidencial23.

23 Existe uma divergência entre os dois documentos que regulam a atuação da CG: o Decreto Presidencial nº7340 de 2010, que institui o PDRSX, e o Regimento Interno do CGDEX, aprovado em reunião ordinária desse órgão, em 2016. O decreto diz que “o comitê gestor (CGDEX) contará com uma

Mesmo depois da incorporação desse quarto membro na coordenação geral (CG) a sociedade civil permaneceu sub-representada, com apenas 25% dos votos desse órgão. A paridade institucional que divide as decisões das câmaras técnicas (CTs) e do CGDEX em 50% dos votos para representantes governamentais e 50% dos votos para representantes da sociedade civil organizada não é reproduzida na coordenação geral (CG), na qual se verifica um desequilíbrio entre esses dois polos de representação da sociedade regional.

A influência dessa situação para a dinâmica de interação entre os agentes sociais regionais no âmbito das principais reuniões do CGDEX é significativa, uma vez que fragiliza a representação da sociedade civil no PDRSX. Embora desde as primeiras reuniões do CGDEX a coordenação geral (CG) tenha contado com a participação do membro representante da sociedade civil e esse representante tenha exercido plenamente suas funções oficiais, sempre existe a possibilidade de membros do CGDEX e da CG levantarem questionamentos sobre a validade jurídica da representação da sociedade civil na CG. Isso faz com que os anseios da sociedade civil sejam sub-representados dentro do CGDEX, já que apenas um entre os quatro membros da CG os representa, e esse membro enfrenta uma situação jurídica instável dentro desse órgão.

De acordo com um dos entrevistados pela pesquisa, o representante do Ministério de Desenvolvimento Agrário na CT01 - Ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental e no CGDEX, desde 2011 até maio de 2016, essa situação não era tão instável nos primeiros anos do PDRSX (2011 – 2016), durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo ele, nessa época, o representante do governo federal na coordenação geral (CG) sempre foi o mesmo e nunca questionou a participação do representante da sociedade civil nesse órgão, pelo contrário, sempre afirmou que deveria ser aprovado um novo Decreto Presidencial, com a inclusão oficial desse representante. Isso não ocorreu e depois do impeachment da ex- presidenta Dilma Roussef, em 2016, o representante do governo federal na CG mudou. A partir desse momento o debate sobre a validade jurídica da representação da

coordenação geral (CG) integrada por três membros, sendo um do Governo Federal, um do Governo do Estado do Pará e um escolhido entre os representantes do poder público municipal”. No Regimento interno o artigo 14º diz que a coordenação geral (CG) “será integrada por quatro membros, um do Governo Federal, um do Governo do Estado do Pará, um escolhido entre os representantes dos municípios no CGDEX e um indicado pela sociedade civil entre os seus representantes” (PDRSX, 2016).

sociedade civil na CG ganhou novos contornos e essa representação passou a ser mais questionada.

Os pontos de desequilíbrio de poder decisório entre as instituições governamentais e da sociedade civil acima mencionados estão relacionados com um resultado analisado no item 2 deste capítulo: o fato do poder público já ter aprovado quase o dobro do valor aprovado pela sociedade civil organizada.

Além disso, vale ressaltar aqui três outros elementos que promovem um desequilíbrio de poder decisório entre todos os atores sociais regionais envolvidos com o PDRSX.

Em primeiro lugar, é preciso explicitar o elevado grau de poder decisório do presidente da república em relação a todos os demais membros do PDRSX, tanto governamentais quanto representantes da sociedade civil. Esse poder é exercido de duas formas: a) o presidente pode nomear o seu representante dentro do comitê gestor (CGDEX) e da coordenação geral (CG) do PDRSX24 e com isso consegue exercer influencia direta sobre os processos regulares de governança do PDRSX (planejamento, seleção, monitoramento, avaliação e auditoria de projetos); e b) o presidente tem o poder de decidir sobre a continuidade do PDRSX enquanto conselho de desenvolvimento regional criado para fomentar o desenvolvimento da região impactada pela usina hidrelétrica Belo Monte (UHEBM). Uma vez que esse conselho foi criado via decreto presidencial sempre existe a possibilidade da sua revogação, total ou parcial, e de alteração das suas regras de funcionamento. Isso ocorreu em maio de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro decretou a extinção do comitê gestor (CGDEX) do PDRSX, por meio do Decreto Presidencial nº 9.78425 (BRASIL, 2019).

Em segundo lugar, cabe lembrar que existem movimentos sociais com grande relevância para o contexto político institucional regional que são muito críticos e optaram por se manter fora do PDRSX, como o Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Para esses movimentos o PDRSX representa uma estratégia do governo federal para enfraquecer a luta dos movimentos sociais que ainda são contrários à construção de Belo Monte e, por isso,

24 Aqui se faz referência às vagas destinadas à Secretaria da Presidência da República no CGDEX e coordenação geral (CG). Indiretamente o presidente da república também influencia as decisões dos ministérios relacionadas à indicação de pessoas para ocupar suas vagas no CGDEX.

25 Por razões operacionais da pesquisa não foi possível analisar a influência desse decreto sobre o funcionamento do PDRSX, pois não havia mais tempo para fazer pesquisas de campo (realizadas em 2017 e 2018). Os desdobramentos dessa decisão devem ser apreciados em pesquisas futuras.

não querem fazer parte dele. De maneira geral isso compromete a representatividade do PDRSX enquanto instituição que promove os anseios de desenvolvimento da população regional, uma vez que não representa a visão de desenvolvimento regional sustentável desses movimentos, radicalmente contrária à construção da UHE Belo Monte, devido aos seus impactos imensuráveis e irreversíveis sobre o meio ambiente e a qualidade de vida da população regional.

Em terceiro lugar, as organizações com representação no CGDEX e na coordenação geral (CG) aprovam mais projetos e recebem mais recursos do PDRSX do que as entidades que não possuem representação nesses órgãos. Ao se analisar os projetos aprovados até o primeiro edital de 2017, vê-se, por exemplo, que quarenta entidades que são proponentes de projetos e possuem representação no CGDEX e na coordenação geral (CG) aprovaram duzentos e três projetos, o equivalente a 63% do total de projetos aprovados. Em média, cada uma dessas entidades aprovou cinco projetos. As demais setenta e cinco entidades com projetos aprovados naquela época, que nunca tiveram representação no CGDEX e CG, haviam aprovado cento e dezenove projetos, uma média de 1,6 projetos por entidade.

Em termos de valores aprovados essa disparidade entre organizações com e sem representação no CGDEX e na CG se mantém. As quarenta entidades com representação nesses órgãos aprovaram aproximadamente R$136.000.000,00 (cento e trinta e seis milhões de reais), o equivalente a 62% do total de recursos aprovados. Em média, cada uma dessas entidades aprovou aproximadamente R$5.500.000,00 (cinco milhões e quinhentos mil reais). As demais setenta e cinco entidades com projetos aprovados naquela época, que nunca tiveram representação no CGDEX e CG, haviam aprovado aproximadamente R$85.000.000,00 (oitenta e cinco milhões de reais), uma média de pouco mais de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) por entidade.