• Nenhum resultado encontrado

Estruturas do Discurso

No documento [Download integral] (páginas 196-200)

Movimentos semiinticos locais

4. Estruturas do Discurso

Depois deste breve sumario da nossa teoria da ideologia e da opiniiio, precisamos agora de examinar em detalhe a forma coma estas podem ser expressas no texto e na fala em geral, e em artigos de opiniiio da imprensa em particular. Uma abordagem analitica de discurso a esta questao fara essa tarefa atravfs de um exame dos v:irios niveis e dimens5es do discurso.

Unidades lexicais

A analise <las unidades lexicais e a analise tradicionalmente mais conhecida nos estu­ dos da ideologia e da linguagem. Podem ser escolhidas palavras que geralmente ou contextualmente expressem valores ou normas, e que sejam usadas para expressar um julgamento valorativo (e. g., 'terrorista', 'racista'). Mas, embora haja muitos

predicados que sao usados normalmente para expressar uma opiniiio (e.g., 'bonito',

'sujo' etc.), outros podem ser usados quer factualmente quer avaliativamente (e.g.,

'poluido', 'democr:itico', 'inteligente'), dependendo de estar pressuposto no seu uso um conhecimento ou um sistema de valores, coma discutimos acima.

No entanto, especialmente numa abordagem analitica de discurso, queremos ir para alem destas analises 6bvias das unidades lexicais. As opinioes podem ser expressas de

muitos outros modos, mais complexos, no texto e na fala: por exemplo em titulos, estruturas das hist6rias, argumentos, disposii;6es gr:ificas, estruturas sint:icticas, estruturas semanticas da coerencia, t6picos globais e outras. Vamos examinar com mais cuidado alguns destes modos e desta forma focar as v:irias estruturas semanticas do discurso, ji:l que elas formam o cerne do 'contell.do' da expressao das opini6es ideol6gicas

(van Dijk 1995; para as noc;oes semanticas aqui usadas, ver van Dijk 1985). Seguindo

a conveni;ao, faremos agora referfncia a significados, conceitos e proposii;6es ( e assim a opini6es) atraves do uso de aspas simples, e a palavras concretas, frases e

outras expressoes de tais significados com aspas duplas ou italico.

Proposi96es

Os conceitos e as suas express6es em unidades lexicais nao surgem sozinhos, mas combinados em proposit;Oes expressas por orac;6es e frases. Assim, a acorrencia de palavras que parecem implicar opinioes (tais como "terrorista") nao significa muito se nao soubermos o significado das frases em que ocorrem ( e, claro, de todo

o texto e contexto, um assunto sabre o qual falaremos a seguir). Par exemplo, hi:1 uma difereni;a consideri:lvel entre a proposii;ao 'ele e um terrorista' e a sua negai;ao 'ele nao e um terrarista', mesmo que as duas contenham o conceito de terrorista, e mesmo que as duas possam ser vistas coma express6es de opini6es.

As proposic;oes sao analisadas usualmente em termos de um predicado principal (usualmente interpretado como propriedade, acontecimento ou acc;ao) e de um nu­

mero de argumentos que desempenham papfis semanticos diferentes, como Agente, Predicado, e outros, coma se verifica na proposii;ao 'mortos (Agente: terroristas;

Predicado: refens)'. Esta proposic;iio pode ser mais modificada atraves de modalidades

coma 'Foi necess.irio (possivel, imprav.ivel etc.) que'.

Cada categoria da proposic;iio pode ser modificada novamente por outro predicado. Por exemplo, '(terroristas) desesperados' e '(refens) aterrorizados'. Como foi dis­

cutido anteriormente, cada um destes conceitos pode integrar opini6es implicitas. Portanto, escolher 'desesperado' em vez de 'insensivel' coma um modificador para 'terrorista' implica outra opiniao, menos negativa, que sugere que o terrorista nao

teve outra opc;ao senao a de matar os refens. Esta implica,iio pode ser inferida tambem a partir da escolha de modalidades do tipo 'eles foram obrigados a .. .'. Constatamos este uso bastante frequente das modalidades de necessidade em estra­

tfgias que atenuam as acc;6es negativas das autoridades do endogrupo, tal como

'A policia teve de agir de forma dura contra os manifestantes') (para exemplos em relatos noticiosos sobre ac,oes da policia, ver van Dijk 1988a).

