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4. Microbiologia

4.1. Exame Cultural

O exame cultural consiste na inoculação dos produtos biológicos em meios de cultura, de forma a promover o crescimento dos microrganismos presentes nas amostras. A cultura de microrganismos tem como objetivos não só a obtenção de um crescimento suficiente dos microrganismos de interesse, mas também o seu isolamento em culturas puras, que é essencial para a identificação e caracterização, bem como para os TSA.

Os meios de cultura utilizados podem ser sólidos (gelose) ou líquidos (caldo). Os meios sólidos permitem a observação de colónias de microrganismos, da sua morfologia e de reações bioquímicas específicas. Os meios líquidos são meios de enriquecimento utilizados para promover o crescimento de bactérias presentes em baixo número, sendo que neste caso o crescimento é detetado através da turvação do meio. (6,7)

A inoculação das amostras nos meios de cultura sólidos pode ser realizada através de diferentes técnicas, consoante o objetivo e o produto biológico. Para a maior parte dos produtos biológicos, é realizada a técnica de sementeira por esgotamento, ou por quatro quadrantes (figura 3), sendo para isso utilizada uma ansa de 10 μL. Esta técnica permite obter colónias isoladas e fazer uma análise semi-quantitativa das colónias no meio de cultura. Para as amostras de urina, é realizada a técnica de sementeira por estrias (figura 3), para a qual é utilizada uma ansa de 1 μL. Esta técnica permite quantificar as colónias existentes no meio, de forma a determinar o número de unidades formadoras de colónias (UFC) por mililitro na amostra. Para além destas, é ainda utilizada a técnica de sementeira por inundação para as amostras de LCR. (7)

O processamento das amostras e inoculação nos meios de cultura é sempre realizado em câmara de fluxo laminar vertical, de forma a proteger o operador dos aerossóis, minimizando a sua exposição, e também os produtos biológicos, protegendo-os de contaminação microbiológica. (6)

Os meios de cultura são escolhidos com base no produto biológico que se pretende semear e nos microrganismos possivelmente envolvidos no processo infecioso. Na tabela seguinte são apresentados os principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia, assim como as suas características.

Tabela 1 - Principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia e respetivas características (7,8)

Meio de Cultura Características

MEIOS SÓLIDOS

Gelose Columbia + 5% de sangue de

carneiro (COS)

- Meio de isolamento que permite o crescimento de microrganismos fastidiosos e a deteção dos diferentes tipos de hemólise: α-hemólise (parcial) - coloração esverdeada à volta das colónias; β-hemólise (total) - zona clara à volta ou por baixo das colónias; γ-hemólise (ausência de hemólise) - sem alterações no meio. - É altamente nutritivo devido à presença de sangue de carneiro e peptonas, sendo adequado para a cultura da maior parte das espécies bacterianas

Gelose Columbia ANC + 5% de

sangue de carneiro (CNA)

- Meio de isolamento seletivo que permite o crescimento de bactérias Gram +. - Contém uma mistura de peptonas adaptada à cultura de microrganismos exigentes, bem como ácido nalidíxico e colimicina, que inibem a maioria das bactérias Gram − e Bacillus.

- O sangue de carneiro permite fazer a determinação do tipo de hemólise Gelose

Chocolate + PolyViteX (PVX)

- Meio de isolamento indicado para o crescimento de estirpes fastidiosas dos géneros Neisseria e Haemophilus, e de Streptococcus pneumoniae.

- Composto por uma base nutritiva enriquecida com fatores X (hemina) e V (NAD), que são fornecidos pela hemoglobina e pelo PolyViteX

Gelose Chocolate + PolyViteX VCAT3 (VCA3)

- Meio seletivo para o isolamento de Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis a partir de amostras polimicrobianas.

- Composto pela mesma base nutritiva do meio PVX.

- A seletividade do meio deve-se à combinação de antibióticos e antifúngicos, que inibem a maior parte das bactérias e das leveduras que não as pesquisadas. Figura 3 - Técnicas de sementeira por quadrantes (esquerda) e por estrias (direita)

Tabela 1 - Principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia e respetivas características

(continuação) (7,8)

Meio de Cultura Características

MEIOS SÓLIDOS Gelose Chocolate

Haemophilus 2 (HAE2)

- Meio seletivo para o isolamento das diferentes espécies de Haemophilus. - Composto pela mesma base nutritiva dos meios PVX e VCA3.

- A seletividade do meio deve-se à combinação de antibióticos e antifúngicos, que inibem a maioria das bactérias Gram + e das leveduras.

Gelose Mac Conkey (MAC)

- Meio de isolamento seletivo e diferencial para a deteção de Enterobacteriaceae em amostras de origem diversa.

- Permite evidenciar a fermentação da lactose através da mudança de cor para vermelho. Colónias lactose (+): rosas a vermelhas, por vezes contornadas por um halo de sais biliares. Colónias lactose (−): incolores ou ligeiramente beges. - Contém cristal violeta e sais biliares, que inibem a maioria das bactérias Gram+

Gelose Hektoen (HEKT)

- Meio seletivo e diferencial para a deteção de espécies de Salmonella e Shigella.

- Tem na sua composição 3 açúcares. Microrganismos fermentadores de pelo menos um açúcar: colónias amarelas ou rosa-amareladas.

- Colónias de Salmonella e de Shigella (não fermentadoras): verdes ou verdes- azuladas. As colónias de Salmonella poderão ou não apresentar um centro negro, devido à produção de sulfureto de hidrogénio (H2S)

Gelose Sabouraud Gentamicina Cloranfenicol 2

(SGC2)

- Meio seletivo para o isolamento de leveduras e fungos a partir de amostras polimicrobianas. A presença de peptonas, dextrose e o pH ligeiramente ácido da gelose favorecem o crescimento dos fungos.

