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Percepção dos agentes sociais regionais sobre os instrumentos de planejamento

Capítulo 2: Desafios de planejamento estratégico dentro do Plano de Desenvolvimento

3. Percepção dos agentes sociais regionais sobre os instrumentos de planejamento

A partir da análise das entrevistas semiestruturadas, foi possível captar e analisar algumas percepções compartilhadas por diferentes segmentos sociais da região em relação ao planejamento estratégico do PDRSX.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que muitos entrevistados teceram considerações sobre a impossibilidade dos projetos do PDRSX resolverem, simultaneamente, todos os desafios históricos de desenvolvimento da região. Isto está claro para a maior parte dos entrevistados. Isso porque na visão deles, os desafios presentes nas oito áreas de desenvolvimento da região são complexos e não existe uma solução única para todos eles. Além disso, mesmo sendo um volume alto de recursos, os R$500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) do PDRSX não são suficientes para superar todos esses desafios.

Em segundo lugar, a principal percepção compartilhada entre os entrevistados refere-se à incapacidade do PDRSX de planejar e selecionar projetos estruturantes. Esse termo surgiu naturalmente em muitas entrevistas, sem fazer parte de nenhuma das perguntas do questionário. Do total de quarenta e quatro entrevistados, onze deles, 25%, fizeram menção explicita a falta de projetos estruturantes no PDRSX. Entretanto, a análise das entrevistas permite afirmar que outros entrevistados têm a mesma impressão, porém não se sentiram confortáveis em afirmar isso de forma explícita.

Em geral, o tema dos projetos estruturantes aparecia no momento das entrevistas em que se questionava o entrevistado sobre a sua percepção do potencial do PDRSX promover desenvolvimento regional sustentável. As respostas, em geral, começavam com elogios ao PDRSX, ao seu caráter democrático, ao fortalecimento das instituições locais, aos processos de diálogo e formação de capital social e com menções à grande oportunidade que estava sendo dada a sociedade regional para planejar e executar projetos de desenvolvimento na região impactada direta e indiretamente pela obra de construção da usina hidrelétrica Belo Monte (UHEBM); região que, na visão dos agentes regionais, esteve historicamente marcada por falta de investimentos

públicos. Em um segundo momento, as respostas dos entrevistados passavam a abordar a dificuldade do PDRSX em selecionar projetos com potencial de melhorar as condições de vida da população regional no médio e longo prazo, ou seja, a dificuldade de selecionar projetos estruturantes.

Nem todos os entrevistados descreveram o que eles entendiam por projeto estruturante. Porém, a partir da análise do conjunto das entrevistas, depreende-se que projetos estruturantes para os agentes sociais regionais são aqueles que contêm os elementos a seguir: (i) potencial de impacto positivo no desenvolvimento sustentável da região; (ii) potencial de continuidade no tempo, com previsão de mecanismos duradouros de financiamento e de gestão de suas atividades, sem dependência de novos aportes de recursos do PDRSX, uma vez que dentro da configuração atual do arranjo institucional do PDRSX esses recursos têm prazo para acabar; e (iii) não se sobrepor a políticas públicas já existentes.

Não é possível afirmar que haja qualquer tipo de concordância entre os agentes sociais entrevistados a respeito das características essenciais de um projeto com impacto positivo significativo sobre o desenvolvimento regional sustentável da área de abrangência do PDRSX. Alguns agentes sociais entrevistados, como o prefeito de Brasil Novo, por exemplo, ressaltam o alcance populacional como um critério importante de seleção de projetos dentro do PDRSX. Outros agentes sociais, como o coordenador do escritório do Instituto Socioambiental (ISA) em Altamira, enfatizam a importância de selecionar projetos alinhados com um novo modelo de desenvolvimento para a região, com maior ênfase aos processos de exploração econômica da floresta em pé.

Entretanto, existe certo consenso estabelecido entre os agentes sociais entrevistados, na percepção de que a grande maioria dos projetos do PDRSX não está promovendo a sustentabilidade do desenvolvimento regional. Na visão deles, a maioria dos projetos do PDRSX são positivos, pois beneficiam as pessoas envolvidas e melhoram a situação social e econômica da população regional, mas não são projetos sustentáveis.

Sobre a relação entre os projetos do PDRSX e as políticas públicas existentes a percepção compartilhada entre a maioria dos agentes sociais regionais entrevistados pela pesquisa é de que o PDRSX não deve executar projetos que se sobreponham às políticas públicas de entes governamentais das esferas municipal, estadual e federal com atuação na região e também não deve executar projetos de custeio dessas mesmas políticas públicas.

