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Fragilidade do planejamento estratégico e falta de clareza na divisão de

Capítulo 1: Oito anos de funcionamento do Plano de Desenvolvimento Regional

3. Recursos, representatividade e participação social não garantem bom desempenho

3.2 Sistema de governança

3.2.2 Fragilidade do planejamento estratégico e falta de clareza na divisão de

A partir da análise realizada no item 1.2 do presente capítulo percebe-se, em primeiro lugar, que o PDRSX ainda não conseguiu endereçar adequadamente o desafio de estabelecer um planejamento estratégico que efetivamente oriente o processo de seleção de projetos. Esse assunto será discutido também no capítulo 2 da tese. No presente capítulo interessa demonstrar, entretanto, que as dificuldades enfrentadas pelo PDRSX na elaboração e execução de seu planejamento estratégico estão estreitamente vinculadas ao seu vasto escopo temático.

Como resultado dos processos políticos e conflitos sociais estabelecidos entre os grupos de agentes sociais regionais no momento da criação e ao longo dos primeiros anos de execução do PDRSX, esse conselho atualmente endereça oito grandes áreas temáticas: (i) ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental;

(ii) infraestrutura para o desenvolvimento; (iii) atividades produtivas sustentáveis; (iv) inclusão social e cidadania; (v) monitoramento das condicionantes socioambientais da UHEBM; (vi) povos indígenas e comunidades tradicionais; (vii) saúde; e (viii) educação.

Trata-se, assim, de todas as áreas de política pública de uma região. Essa escolha produziu um sistema de governança complexo, que precisa promover um processo de priorização de investimentos entre essas áreas e dentro de cada uma delas, em um contexto sócio econômico marcado por baixos indicadores de desenvolvimento humano, ou seja, uma região carente de projetos de desenvolvimentos em todas essas áreas. Essa situação pode ser entendida como um caso emblemático de “decisão ambiental complexa” (MORAN, 2011, p. 198) em que se torna muito difícil estabelecer critérios claros para a tomada de decisão.

A partir das análises realizadas anteriormente é possível verificar que a quantidade e valores de projetos aprovados por câmara técnica (CT), categoria e setor de proponente resultam mais da capacidade de mobilização de recursos (financeiros, políticos, culturais) desses agentes sociais regionais do que de um processo estruturado de planejamento e priorização de investimentos. A destinação de aproximadamente 13% do total de recursos aprovados no PDRSX para recuperação de estradas vicinais pelas prefeituras da região exemplifica essa situação. Agentes sociais regionais entrevistados ao longo da pesquisa, como os dois representantes do Ministério da Integração, por exemplo, afirmaram que, apesar da maioria da população entender a importância da recuperação e manutenção das estradas vicinais para o desenvolvimento econômico (transporte da produção), a educação e a saúde (transporte de alunos e pacientes no ambiente rural) da região, nunca se estabeleceu um consenso dentro do CGDEX a respeito do uso de tantos recursos do PDRSX para esse fim.

A partir desse exemplo evidencia-se outro aspecto bastante problemático do PDRSX: a dificuldade que os atores sociais regionais têm de estabelecer os limites de atuação dos projetos do PDRSX e das demais políticas públicas oficiais26 (municipais, estaduais e federais) incidentes em cada uma de suas áreas temáticas. Essa falta de clareza a respeito de quais temas devem ser endereçados pelos projetos do PDRSX e quais temas competem exclusivamente às política públicas oficias gerou grandes transtornos à sociedade local, principalmente nas áreas de infraestrutura e saúde, áreas

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Política pública oficial se refere aqui a políticas governamentais que contam com orçamento próprio dentro do município, estado ou governo federal.

em que fica evidente que os recursos do PDRSX chegam para suprir a fragilidade das políticas públicas oficiais.

Na área de infraestrutura, além do debate sobre o alto volume de recursos que está sendo destinado aos projetos de recuperação e manutenção de estradas vicinais, existe a discussão dentro do PDRSX sobre a divisão de responsabilidades entre os níveis municipal, estadual e federal em relação à rede de fibra ótica que foi implantada em todos os municípios da região pela Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Pará (PRODEPA). Uma vez concluída a instalação da rede percebeu-se que faltou na concepção do projeto um entendimento mais claro a respeito da responsabilidade de prover o serviço de internet de alta velocidade – a real demanda da população local.

