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7. Química Clínica

7.5. Função Renal

A creatinina é maioritariamente resultante do metabolismo da creatina e da fosfocreatina no músculo, embora uma pequena parte possa também ser obtida a partir da carne ingerida na alimentação. É libertada para o plasma a uma taxa constante, que é proporcional à massa muscular, e é excretada na urina.

A determinação da creatinina é o parâmetro mais utilizado na avaliação da função renal uma vez que, para além de ser sintetizada a uma taxa constante, é livremente filtrada pelo glomérulo e não é reabsorvida nos túbulos renais, sendo que apenas uma pequena parte é secretada por estes. Assim, o doseamento da creatinina no soro é utilizado para avaliar a função renal tanto no que se refere à severidade da lesão como à progressão da doença renal, dado que a sua concentração é inversamente proporcional à taxa de filtração glomerular (TFG).

No entanto, a concentração da creatinina é afetada pela massa muscular, pela alimentação (ingestão de carne) e por determinados fármacos, entre outros fatores e, para além disso, os seus níveis não aumentam de forma detetável até que haja uma lesão significativa da função renal. Desta forma, a creatinina é um marcador de lesão renal pouco sensível, pelo que deve ser determinada a clearance da creatinina, que é um indicador mais sensível da TFG. (1,16,18)

A clearance da creatinina mede a velocidade a que a creatinina é removida do sangue pelos rins (normalmente expressa em mL/min) e a sua determinação é utilizada para calcular a TFG. Para a determinação da clearance da creatinina, para além da amostra de soro, é necessária uma amostra de urina de 24 horas. Esta é calculada a partir da seguinte fómula: (18)

Clearance creatinina (mL/min) = Ucreatinina (mg dL⁄ ) x Vurina (ml)

Pcreatinina (mg dL)⁄ x 1440 (min)

Ucreatinina – concentração da creatinina na urina Vurina – volume excretado durante as 24h Pcreatinina – concentração da creatinina no soro

Ureia

A ureia resulta do catabolismo das proteínas e aminoácidos. É sintetizada no fígado e é predominantemente eliminada pelos rins. A determinação da concentração da ureia no soro é utilizada para avaliar a função renal, sendo útil no diagnóstico de doença renal e na monitorização da eficácia da diálise.

Um valor aumentado de ureia no soro designa-se azotemia e pode resultar de causas pré-renais, renais e pós-renais. A análise da ureia é feita normalmente em conjunto com a creatinina sérica, o que permite diferenciar a causa de azotemia em pré-renal, renal ou pós- renal. (16,18)

Ácido Úrico

O ácido úrico é o principal produto do catabolismo das purinas (adenosina e guanina), que ocorre no fígado. É maioritariamente eliminado pelos rins, embora após a filtração no glomérulo seja reabsorvido quase na totalidade nos túbulos proximais.

A determinação da concentração do ácido úrico no soro é utilizada no diagnóstico de doenças hereditárias do metabolismo das purinas, no diagnóstico e monitorização do tratamento de gota, como auxiliar no diagnóstico de cálculos renais e ainda na avaliação da função renal. (16,18)

7.6. Função Hepática

Aminotransferases – AST e ALT

As aminotransferases aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) são enzimas amplamente distribuídas no organismo, sendo que a AST está presente no coração, fígado, músculo esquelético e rins, enquanto a ALT está principalmente presente no fígado e também nos rins. A AST e a ALT são enzimas celulares, pelo que quando ocorrem danos nos tecidos onde elas se encontram, estas são libertadas para o plasma, verificando-se um aumento da sua concentração.

O doseamento destas duas enzimas no soro é utilizado na avaliação da função hepática, sendo que a ALT é a mais específica do fígado e níveis elevados da sua atividade raramente são encontrados noutras patologias que não as hepáticas. Na maior parte das patologias hepáticas a atividade da ALT é superior à da AST, nomeadamente nas patologias agudas. No entanto, em patologias como a hepatite alcoólica, cirrose hepática e ainda em neoplasias do fígado, os níveis da atividade da AST são superiores aos da ALT. (16,18)

Fosfatase Alcalina

A fosfatase alcalina (ALP) é uma enzima que está presente na maior parte dos tecidos do organismo, encontrando-se em concentrações particularmente elevadas no fígado, osso, rim e intestino. A determinação da ALP no soro tem particular valor clínico no estudo de patologias hepatobiliares e ósseas.