A partir da análise das entrevistas semiestruturadas também foi possível identificar alguns posicionamentos antagônicos entre os representantes dos principais segmentos sociais da região em relação à avaliação que eles fazem da existência de sobreposições entre os projetos do PDRSX e entre esses projetos e as políticas públicas. Em primeiro lugar, verifica-se que alguns entrevistados possuem a interpretação de que os órgãos governamentais, principalmente as prefeituras e algumas secretarias do estado do Pará, estão se aproveitando dos recursos do PDRSX para complementar sua arrecadação e, assim, conseguir executar políticas públicas de sua responsabilidade. Esse foi o discurso dos representantes do Ministério da Integração entrevistados na pesquisa. A colaboradora do Instituto Socioambiental (ISA) em Altamira entrevistada pela pesquisa também compartilha essa percepção. Na visão dela os projetos aprovados pelo Consórcio Belo Monte (CBM) de municípios para recuperação de estradas vicinais são exemplos de projetos em que um alto volume de recursos está sendo gasto com ações que deveriam fazer parte da rotina das prefeituras da região e cujos resultados provavelmente não perdurarão no tempo se não houver manutenção periódica das estradas; algo que dificilmente irá ocorrer, já que as prefeituras demonstraram com a aprovação desses projetos dentro do PDRSX que não possuem recursos próprios para a compra de combustível para operar o maquinário necessário.

Em segundo lugar, outros agentes sociais governamentais que foram entrevistados, como os representantes das Secretarias de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia do estado do Pará (SEMA e SEDEME), e de organizações não governamentais como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), entendem que não existe sobreposição entre os projetos do PDRSX e entre eles e as políticas públicas regionais.

Essa interpretação baseia-se na ideia de que existem diferentes eixos de desenvolvimento regional para serem endereçados pela ampla variedade de segmentos sociais representados no PDRSX e que, mesmo dentro de uma política pública, como o Programa Municípios Verdes37 (PMV), do estado do Pará, por exemplo, existe espaço para atuação de organismos governamentais e não governamentais. No caso do PMV, esses agentes sociais entendem que, em virtude do Pará ser o estado com o segundo território mais extenso da federação e conviver com conflitos agrários históricos, as

metas de regularização fundiária e ambiental são elevadas e podem ser endereçadas por muitas organizações, simultaneamente, desde que haja comunicação e coordenação entre as instituições envolvidas.

Em relação aos projetos das estradas vicinais das prefeituras da região, alguns entrevistados como, por exemplo, o presidente da Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), defenderam o projeto e ressaltaram a sua relevância estrutural para a trafegabilidade rural e o desenvolvimento da região. Outro defensor do projeto das estradas vicinais foi o prefeito de Brasil Novo, que argumentou que as estradas vicinais são fundamentais para três processos vitais para a população rural da região: escoamento da produção, transporte de alunos e transporte de pacientes. Na sua visão, a relevância de um projeto do PDRSX deveria ser analisada tomando como um dos parâmetros principais o alcance do projeto em termos de população atingida. No caso dos projetos das estradas vicinais eles atingem uma grande quantidade de pessoas na região, indiscutivelmente. A representante do Ministério do Planejamento no comitê gestor (CGDEX) do PDRSX e na CT02 - Infraestrutura para o desenvolvimento defendeu a relevância estrutural do mapeamento de todas as estradas vicinais dos municípios e da definição de prioridades de investimento.

Por último, alguns agentes sociais regionais entendem que entre os projetos do PDRSX existem experiências positivas de projetos que foram elaborados com base em cooperação intergovernamental e em parceria com instituições representantes da sociedade civil como, por exemplo, os seguintes projetos: (i) Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), cujo proponente foi a própria CT01 - Ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental; (ii) Xingu Conectado I e II, da Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Pará (PRODEPA), dentro da CT02 - Infraestrutura para o desenvolvimento; e (iii) O projeto de construção do prédio do curso de medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA), dentro da CT08 - Educação.

Ou seja, essas pessoas entendem que é preciso valorizar projetos que foram bem planejados e executados de forma coordenada e colaborativa entre instituições governamentais e entre elas e as organizações da sociedade civil.

