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6. Hematologia

6.4. Estudo das Hemoglobinopatias

A hemoglobina é uma proteína tetramérica constituída por dois pares de cadeias globínicas, estando cada uma ligada a um grupo heme, ao qual se liga o oxigénio. No sangue de um adulto normal existem três tipos de hemoglobina: a Hb A (α2β2) que é a

hemoglobina predominante, constituindo cerca de 96-98% da hemoglobina total; a Hb A2

(α2δ2) que está presente em pequenas quantidades, cerca de 1,5-3,5%; e a Hb F (α2γ2), que

está presente em quantidades vestigiais (< 1%) no adulto, mas que é a principal hemoglobina presente no feto e recém-nascido. (35,39)

As hemoglobinopatias são um grupo de doenças hereditárias que resultam de mutações nos genes que codificam para a síntese das cadeias de globina da hemoglobina, constituindo as doenças genéticas mais comuns a nível mundial. Estas podem ser classificadas em hemoglobinopatias quantitativas, que resultam da ausência ou diminuição da síntese de uma cadeia globínica e nas quais se incluem as talassémias (α e β-talassémia), ou em hemoglobinopatias quantitativas, que resultam da alteração da estrutura de uma cadeia globínica, dando origem a variantes da Hb, entre as quais se destacam a Hb S, a Hb C e a Hb D. (1,39)

No laboratório de Hematologia, a deteção de hemoglobinopatias é feita com base no hemograma, na observação do esfregaço de sangue periférico e no estudo das hemoglobinas, através de metodologias como a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) e a eletroforese de hemoglobinas. Nos casos de suspeita da presença de uma Hb S, pode também ser realizado o teste de insolubilidade da Hb S.

6.4.1. HPLC

A HPLC é a metodologia utilizada para a abordagem inicial ao estudo das hemoglobinopatias. No laboratório é utilizado o ADAMS A1C HA-8180T (figura 20), um

equipamento automático para a determinação da hemoglobina glicada (Hb A1c), Hb A, Hb

A2 e Hb F, e que permite também detetar as principais variantes da hemoglobina (Hb S, Hb

C, Hb E e Hb D), por HPLC de troca catiónica em fase inversa. A HPLC de troca catiónica permite

separar as diferentes hemoglobinas com base nas suas características de carga. Através desta técnica é possível separar uma mistura de hemoglobinas, carregadas positivamente, nos diferentes componentes de acordo com a sua afinidade para uma fase estacionária (presente numa coluna de cromatografia) carregada

negativamente, seguindo-se a sua eluição pela fase móvel. A fase móvel é uma solução líquida com uma concentração crescente de catiões, que vão competir com as hemoglobinas na ligação à fase estacionária. As frações de hemoglobina eluídas são detetadas por um detetor de luz UV/visível e são identificadas com base no seu tempo de retenção e quantificadas através da área dos picos obtidos no cromatograma. (1,35)

A quantificação da Hb A2 permite diagnosticar ou excluir a presença de uma β-

talassémia minor (traço β-talassémico), uma vez que um valor aumentado de Hb A2 (>

3,5%) constitui um indicador característico desta patologia. Na β-talassémia major (homozigótica), verifica-se uma ausência total ou quase total de Hb A e uma percentagem muito elevada de Hb F. O nível de Hb A2 pode estar normal ou ligeiramente

aumentado.(35,39)

A variante da hemoglobina mais comum é a Hb S, que está na origem da drepanocitose, ou anemia das células falciformes. A deteção da Hb S permite fazer o diagnóstico desta hemoglobinopatia, sendo que nos indivíduos homozigóticos a Hb A está ausente, verificando-se uma percentagem muito elevada de Hb S (80-95%) e uma percentagem variável de Hb F; nos indivíduos heterozigóticos (traço falciforme) a percentagem de Hb S não é tão elevada, variando entre os 30-45%. (1,39,46)

Apesar de a HPLC permitir determinar a HbA, Hb A2, Hb F e identificar as principais variantes da hemoglobina, quando existem resultados que indicam a presença de uma hemoglobinopatia estes devem ser confirmados através de outras técnicas, uma vez que as hemoglobinas E e Lepore podem co-eluir com a Hb A e que outras variantes de

6.4.2. Eletroforese de Hemoglobinas

A eletroforese de hemoglobinas permite confirmar os resultados obtidos por HPLC nas amostras em que se suspeita da existência de uma hemoglobinopatia. No laboratório de Hematologia, são realizadas eletroforeses em gel de agarose em meio alcalino e em meio ácido, no equipamento Hydrasys Focusing anteriormente descritono capítulo 5.1.3.

Para a realização desta técnica é necessária uma preparação prévia das amostras de sangue total, de forma a obter um hemolisado de glóbulos vermelhos. Para a obtenção do hemolisado centrifugam-se as amostras de sangue total a 5000 rpm durante 5 minutos e remove-se o plasma. Em seguida, procede-se à lavagem das células com soro fisiológico e por fim adiciona-se uma solução hemolisante.

Na eletroforese em meio alcalino (pH 8,5), as moléculas de hemoglobina têm uma carga total negativa, pelo que migram em direção ao ânodo (pólo positivo). Esta eletroforese permite separar as hemoglobinas A e A2 e detetar as principais variantes da

hemoglobina (Hb S ou Hb D e Hb C ou Hb E). No entanto, não permite separar a Hb S da Hb D nem a Hb C da Hb E, pelo que deve ser complementada com a eletroforese em meio ácido, que permite diferenciar estas hemoglobinas, bem como separar ainda a Hb A e a Hb F.

Em meio ácido (pH 6,0), as moléculas de hemoglobina estão carregadas positivamente e a sua mobilidade vai depender da interação eletrostática com as moléculas de agar, carregadas negativamente. (35,47,48)

6.4.3. Teste da insolubilidade da Hb S

O teste da insolubilidade da Hb S é um teste qualitativo em tubo para testar a presença de Hb S em amostras de sangue. Em condições de baixa pressão de oxigénio (desoxigenação) a Hb S tem uma solubilidade reduzida, ocorrendo polimerização. Formam-se assim cristais que deformam os eritrócitos, fazendo com que estes adquiram a forma de foice (drepanócitos ou células falciformes).

Este teste baseia-se no facto de a Hb S desoxigenada ser insolúvel numa solução concentrada de tampão fosfato, formando uma suspensão turva. No laboratório de Hematologia é utilizado o kit Sickledex, no qual se utiliza saponina para provocar a lise dos eritrócitos e hidrosulfito de sódio, que vai reduzir a hemoglobina libertada, tornando-a insolúvel no tampão fosfato. Um resultado positivo para a Hb S é indicado por uma suspensão turva, através da qual as linhas do suporte de tubos de ensaio não são visíveis.

O teste da insolubilidade da Hb S é um teste qualitativo e por isso não diferencia entre drepanocitose (indivíduos homozigóticos) e traço falciforme (indivíduos heterozigóticos), no entanto quando é necessário transmitir rapidamente uma resposta ao clínico e os resultados da eletroforese ainda não estão disponíveis, este teste permite fazer um diagnóstico presuntivo.(1,35,49)