No que diz respeito às patologias hepatobiliares, verificam-se valores de ALP mais elevados nas patologias obstrutivas do que nas hepatocelulares. As patologias obstrutivas podem ser intra ou extra-hepáticas, sendo que nestas últimas os valores de ALP estão normalmente mais aumentados. (16,18)

γ-glutamiltransferase

A γ-glutamiltransferase (GGT) é uma enzima que está presente principalmente no rim, fígado, pâncreas e intestino. Embora o rim apresente a concentração mais elevada de GGT, a enzima que está presente no soro tem origem essencialmente no sistema hepatobiliar, pelo que o doseamento da GGT no soro é utilizado no estudo das patologias hepatobiliares, constituindo um indicador sensível das mesmas.

À semelhança da ALP, a atividade da GGT é mais elevada em situações de obstrução biliar intra ou extra-hepática, do que nas patologias hepatocelulares. Para além destas patologias, valores aumentados de GGT podem também ser encontrados em casos de alcoolismo. (16,18)

Bilirrubina Total e Direta

A bilirrubina é um pigmento da bílis que deriva maioritariamente (cerca de 85%) do metabolismo do heme da hemoglobina libertada pela destruição dos eritrócitos senescentes. Os restantes 15% da bilirrubina produzida resultam do catabolismo de outras

fígado ligada à albumina, dado que é insolúvel em água - bilirrubina não conjugada. No fígado, a bilirrubina é conjugada com ácido glucorónico – bilirrubina conjugada – e é excretada na bílis e lançada no intestino onde é hidrolisada.

No laboratório é feito o doseamento da bilirrubina direta (conjugada) e da bilirrubina total, que corresponde à soma da bilirrubina direta e da indireta (não conjugada). Os níveis de bilirrubina direta estão aumentados principalmente em situações de obstrução biliar devido a cálculos biliares ou a tumores, mas também em patologias nas quais ocorre lesão hepatocelular, como por exemplo a hepatite (viral, tóxica). Por sua vez, concentrações aumentadas de bilirrubina indireta podem ser encontradas nas anemias hemolíticas, em patologias do metabolismo da bilirrubina como a síndrome de Gilbert e também em situações de lesão hepatocelular. (1,16,18)

7.7. Função Pancreática

Amilase

A amílase é uma enzima que catalisa a hidrólise do amido e do glicogénio. Está presente em vários órgãos e tecidos, embora se encontre em maior concentração no pâncreas e nas glândulas salivares. A determinação da amilase no soro é útil no diagnóstico de pancreatite aguda, onde se verificam concentrações aumentadas. Contudo, valores elevados de amílase podem também ocorrer noutras patologias intra-abdominais e em lesões das glândulas salivares, pelo que a determinação desta enzima não é um teste específico de pancreatitie aguda. (16,18)

Lipase

A lipase é uma enzima que hidrolisa os ésteres de glicerol dos ácidos gordos de cadeia longa. Encontra-se em maior concentração no pâncreas e o seu doseamento no soro é utilizado no diagnóstico de pancreatite aguda. À semelhança da amílase, concentrações aumentadas de lipase podem também ser encontradas noutras patologias intra-abdominais, no entanto, e apesar de os níveis de ambas as enzimas aumentarem rapidamente, a lipase permanece elevada durante mais tempo, pelo que é considerada um indicador mais específico de pancreatite aguda do que a amilase. (16,18)

7.8. Ionograma

Os eletrólitos estão envolvidos em vários processos biológicos essenciais, tendo como funções a manutenção da pressão osmótica, a regulação da distribuição da água no organismo e a regulação da função muscular, entre outras.

