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O Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX) como solução

Capítulo 2: Desafios de planejamento estratégico dentro do Plano de Desenvolvimento

1. O Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX) como solução

O documento oficial de lançamento do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX) foi elaborado por um grupo de trabalho interministerial (GTI) formado por dezenove órgãos públicos federais – entre eles a Casa Civil e mais quatorze ministérios – e vinte e sete órgãos públicos do estado do Pará. Sua publicação ocorreu em 2011. A seguir será apresentada uma análise da estrutura e do conteúdo desse documento que buscou elucidar a visão de desenvolvimento regional predominante entre os agentes governamentais federais e estaduais no momento da criação do PDRSX e a forma como ela influenciou a definição dos objetivos, diretrizes e ações estruturantes desse conselho de desenvolvimento regional.

Em primeiro lugar deve-se ressaltar a falta de clareza que existia naquela época em relação ao envolvimento dos diferentes tipos de agentes sociais regionais no PDRSX. O objetivo geral do PDRSX apontado pelo documento oficial é “promover o desenvolvimento sustentável da região (...) a partir de uma gestão democrática, participativa e territorializada” (BRASIL, 2011, p. 123). Nota-se, assim, a importância da participação social dentro desse objetivo. Porém, ao longo do texto, aparecem trechos que indicam que naquele momento os servidores públicos responsáveis pela implantação do PDRSX ainda o enxergavam como uma estratégia de cooperação intergovernamental, cujo eixo central seria a descentralização das políticas públicas federais, em parceria com o estado do Pará e os municípios da área de abrangência do PDRSX.

Na apresentação do documento, fala-se de “instrumento para a descentralização das políticas públicas” (BRASIL, 2011, p. 10). Na introdução, o PDRSX é visto como uma “construção de uma agenda de políticas sociais públicas

intermunicipalizadas nessa região” algo que supõe “a articulação entre as unidades municipais visando à provisão de proteção social para o conjunto da região” (BRASIL, 2011, p. 12).

A visão do PDRSX como instrumento voltado a articular políticas públicas tem origem no Decreto Presidencial nº 7340 de 21 de outubro de 2010 que instituiu o PDRSX. Nesse documento o objetivo descrito do PDRSX é “promover políticas públicas que resultem na melhoria da qualidade de vida da população que habita sua área de abrangência” (BRASIL, 2010, p.1).

Isso significa que à época da criação do PDRSX, no final de 2010 e início de 2011, os agentes sociais mais diretamente envolvidos com o PDRSX ainda eram do setor governamental e entendiam o PDRSX como uma instituição criada para articular e complementar as diferentes políticas públicas oficiais incidentes na região. Não se tinha clareza sobre como se daria a participação de agentes sociais regionais representantes da sociedade civil e como suas ações estariam relacionadas com as ações dos entes públicos.

Em segundo lugar, é preciso destacar o mérito do grupo de trabalho interministerial (GTI) em convocar pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA-UFPA) para realizar a parte do diagnóstico socioeconômico e ambiental da área de abrangência do PDRSX. O resultado é um diagnóstico bem executado dos seguintes aspectos desse território: (i) contexto natural; (ii) formação histórica: economia e diversidade social; (iii) demografia; (iv) populações tradicionais e indígenas; (v) situação fundiária; (vi) estrutura e dinâmica econômica; (vii) infraestrutura para o desenvolvimento; e (viii) contexto social. Foram apresentados dados irrefutáveis a respeito dos baixos índices de desenvolvimento da região de abrangência do PDRSX em praticamente todos os aspectos acima mencionados.

Em terceiro lugar, merece atenção a visão predominante no documento em análise, a respeito da política de construção da UHEBM; compreendida como uma oportunidade de desenvolvimento regional; mesmo se forem considerados todos os impactos econômicos e socioambientais negativos da obra. Nesta concepção “o empreendimento faz parte do planejamento regional, proporcionando efeitos multiplicadores de emprego e renda” (BRASIL, 2011, p. 107). Neste contexto, o PDRSX é visto como uma forma de “consolidar a estrutura produtiva regional, por meio

da potencialização e internalização das oportunidades e dos efeitos positivos da implantação do empreendimento na região” (BRASIL, 2011, p. 122).