Além dos projetos listados acima, existem outros projetos mencionados por pelo menos um entrevistado como tendo elevado potencial de transformar positivamente a realidade da região em sua área temática. São eles:

- Projetos de fortalecimento institucional das secretarias de meio ambiente dos municípios da área de abrangência do PDRSX e de regularização fundiária e ambiental de propriedades rurais e assentamentos de reforma agrária na região;

- Projetos de fortalecimento institucional das associações de moradores das Reservas Extrativistas (RESEXs) da região e de construção de equipamentos públicos de educação, saúde e de produção agroextrativista sustentável nessas RESEXs;

- Projetos de fortalecimento da agricultura familiar; - Reforma do hospital de Brasil Novo; e

- Construção da sede do Sindicato Rural de Altamira (SIRALTA).

Em síntese, existe, por um lado, uma percepção compartilhada entre grande parte dos entrevistados de que a região de abrangência do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX) convive historicamente com problemas estruturais de desenvolvimento em todas as suas áreas de desenvolvimento, que não serão plenamente superados via projetos do PDRSX. Isso porque, primeiramente, os recursos financeiros não são suficientes e, em segundo lugar, porque apesar de todos os avanços que representa em termos de inovação institucional, o PDRSX não está selecionando e executando projetos estruturantes, com potencial de gerar desenvolvimento regional sustentável. Essa percepção não é compartilhada por todos os entrevistados, mas pela análise das entrevistas entende-se que mais de 50% dos entrevistados compartilha dela, mesmo que não a tenha expressado isso explicitamente.

Por outro lado, existem percepções diferenciadas acerca de um problema central do planejamento estratégico do PDRSX: a definição de quais áreas e temas do desenvolvimento regional são atribuições das três esferas governamentais e devem ser endereçadas exclusivamente por órgãos públicos e quais áreas e temas de desenvolvimento devem ser endereçadas pelos projetos do PDRSX.

As diferentes percepções sobre a relação entre os projetos do PDRSX e as políticas públicas regionais, podem ser separadas em dois grandes grupos. De um lado, existe a percepção do grupo de agentes sociais que não enxerga que esteja havendo sobreposição entre o escopo dos projetos do PDRSX e as políticas públicas incidentes na região e mais do que isso, enaltecem o fato de que os recursos do PDRSX estejam sendo utilizados em projetos colaborativos entre diferentes órgãos e esferas governamentais e entre governo e organizações da sociedade civil, de maneira bastante estratégica, mesmo que isso tenha ocorrido em somente alguns poucos projetos.

Do outro lado, estão os agentes sociais que enxergam que em muitos projetos, como nas áreas de saúde e na manutenção das estradas vicinais, por exemplo, está ocorrendo um processo de custeio por parte do PDRSX, das políticas públicas oficiais de responsabilidade dos entes governamentais e que isso contribui para a falta de planejamento estratégico do PDRSX, que deveria buscar executar projetos de investimento, em áreas prioritárias para a sustentabilidade do desenvolvimento regional.

Considerações finais do capítulo 2

Como pôde ser visto no capítulo 1 da tese o PDRSX é um arranjo institucional novo, principalmente pelos recursos financeiros que administra, e com potencial de impacto no desenvolvimento da região, uma vez que se configura como um fórum de tomada de decisão representativo e democrático. Também foi visto que o PDRSX apresenta desequilíbrios de poder e falhas de planejamento. Ou seja, sem uma compreensão mais detalhada dos projetos que estão sendo apoiados fica difícil realizar uma análise conclusiva da contribuição do PDRSX para o desenvolvimento da sua região de abrangência.

Para Moran (2016) existem poucas evidências de que os recursos do PDRSX e das condicionantes socioambientais de Belo Monte irão resultar em desenvolvimento regional sustentável (MORAN, 2016a, p. 216). As análises realizadas no neste capítulo, que serão apresentadas a seguir, confirmaram essa interpretação do autor, sobre a falta de evidências do potencial das ações da Norte Energia S. A. gerarem desenvolvimento sustentável para a região impactada pela usina hidrelétrica Belo Monte (UHEBM).

A partir da análise dos resultados do capítulo 2 nota-se que existe um potencial inalcançado pelo PDRSX em termos de operacionalização de uma instituição eficiente de promoção de desenvolvimento regional sustentável. Passados oito anos de funcionamento do PDRSX não é possível afirmar que esse conselho de desenvolvimento será capaz de conduzir a região a um estágio mais avançado de desenvolvimento, em comparação com o período anterior à chegada da usina hidrelétrica Belo Monte (UHEBM). Inegavelmente ocorreram mudanças sociais, negativas e positivas, no território e na sociedade regional desde o início das obras da usina e do PDRSX, em 2011, mas o resultado final dessas transformações ainda é incerto.