- A gentamicina inibe a maioria das bactérias Gram − e Gram +, e o cloranfenicol melhora a seletividade para determinadas espécies que podem ser resistentes à gentamicina (Streptococcus, Proteus)

Gelose Granada (GRAN)

- Meio de isolamento seletivo utilizado para a identificação direta de Streptococcus agalactiae em mulheres grávidas.

- Colónias de S. agalactiae: cor alaranjada, devido à produção de um pigmento

Gelose Candida chromID (CAN2)

- Meio cromogénico para o isolamento seletivo de leveduras e para a identificação direta de Candida albicans.

- C. albicans: colónias azuis, devido à hidrólise de um substrato cromogénico. - Permite diferenciar culturas mistas onde estão presentes outras espécies de Candida, cujas colónias apresentam cor rosa

Gelose BCYE

- Meio enriquecido utilizado para o isolamento de Legionella.

- Contém: L-cisteína, um aminoácido nutritivo essencial ao crescimento das espécies de Legionella; carvão ativado, que decompõe o peróxido de hidrogénio, um produto metabólico tóxico para estas espécies

Gelose Campylosel

(CAM)

- Meio seletivo para o isolamento de Campylobacter (principalmente C. jejuni e C. coli). As colónias de Campylobacter são pequenas e acinzentadas. - Contém antibióticos e antifúngicos que inibem o crescimento da maior parte das bactérias e fungos

Gelose Mueller Hinton (MHE)

- Destina-se à realização de TSA por difusão em disco e por tiras E-test. - A sua composição permite o crescimento de bactérias não exigentes como Staphylococcus spp., Enterococcus spp., Enterobacteriaceae, entre outros Gelose Mueller

Hinton + 5% sangue de cavalo +

NAD (MHF)

- Destina-se à realização de TSA pelos métodos de difusão em disco e de tiras E-test, de microrganismos fastidiosos (Streptococcus pneumoniae e outras espécies de Streptococcus, Haemophilus e Moraxella)

Tabela 1 - Principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia e respetivas características

(continuação) (7,8)

Meio de Cultura Características

MEIOS LÍQUIDOS Caldo Brain Heart

Infusion (BHI)

- Meio nutritivo que contém tecido cerebral e cardíaco, e peptonas para fornecer proteínas e outros nutrientes necessários ao crescimento de microrganismos exigentes e não exigentes

Caldo de Selenito

- Meio enriquecido para o isolamento de Salmonella spp. e de algumas espécies de Shigella.

- O selenito de sódio inibe o crescimento de outras bactérias Gram + e Gram − presentes em amostras fecais

Caldo Todd- Hewitt

- Utilizado principalmente como meio de crescimento de Streptococcus β- hemolíticos. Contém peptonas, dextrose e sais, sendo altamente nutritivo. - A presença de antibióticos (gentamicina e ácido nalidíxico) inibe o crescimento de bacilos Gram − presentes

Tioglicolato

- Meio de enriquecimento para o crescimento de diversas bactérias aeróbias e anaeróbias.

- O tioglicolato de sódio e a cisteína presentes no meio atuam como agentes redutores. A pequena quantidade de agar adicionada impede a difusão do O2 para o fundo do tubo, permitindo o crescimento de anaeróbios nessa zona

Para que ocorra crescimento de microrganismos, para além dos nutrientes fornecidos pelo meio de cultura, é também necessário fornecer condições ambientais ótimas, sendo a temperatura e a atmosfera de incubação (O2 e CO2) dois dos principais

fatores. Assim, após a inoculação das amostras nos meios de cultura, estes são colocados numa estufa, sendo que as condições de incubação são determinadas pelo tipo de produto biológico e pelos microrganismos que se pretende pesquisar e que poderão ser detetados.

A maior parte dos meios de cultura é colocada numa estufa a cerca de 35°C (a temperatura ótima para o desenvolvimento da maioria dos microrganismos ronda os 35- 37°C, embora para alguns microrganismos a temperatura seja diferente, sendo necessário colocar esses meios de cultura em estufas com temperaturas adequadas) e com uma atmosfera que contém cerca de 5% de CO2, permitindo assim o crescimento dos

microrganismos aeróbios e dos capnofílicos. Para o crescimento dos microrganismos anaeróbios e dos microaerófilos são necessárias atmosferas diferentes, criadas através da utilização de jarras que contêm geradores que permitem criar as atmosferas adequadas.

O tempo de incubação necessário para o crescimento depende dos microrganismos, sendo que, geralmente, os meios de cultura são incubados durante 24-48 horas. No caso dos anaeróbios, o tempo de crescimento pode ser superior, sendo necessária a incubação durante um maior período de tempo. (6–8)

Após a incubação, os meios de cultura são observados e é feita a análise da morfologia das colónias, em que são avaliadas características como o tamanho, cor, forma, aspeto, cheiro e alterações no meio de cultura provocadas pelo crescimento dos microrganismos. A valorização clínica das colónias presentes no meio baseia-se na compreensão da patogenia da infeção nos diferentes locais anatómicos.

Esta avaliação inicial das culturas tem grande importância, pois permite determinar quais os testes e procedimentos necessários para a identificação e caracterização definitivas dos microrganismos de interesse. Para a realização destes testes, assim como para os TSA, são necessárias culturas puras (todas as colónias são idênticas e têm origem na mesma célula parental) dos microrganismos que se pretende identificar. Os microrganismos isolados inicialmente a partir do produto biológico encontram-se muitas vezes em culturas mistas, sendo por isso necessário proceder ao seu reisolamento para outro(s) meio(s) de cultura, de forma a obter culturas puras. (6,8)