As afirmações acima foram feitas com base na projeção de crescimento da economia brasileira realizada pelo Ministério da Fazenda, que previa um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 7%, em 2010, e uma taxa média de crescimento de 5,5% ao ano, entre 2011 e 2014, resultando em uma taxa média de crescimento de 5,8% ao ano entre 2010 e 2014 (BRASIL, 2011, p. 135). A realidade demonstrou que essa projeção foi otimista. Apesar de 2010 ter sido um ano de expressivo crescimento do PIB, apresentando uma taxa de crescimento de 7,5% em relação ao ano anterior, os anos de 2011 a 2014 foram marcados por uma taxa média de crescimento de 2,4% ao ano. Isso resultou numa taxa média de crescimento de 3,4% ao ano entre 2010 e 2014, bem abaixo dos 5,8% previstos pelo grupo de trabalho interministerial (GTI) do PDRSX, no início de 201135.

É preciso dizer, entretanto, que no que se refere ao estado do Pará a taxa média de crescimento anual no mesmo período (2010 a 2014), de 4,6%, ficou acima da média nacional, conforme havia previsto o grupo de trabalho interministerial (GTI) do PDRSX, considerando os grandes investimentos que passaram a ser feitos em obras de infraestrutura no estado, como a UHEBM, por exemplo.

Por fim, cabe aqui uma análise sobre os objetivos, as diretrizes e as ações estruturantes do PDRSX presentes no documento oficial de lançamento do plano, publicado em 2011.

Naquela época o PDRSX trabalhava com a perspectiva de atuação em cinco eixos estratégicos: i) Ordenamento Territorial, Regularização Fundiária e Gestão Ambiental; ii) Infraestrutura para o Desenvolvimento; iii) Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis; iv) Inclusão Social e Cidadania; e v) Modelo de Gestão.

Os objetivos estabelecidos dentro desses eixos eram bastante abrangentes. Por exemplo, esperava-se garantir “o acesso à educação, à saúde, à segurança, à previdência social e ao trabalho por meio de processos participativos de gestão das políticas públicas” (BRASIL, 2011, p. 123) e subsidiar “obras de infraestrutura nos setores de energia, transportes, comunicações, saneamento, armazenamento e processamento” (BRASIL, 2011, p. 123). Os objetivos ligados ao ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental previam, entre outras metas, a

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Fonte: https://www.seade.gov.br/produtos/pib-anual. Taxas de crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil Por Grandes Regiões e Unidades da Federação. Acesso em: 14 de dezembro de 2019.

resolução dos conflitos fundiários na região. Dentro do eixo de atividades produtivas, naquele momento, foi previsto o trabalho de fortalecimento das cadeias produtivas do cacau, da pecuária, do extrativismo, da pesca e do turismo. Posteriormente, essa lista aumentou à medida que o PDRSX passou a funcionar e a CT03 Fomento às atividades produtivas sustentáveis incluiu outras cadeias em seu planejamento estratégico como, por exemplo, os grãos, os hortifrútis, a produção de leite e derivados, a piscicultura, e a apicultura.

O documento de criação do PDRSX também contava com uma seção sobre as ações estruturantes que deveriam ser promovidas pelo PDRSX. Essas ações foram encaradas como estratégicas e prioritárias pelos governos federal e estadual.

Para esses agentes sociais o ordenamento territorial, a regularização fundiária e a gestão ambiental da região sempre foram temas prioritários, já que a região sofre historicamente com os conflitos fundiários e com a irregularidade fundiária e ambiental das propriedades rurais, o que diminui o potencial de desenvolvimento econômico e social dentro delas.

Além disso, o segundo elemento de maior relevância para os governos federal e estadual era a construção de infraestrutura adequada de transporte, energia e comunicação “para aumentar a produtividade e a competitividade da produção local e, consequentemente, sua capacidade de crescimento” (BRASIL, 2011, p. 151).