Em uma situação presenciada na CT02 - Infraestrutura para o desenvolvimento, na qual esse projeto está inserido e vem sendo discutido desde 2015, ficou claro que as prefeituras em nenhum momento do desenho e execução dos projetos Xingu Conectado I e II tomaram conhecimento de que o serviço de provisão de internet para os órgãos municipais e para ser comercializados por empresas privadas localmente não era de responsabilidade da PRODEPA, e sim da Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebrás), e que caberia a elas contratar esse serviço junto à iniciativa privada para, então, poder oferecer internet de alta velocidade aos seus cidadãos. De acordo com o representante da PRODEPA em Altamira entrevistado pela pesquisa, isso gerou um impasse: em meados de 2018 a rede de fibra ótica estava praticamente finalizada, mas apenas alguns municípios já haviam começado a prover o serviço de internet de alta velocidade para seus cidadãos. Os demais estavam buscando dialogar com o estado do Pará e reivindicar algum tipo de subsídio do mesmo em relação aos gastos que teriam com esse serviço.

Ainda na área de infraestrutura podem-se citar outros projetos como exemplos da falta de articulação entre projetos do PDRSX e as políticas públicas oficiais incidentes na região. Trata-se de dois projetos, aprovados em 2012 e 2014, pelo Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão e Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Anapu, respectivamente. Esses projetos foram aprovados com o objetivo de elaborar cadastros de famílias aptas a serem incluídas no programa federal Minha Casa Minha Vida. Entretanto, desde 2012, esse programa foi perdendo força no governo federal e nunca chegou a ser executado na região de abrangência do PDRSX.

Por isso, todo o recurso do PDRSX gasto nesses projetos para cadastramento de famílias não se traduziu em uma única habitação construída.

Na área de atividades produtivas algumas das prefeituras da região não aceitaram a ideia de implantar uma estrutura institucional para aplicar o Selo de Inspeção Municipal (SIM) em atividades produtivas simplificadas, o que gerou a paralisação de um dos projetos (o proponente é uma organização da sociedade civil organizada, o Instituto Humaniza). Esse é mais um exemplo de falha na articulação entre setores dentro do PDRSX

Na área de saúde esse tipo de impasse ocorreu com mais frequência. São vários os casos em que o PDRSX aprovou e executou projetos de construção e reforma de infraestrutura (hospitais e unidades básicas de saúde) e de compra de veículos e equipamentos (ambulâncias e equipamentos de laboratório) sem a clareza de como e com quais recursos essas infraestruturas e equipamentos seriam geridos e mantidos ao longo dos anos.

Considerações finais do capítulo 1

A seguir serão analisadas as influências do arranjo institucional e do modelo de governança sobre o desempenho social do PDRSX. Devido à complexidade dessa análise não se pretende aqui trabalhar com uma avaliação objetiva do desempenho social do PDRSX, utilizando critérios quantitativos, como indicadores numéricos, ou conceitos avaliativos (ex: bom ou ruim). Ao invés disso, serão apresentadas inicialmente indicadores positivos de desempenho social e as principais contribuições desse conselho de desenvolvimento para o fortalecimento da resiliência do território impactado pela UHE Belo Monte. Em seguida, serão apresentadas as principais falhas estruturais que contribuem para um baixo desempenho social do PDRSX.

Como já foi dito anteriormente no presente capítulo, o PDRSX representa uma inovação e avanço em termos de arranjo institucional criado para promover o desenvolvimento de regiões impactadas por megaprojetos de infraestrutura, como a UHE Belo Monte. Sua estrutura propicia aos agentes sociais regionais um elevado grau de autonomia financeira gerado pela disponibilidade de recursos acessíveis a todos os setores da sociedade regional. Isso se reflete em mobilização e engajamento permanentes dos agentes sociais regionais nas atividades do PDRSX, para obter recursos para financiar suas atividades.

Essa situação se traduz em um indicador positivo de desempenho social do PDRSX: a equidade formal na representatividade dos diferentes setores da sociedade

regional. O arranjo institucional e o sistema de governança do PDRSX no nível regional, democráticos, estabelecem uma equidade formal entre os diferentes setores regionais em termos de possibilidade de acesso aos recursos do PDRSX. Vale salientar que o caráter democrático e equitativo do sistema de governança do PDRSX se deve principalmente à força de suas regras, que orientam as ações e estratégias dos agentes sociais envolvidos com o PDRSX.

Uma vez apresentado esse indicador positivo de desempenho social do PDRSX – equidade formal na representatividade de agentes sociais regionais dentro do PDRSX –, cabe dizer que, embora ele explique bem o engajamento e a participação da sociedade regional no PDRSX, ele não dá conta de explicar os importantes desequilíbrios de poder decisório entre esses agentes, as fragilidades dos processos de planejamento e execução de projetos e a falta de transparência das ações do PDRSX.

Para explicar esses aspectos do PDRSX serão apresentadas a seguir algumas análises que buscam relativizar a equidade formal do PDRSX, indicando que ela não impede que existam desequilíbrios em termos de poder de tomada de decisão. Em seguida serão feitas algumas análises sobre os indicadores de eficiência e transparência do PDRSX.