O ionograma consiste na avaliação de três dos principais eletrólitos, o sódio (Na+), o potássio (K+) e o cloro (Cl-), uma vez que a determinação da sua concentração permite obter informações mais relevantes acerca do equilíbrio eletrolítico do organismo. (16)

Sódio

O sódio é o principal catião do líquido extracelular e os seus níveis sanguíneos são regulados pelo sistema renal, sendo que cerca de 60 a 75% do Na+ é reabsorvido nos túbulos proximais e o restante é excretado na urina.

Concentrações séricas diminuídas de Na+ (hiponatremia) podem ocorrer devido a uma perda aumentada (diminuição da produção de aldosterona, uso de determinados diuréticos, nefropatia, vómito prolongado), à retenção de água (insuficiência renal, cardíaca) ou a uma ingestão excessiva de água. Por outro lado, situações de hipernatremia podem resultar de uma perda aumentada de água em relação à perda de Na+ (diabetes insipidus, patologia tubular renal, queimaduras severas), de uma ingestão diminuída de água, ou ainda de uma ingestão ou retenção excessivas de Na+ (administração de soluções de sódio hipertónicas, hiperaldosteronismo). (16,18)

Potássio

O potássio (K+) é o principal catião intracelular e desempenha funções essenciais na contração do músculo esquelético e cardíaco, bem como na regulação do volume do líquido intracelular. A sua concentração no plasma é regulada pela função renal e pela ação da aldosterona.

Concentrações séricas diminuídas de K+ (hipocaliemia) podem ser causadas por perdas gastrointestinais (vómitos, diarreia), perdas urinárias (patologias renais), por uma redistribuição do K+ extracelular para o líquido intracelular, ou por uma ingestão insuficiente de potássio. A hipercaliemia pode ocorrer devido a uma excreção de K+ diminuída (insuficiência renal aguda ou crónica, diuréticos), a uma redistribuição do K+ ou a uma ingestão aumentada. (16,18)

Cloro

O cloro (Cl-) é o principal anião extracelular e, tal como o sódio, está envolvido na manutenção da distribuição da água, da pressão osmótica e do balanço de aniões e catiões no líquido extracelular. O Cl- é filtrado pelo glomérulo e depois reabsorvido passivamente nos túbulos proximais, sendo que o excesso é excretado na urina e também no suor.

A concentração de Cl- no plasma normalmente acompanha a do Na+ pelo que, de uma maneira geral, as causas de hipocloremia e hipercloremia são as mesmas da hiponatremia e hipernatremia, respetivamente. Contudo, a hipocloremia pode também resultar de situações de alcalose metabólica. Por sua vez, a hipercloremia pode também ocorrer na acidose metabólica. (16,18)

7.9. Função Cardíaca

Creatina Cinase (CK)

A creatina cinase é uma enzima que está presente em diversos tecidos do organismo, principalmente no músculo esquelético, músculo cardíaco e no cérebro. Esta enzima apresenta três isoenzimas: a CK-MM, que se encontra sobretudo no músculo esquelético e no coração; a CK-MB, encontrada principalmente no miocárdio; e a CK-BB, a isoenzima predominante no cérebro. Em indivíduos saudáveis, a atividade da CK no soro deve-se quase na totalidade à CK-MM.

Assim, valores séricos elevados de CK verificam-se quando ocorre lesão do músculo esquelético, particularmente em casos de distrofia muscular, ou do músculo cardíaco, constituindo um indicador de EAM. Contudo, a CK é um marcador de EAM pouco específico, uma vez que a sua atividade está aumentada noutras patologias, pelo que é necessário realizar a determinação de outros marcadores cardíacos. (16,18)

Mioglobina

A mioglobina é uma proteína transportadora de oxigénio que se encontra presente no músculo esquelético e cardíaco. A determinação da sua concentração no soro é utilizada no diagnóstico ou na exclusão de EAM. A mioglobina constitui um marcador precoce de EAM, uma vez que os seus níveis séricos são os primeiros a aumentar, cerca de 2 a 3 horas após o início dos sintomas. No entanto, a mioglobina não é um marcador cardíaco

específico, dado que também está aumentada em determinadas patologias musculares, pelo que deve ser avaliada em conjunto com outros marcadores cardíacos. (16,18)