Em relação às atividades produtivas a grande meta a ser perseguida era a agregação de valor aos produtos produzidos localmente pelo setor agropecuário. Para tanto o PDRSX deveria apoiar o melhoramento dos serviços de assistência técnica e oferta de crédito aos produtores rurais, principalmente os pequenos produtores. Na visão do governo os esforços deveriam se concentrar na alavancagem da cadeia produtiva do cacau e no melhoramento do sistema de produção e na agregação de valor dentro da cadeia da pecuária. Também são mencionadas outras atividades econômicas relevantes para o desenvolvimento da região como o setor da pesca, o setor florestal (madeireiro e não madeireiro) e, por último, o turismo.

Em resumo, pode-se dizer que no momento de sua criação o PDRSX representava para os seus implementadores uma panaceia, um remédio para todos os males da sociedade regional, capaz de fomentar a superação dos históricos entraves ao desenvolvimento da sua região de abrangência.

O planejamento inicial do PDRSX esteve centralizado nas mãos dos servidores públicos dos governos federal e estadual. Para esses agentes a possibilidade

de acessar recursos para viabilizar e coordenar as políticas públicas já existentes nos diferentes níveis de governo na região seria a chave para garantir um modelo de desenvolvimento regional mais sustentável. Nesse sentido eles não se preocuparam em limitar o escopo de atuação do PDRSX. Dentro dos cinco eixos temáticos estabelecidos encontram-se praticamente todas as áreas de políticas públicas de uma região, desde educação, saúde, segurança, habitação, até direitos de povos indígenas e de populações ribeirinhas. Os mesmos governantes também não previram que os recursos do PDRSX seriam insuficientes para promover todas as ações estruturantes enunciadas no documento da sua criação.

Além disso, deve-se ressaltar que a interpretação dos agentes governamentais a respeito do potencial da UHEBM de geração de desenvolvimento regional sustentável não possui arcabouço analítico robusto, uma vez que está baseada apenas na previsão de crescimento do PIB nacional e do estado do Pará, sem se atentar para os grandes desafios para fazer com que os recursos financeiros movimentados por esse tipo de obra promovam uma dinamização duradoura da economia regional. Esse tipo de desafio precisa ser enfrentado considerando-se todos os demais fatores estruturais que historicamente impossibilitaram essa mesma dinamização econômica como, por exemplo, a informalidade das atividades produtivas e a incapacidade das empresas locais de atenderem, por exemplo, a demanda por alimentos gerada pelos trabalhadores da própria UHEBM. Na prática, nos anos de construção da usina, todos os alimentos foram comprados de empresas de outras regiões do país, que tinham capacidade de atender aos requisitos de quantidade, qualidade e legais exigidos pela construtora e pela concessionária da UHBEM.

Percebe-se assim um desajuste entre a compreensão dos agentes governamentais sobre o PDRSX no momento de sua criação e a realidade financeira e operacional que se verificou no funcionamento desse conselho de desenvolvimento regional nos anos subsequentes.

Importante mencionar que apesar de tudo o que foi visto acima sobre a amplitude do escopo de atuação previsto para o PDRSX no momento de sua criação, nos anos seguintes os agentes sociais regionais envolvidos, incluindo os agentes sociais representantes da sociedade civil organizada, decidiram aumentar ainda mais o número de eixos estratégicos de atuação, consolidando o formato de oito câmaras técnicas (CTs): CT01 - Ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental, CT02 - Infraestrutura para o desenvolvimento, CT03 - Fomento às atividades produtivas

sustentáveis, CT 04 - Inclusão social e cidadania, CT05 - Monitoramento das condicionantes socioambientais da usina hidrelétrica Belo Monte (UHEBM), CT06 - Povos indígenas e comunidades tradicionais, CT07 - Saúde e CT08 - Educação. Essa decisão tornou ainda mais complexa a governança desse conselho de desenvolvimento regional.

2. Matriz de Aderência dos Projetos ao Planejamento Estratégico do PDRSX