Em primeiro lugar, os agentes sociais do poder público possuem maior capacidade de articulação política dentro do CGDEX e, com isso, maior poder de decisão27. Um indicador desse desequilíbrio de poder é o fato dos agentes públicos do PDRSX já terem aprovado o dobro de recursos da sociedade civil no PDRSX. Esse fato poderia até ser relativizado, já que os projetos governamentais, em geral, atingem mais pessoas e demandam maiores recursos financeiros. Ou seja, esse desequilíbrio no acesso a recursos entre governo e sociedade civil não é necessariamente ruim. Mas ele se torna ruim quando não é algo pensado, planejado e aceito por todos os atores sociais envolvidos na mesma situação ação. Essa informação – que as prefeituras são as que mais aprovam recursos no PDRSX, e que esses recursos equivalem aproximadamente ao dobro dos recursos que organizações não governamentais (ONGs) e cooperativas aprovam – até hoje não foi comunicada de forma clara para a população regional.

Em segundo lugar, a presidência da república possui um poder de decisão especial dentro do PDRSX, pois, além de participar diretamente das decisões

27 Essa articulação política dos representantes governamentais dentro do CGDEX será analisada mais detalhadamente no Capítulo 3 da tese, que enfoca a arena política e os conflitos sociais e ambientais formados ao redor do PDRSX.

estratégicas de governança no nível regional, possui no nível federal de governança do PDRSX a atribuição de regulamentar a própria existência desse conselho de desenvolvimento. Essa situação faz com que o funcionamento do PDRSX fique sujeito em grande medida aos interesses do governo federal. Mudanças nesse nível de governo são rapidamente sentidas no nível regional, por meio de trocas dos representantes governamentais nos órgãos do PDRSX e promulgação de decretos presidenciais.

Em terceiro lugar, o PDRSX não representa a totalidade dos agentes sociais regionais presentes no território afetado pela construção da UHE Belo Monte. A disputa de interesses que ocorre dentro dos órgãos do PDRSX não inclui movimentos sociais relevantes dentro do contexto político regional e federal, como são os casos do Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS) e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Em quarto lugar, a governança do PDRSX favorece as entidades que fazem parte do seu comitê gestor (CGDEX), que aprovam três vezes mais projetos e quatro vezes mais recursos do que as entidades que não possuem representação nesse órgão. Os membros do CGDEX são representantes de organizações que possuíam uma maturidade organizacional mais elevada no momento em que o PDRSX foi criado ou que adquiriram essa maturidade ao longo dos últimos oito anos e que, por isso, conseguiram obter um assento dentro do CGDEX, órgão responsável pelas decisões mais estratégicas do PDRSX. Essa situação possibilitou que esses representantes decidissem, por exemplo, que nos primeiros dois anos do PDRSX somente as organizações com representação no CGDEX poderiam apresentar projetos para serem financiados pelo PDRSX.

O desequilíbrio de poder decisório entre diferentes setores da sociedade regional não é o único fator que contribui para o baixo desempenho social do PDRSX. Uma das principais fragilidades do PDRSX refere-se à falta de comprovação de sua eficiência.

Do total de R$500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) disponíveis para serem investidos em vinte anos 51% já foram alocados para financiar os projetos do PDRSX, ao longo dos seus oito anos de existência (considerando que ele começou a funcionar em 2011). Ou seja, a média de recursos gastos anualmente, aproximadamente R$32.000.000,00 (trinta e dois milhões de reais), está acima do previsto, de R$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais) anuais.

Entretanto, a rapidez no uso dos recursos não está sendo acompanhada pela comprovação da eficiência dos projetos aprovados. Essa falta de comprovação de eficiência é ocasionada por: (i) falta de clareza em relação aos objetivos estratégicos do PDRSX28; e (ii) falhas nos processos de monitoramento, avaliação e auditoria dos projetos.

A baixa capacidade do PDRSX de monitorar, avaliar e auditar os projetos aprovados e de punir os projetos inadimplentes demonstra a falta de compromisso dos seus membros com os resultados dos projetos. Tendo em vista o contexto político institucional da região, o arranjo institucional e o modelo de governança do PDRSX, esses agentes sociais regionais preferiram gastar o máximo possível do recurso financeiro disponível nos primeiros anos de existência desse conselho de desenvolvimento, visando atender objetivos individuais, sem a priorização de projetos estruturantes. O conceito de projetos estruturantes foi mencionado por mais de um interlocutor ao longo das entrevistas realizadas pela pesquisa. Esse conceito será analisado em detalhes nos capítulos 2 e 3 da tese.

Por fim, outro indicador de baixo desempenho social do PDRSX é falta de transparência em sua prestação de contas ou falta de accountability. Esse aspecto do PDRSX está refletido na baixa capacidade da secretaria executiva de publicação e divulgação das deliberações do CGDEX, da coordenação geral (CG) e das câmaras técnicas (CTs) e dos resultados dos projetos aprovados.

Capítulo 2: Desafios de planejamento estratégico dentro do Plano de