No entanto, nao sao apenas os conceitos envolvidos na proposi�ao que se revelam interessantes, mas tamhem a estrutura proposicional em si mesma, dado que ela pode expressar opini5es. Se os actos negativos sao atribufdos a pessoas que aparecem no

papel de Agente, entilo elas silo tidas como mais responsaveis por essas acc;5es do

que se aparecessem em papt'.:is diferentes. Alem disso, a estrutura sint.ictica da frase

que expressa essas proposic;5es pode variar de um modo ta! que a agencia de um

determinado indivfduo ou grupo e secundarizada, como se verifica nas constru�6es passivas (e.g., "Os manifestantes foram mortos pela polfcia" ou "Manifestantes

(foram) mortos". Desta forma, a NOSSA gente tende a aparecer primordialmente

coma actor quando os actos sao hons, ea DELES quando os actos sao maus, e vice­

-versa: a gente DELES aparecera menos como actor quando as acc;5es silo boas do que aparecera a NOSSA gente (para uma analise detalhada destas estrategias, ver, e.g., Fowler 1991; Fowler et al. 1979; van Dijk 1991).

Vimos aqui uma primeira estrategia geral para a expressiio de atitudes partilhadas baseadas no grupo e de ideologias atraves de modelos mentais Esta estrategia de polarizac;iio - descric;iio do endogrupo positiva, e descric;iio negativa do exogrupo - tern portanto a seguinte estrutura ahstracta avaliativa, que podemos denominar de 'quadrado ideol6gico':

• Enfatizar as nossas propriedades/acc;5es boas • Enfatizar as propriedades/acc;5es mas deles • Mitigar as nossas propriedades/acc;5es mas • Mitigar as propriedades/acc;5es boas deles

Estes lances funcionais na estrategia global de satisfac;iio do interesse ideol6gico,

presentes na maioria dos conflitos sociais e ac�6es (e.g., no discurso racista, sexista,

etc.), podem ser expressos na escolha de unidades lexicais que implicam avaliac;5es

positivas ou negativas, hem como na estrutura de proposi�6es completas e suas cate­ gorias (como nas activas/passivas, etc.). Aqui 'nossos' pode referir-se ao endogrupo ou aos seus amigos e aliados, e 'eles' ao exogrupo e aos seus amigos e aliados (para estudos sociopsicol6gicos destes princfpios, par exemplo na atrihui�a'.o, ver, e. g., Fiske

e Taylor 1991; para a dimensao da gestao <las impress5es, ver Tedeschi 1981). lmplica�iies

As opini6es nao precisam de ser sempre explicitamente expressas numa proposi�ao, mas podem ser implicadas. Teoricamente, isso signilica que, dada uma proposic;iio (expressa) P, uma ou mais proposic;5es Ql, Q2 ... podem ser inferidas a partir de P com base num modelo do acontecimento ou do contexto. Estes modelos podem eles pr6prios incorporar conhecimento instanciado ou atitudes. Assim, num editorial sobre a expulsilo de Israel de quatrocentos membros do Hamas (um movimento islamico palestiniano), o New York Times conclui da seguinte forma:

(1) Quaisquer que tenham sido as ofensas de Israel, os 3.rabes, ao sugerirern que a expulsao e equivalente aos crimes de Saddam Hussein contra o Kuwait ou a cumplicidade da Libia no terrorismo de Estado, estao a falsear a realidade. Israel desobedeceu seguramente as Convenc;Oes de Genebra. Mas nao exagerem a escala e a natureza da infracc;iio.

As primeiras frases implicam a proposi<;iio de opiniiio que os arabes estiio a exa­

gerar, enquanto que a Ultima frase implica que a "infraci;iio" dos israelitas

e

menor

de facto, o que tambem e uma opiniao. Tambem a escolha do pr6prio conceito de

"infraci;iio" constitui em si uma forma de mitigai;ao. Ja que os israelitas estao do

NOSSO !ado, e Saddam Hussein e a Libia sao tipicamente inimigos e logo ELES, tambem vemos expresso o quadro ideol6gico basico que explica a opera<;ao da mi­ tiga<;ao, hem coma as proposii;6es implicadas (em baixo, na nossa analise detalhada de um artigo de opiniao, veremos que Saddam Hussein pode ser usado pelos EUA

para caracterizar outros inimigos).