Troponina T

A troponina é um complexo de três proteínas (troponina T, I e C) que se encontram ligadas à actina do músculo cardíaco e do músculo esquelético, e que têm como função regular a contração muscular. A determinação sérica das troponinas é utilizada no diagnóstico de EAM, sendo que apenas a troponina T e a troponina I são específicas do músculo cardíaco. As troponinas constituem o marcador cardíaco de eleição para o diagnóstico de EAM, uma vez que apresentam uma elevada sensibilidade e especificidade para a deteção de lesão do miocárdio e, para além disso, os seus níveis mantêm-se elevados durante vários dias. (16,18)

No laboratório de Química Clínica é feito o doseamento da Troponina T, cuja concentração no soro começa a aumentar poucas horas após o início dos sintomas, permanecendo elevada durante 7 a 10 dias.

7.10. Marcadores de Anemia

Ferro

O ferro é um elemento essencial para o organismo, uma vez que participa em diversos processos vitais, como o transporte de oxigénio e as reações oxidação-redução. É obtido através da alimentação na forma férrica (Fe3+), sendo reduzido à forma ferrosa (Fe2+) para que possa ser absorvido no intestino. Após ser absorvido, é transportado no plasma pela transferrina. A maior parte do ferro do organismo está incorporado na hemoglobina e também na mioglobina, sendo que o restante se encontra armazenado na forma de ferritina e de hemossiderina.

A determinação da concentração sérica do ferro é utilizada no estudo das alterações do metabolismo do ferro, sendo principalmente útil no diagnóstico diferencial e monitorização de anemias. Valores diminuídos de ferro ocorrem em situações de ferropenia, com ou sem anemia associada, e em patologias inflamatórias crónicas. Concentrações séricas de ferro aumentadas podem ser observadas em patologias nas quais há um excesso de ferro, como a hemocromatose, em patologias hepáticas agudas e ainda

Ferritina

A ferritina é uma proteína que está presente na maior parte das células e constitui a reserva de ferro rapidamente mobilizável do organismo. O doseamento da ferritina no soro permite avaliar a quantidade de ferro armazenado no organismo. Níveis de ferritina diminuídos constituem um indicador sensível de deficiência de ferro, uma vez que a sua concentração começa a diminuir numa fase inical do desenvolvimento deste estado. Por outro lado, valores elevados podem ser observados em doentes com hemocromatose, bem como em diversas patologias inflamatórias e infeciosas agudas, dado que a ferritina é uma proteína de fase aguda. (16,18)

Vitamina B12

A vitamina B12 (ou cobalamina) é essencial para a hematopoiese, participando na síntese de DNA. É obtida através da alimentação e é absorvida no íleo, através do complexo formado pela ligação ao fator intrínseco, sendo depois armazenada no fígado.

O principal interesse clínico da determinação da vitamina B12 no soro está relacionado com o estudo de alterações hematológicas associadas à deficiência desta vitamina, como a anemia megaloblástica. O défice de vitamina B12 pode resultar de uma absorção diminuída, principalmente devida a uma produção deficiente de fator intrínseco (anemia perniciosa), mas também à má absorção intestinal causada por outras patologias, ou pode resultar de uma ingestão alimentar insuficiente desta vitamina. (16,18)

Folatos (Ácido Fólico)

Os folatos, nos quais se inclui o ácido fólico, são uma família de compostos que atuam como coenzimas em diversas reações metabólicas. Estes intervêm na síntese do DNA, sendo por isso importantes na eritropoiese. São obtidos através da alimentação e absorvidos no intestino.

À semelhança da vitamina B12, défices de ácido fólico estão também na origem de anemias megaloblásticas. Concentrações séricas diminuídas de folatos podem resultar de uma má absorção intestinal, de uma ingestão insuficiente ou de uma necessidade acrescida de folatos como na gravidez, entre outros. (16,18)

7.11. Metabolismo Ósseo e Mineral