A falta de clareza dos membros do PDRSX em relação aos seus objetivos estratégicos se traduz em processos desestruturados de planejamento estratégico,

marcados pela definição de metas e objetivos muito abrangentes e pela dificuldade de estabelecer mecanismos claros de priorização de desafios de desenvolvimento para serem enfrentados pelos projetos do PDRSX, de forma complementar e sem se sobrepor às políticas públicas oficias.

Fica evidente que existe margem para melhorias estruturais e ajustes processuais, que devem ser realizados a partir da experiência e conhecimentos adquiridos ao longo dos oito primeiros anos de funcionamento do PDRSX.

Mesmo sendo complexo, o modelo de governança do PDRSX é uma novidade e tem potencial de gerar bons resultados. Como foi visto no presente capítulo alguns projetos do PDRSX têm características de sustentabilidade, ou seja, podem ser considerados projetos estruturantes, pois possuem impacto positivo comprovado sobre um amplo contingente populacional, sustentabilidade financeira e operacional e estão em sinergia com políticas públicas oficiais. Os três exemplos desse tipo de projeto que foram mais citados pelos agentes sociais entrevistados são os projetos do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), Xingu Conectado I e II, e Construção do prédio do curso de Medicina da UFPA.

Entretanto, esses três projetos representam apenas uma pequena parcela do conjunto total de projetos do PDRSX. Somados eles totalizam um investimento de aproximadamente R$16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), um valor que equivale a apenas 6% do total de recursos aprovados pelos projetos do PDRSX.

Se adicionarmos a essa lista os cinco outros tipos de projetos que podem ser considerados estruturantes, listados por pelo menos um dos entrevistados - projetos de fortalecimento institucional das secretarias de meio ambiente dos municípios da região, projetos de apoio ao desenvolvimento das três RESEXs da região, projetos de fortalecimento da agricultura familiar, projeto de reforma do Hospital de Brasil Novo e projeto de construção da sede do Sindicato Rural de Altamira (SIRALTA) - esse valor aumenta consideravelmente, atingindo aproximadamente R$80.000.000,00 (oitenta milhões de reais). No entanto, isso ainda representa menos da metade, 32%, dos recursos aprovados pelos projetos do PDRSX.

A maioria dos agentes sociais da região defende o PDRSX enquanto uma política de desenvolvimento com amplo potencial de transformar positivamente a qualidade de vida da população regional. Porém, ao mesmo tempo, está difundida entre essas pessoas a percepção de que os projetos estruturantes são exceção dentro do

conjunto de trezentos e sessenta e dois projetos e mais de R$250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais) aprovados pelo PDRSX.

Permanece, assim, a dúvida sobre o que poderia ser melhorado nos processos de planejamento e execução de projetos do PDRSX. Alguns agentes sociais, como o representante do Ministério da Integração, entendem que é preciso aprovar mais recursos para processos de governança e projetos de cooperação intergovernamental e menos recursos para projetos pequenos. Já o presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras (STTR) de Medicilândia possui uma visão radicalmente oposta e sugere retirar do planejamento os grandes projetos, que deveriam ser questões governamentais, e trabalhar somente com os pequenos projetos. A partir da exposição dessas duas visões fica claro que será muito complicado para os membros do PDRSX promoverem alguma mudança estrutural no seu arranjo institucional e em seu modelo de governança, capaz de gerar processos eficientes de planejamento e execução de projetos estruturantes.

Em resumo, o PDRSX foi criado e permanece sem uma visão consolidada de desenvolvimento regional e isso repercute em processos de planejamento estratégico frágeis, incapazes de gerar uma orientação clara das suas linhas de ação prioritárias e de influenciar a seleção e execução de projetos estruturantes. Ao contrário disso, a maioria dos projetos selecionados e executados ainda segue uma lógica de atendimento aos interesses específicos das organizações proponentes, independente dos procedimentos formais existentes de planejamento estratégico. Nota-se, assim, uma grande distância entre o plano e a prática em arenas políticas como o PDRSX, nas quais existe a necessidade de mediação de uma grande quantidade de interesses de diferentes setores da sociedade regional.

Capítulo 3: Desenvolvimento regional sustentável enquanto um processo social em