Pressuposi\:iies

As proposi<;6es podem estar implicadas, porque se presume que elas sejam conhe­ cidas, au podem ser pressupostas, dado um determinado modelo do acontecimento. Podem ser usadas estrategicamente para introduzir de forma oblfqua num texto proposi<;6es que podem nem sequer ser verdadeiras. Este e tambem o caso para as pressuposii;Oes que incorporam opini6es. Portanto, no exemplo prfvio foi pressu­ posto que os "arabes" exageraram de facto na escala e na natureza da infraci;ao, o que por si mesmo

e

uma ideia facciosa sabre a reacc;ao dos arabes. Previamente no mesmo editorial, pode ler-se a seguinte passagem:

(2) Os defensores de Israel argumentam justamente que o mundo atribui pouca import.incia aos crimes terroristas cometidos pelos extremistas isl.irnicos e a sua determinac;ao fanitica para impedir qualquer tipo de acordo entre israelitas e

arabes (NYT, Ed., 29 Jan. 1993)

O NYT defende que o argumento de Israel e valido e tambem partilha as pressu­

posic;6es desse argumento, nomeadamente que "os extremistas isl8micos" cometem

crimes terroristas e impedem a efectiva<;iio de qualquer tipo de compromisso. 0 fraseado desta pressuposi<;ao, uma vez que nao e atribuida (par cita<;ao) a Israel, e da responsabilidade do NYT, e deste modo tambem as opini6es implicadas pelo

uso de unidades lexicais como "crimes terroristas", "extremistas" e "determinai;iio

fanatica". Nenhuma destas palavras e usada para descrever a expulsao israelita de

quatrocentos palestinianos. Pelo contrario, o artigo afirma explicitamente que esta "infraci;iio" nao deve ser exagerada. Mais atras, tinha sido descrita como um "erro

esttipido" e nao como um "crime terrorista" do Estado de Israel, uma formulai;ao que provavelmente os palestinianos adoptariam. Vemos de novo a forma coma as opiniOes sobre amigos e inimigos estao a ser descritas, implicadas e pressupostas seguindo o quadro ideol6gico proposto antes.

Descri9iies

Indo agora para o ni'.vel discursive concreto <las sequfncias das proposi\Oes, vemos que os acontecimentos podem ser descritos a vcl.rios nlveis de generalidade ou de especificidade, e com muitas ou poucas proposi,oes em cada nfvel (van Dijk 1977). Se aplicarmos o quadro ideol6gico a este fen6meno, podemos esperar que as Nossas boas ac�Oes e as aci;6es m.is Deles tenderao a ser descritas em geral a um ni'.vel mais baixo, mais especffico, com muitas proposi,6es (detalhadas). 0 oposto sera verda­ deiro para as Nossas mcl.s ac�Oes e as aci;6es boas Deles, que, se chegarem sequer a ser descritas, tal 9corrercl. para ambas em termos bastantes genericos, abstractos e por essa razao "distanciados"e com poucos detalhes.

Assim, de novo no exemplo do NYT antes citado, a expulsiio dos membros do Hamas e sumariada avaliativamente com o predicado "erro estllpido" e como "violando a Conven\ao de Genebra". A seguir, estes palestinianos sao descritos como "amon­ toados em tendas no Lfbano num sftio deserto e gelado", o que pode ser lido como implicando algo de negativo para os israelitas. No entanto, esta constitui a Unica forma negativa de descri,ao <las polfticas israelitas neste artigo, enquanto que as dos "terroristas" palestinianos e dos Estados "cl.rabes" sao descritas com muito mais detalhe, coma vimos antes na descrii;ao dos "crimes terroristas" e da "determina�ao fan.itica", hem coma nas passagens seguintes:

( 3) Mas isso reforc;aria o erro e poria em risco as conversac;Oes de paz para o Medio Oriente se os Estados .irabes fuessem pressao a favor da aplicac;3o das sanc;Oes das Nac;Oes Unidas antes de pelo menos estar estabelecida a equipa do Presidente Clinton ... (palestinianos amontoados em tendas ... ). Isso serve perfeitamente os mi­ litantes isl3.micos banidos, j.i que a sua situac;3o diffcil estagnou de forma efectiva as conversac;Oes de paz a que se opunham vigorosamente. (NYT, Ed. 29 Jan. 1993) Assim, os palestinianos sao descritos como querendo impedir as conversas "vigoro­ samente" estando "fanaticamente determinados" a faze-lo, e o mesmo ocorre nou­ tras partes do texto: as reac,oes negativas dos arabes siio explicitadas em detalhe (e pastas em evid@:ncia), e as ac\Oes negativas israelitas sao pastas em segundo piano, mitigadas ou estruturalmente subordinadas.

Metodologicamente, exemplos simples coma estes provam pouco; seria preciso uma demonstra,ao adicional quantitativa para estabelecer que a estrategia global e de facto aplicada. 0 exemplo dado e meramente ilustrativo para o tipo de opera,ao 199

No documento [Download integral] (páginas 196-200)