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Estudo empírico: Metodologia, objectivos, hipóteses, amostra; descrição e procedimentos de adaptação

1. Metodologia

Ao longo do presente capítulo iremos apresentar quer a metodologia privilegiada para a persecução do objectivo genérico sobre o qual assenta a construção deste trabalho, bem como a especificação do mesmo em termos de objectivos específicos e da construção de hipóteses que tiveram por base a grelha de leitura teórica da vinculação (Ainsworth, 1967, 1969a e b, 1982, 1988, 1989 a e b, Ainsworth, Blehar, Watters & Wall, 1978;Ainsworth & Bowlby, 1991; Bowlby, 1958,1969/1990, 1973/1998a, 1973/1998b, 1979, 1988).

Consideraremos a vinculação enquanto processo desenvolvimental, isto é, enquanto sistema que se vai transformando de acordo quer com as exigências do próprio desenvolvimento pessoal57, quer com a capacidade das estruturas cognitivas pessoais, mas

também de acordo com o desenvolvimento emocional do sujeito e do próprio meio envolvente (tendo em conta a estabilidade emocional deste meio ou a existência de condições que os alterem, falámos dos acontecimentos de vida). Em conjunto, estas dimensões poderão permitir a revisão dos modelos pessoais adquiridos na infância com os prestadores iniciais de cuidados no sentido ou da manutenção ou da mudança das estruturas pessoais (ou modelos de si e do outro). Ao mesmo tempo, são oportunidades de generalizar estes modos de funcionamento a outras relações (Ainsworth, 1989; Bowlby, 1977a e b, 1979) ou, pelo contrário, inverter o sentido da segurança adquirida inicialmente, quer pela especificidade do contexto relacional com pares ou par amoroso, quer, no caso da insegurança pessoal inicial, como alternativa de segurança (Allen, 2001; Bartholomew, 1990; Bartholomew & Horowitz, 1991; Hazan & Shaver, 1987, 1994; Hazan & Zeifman, 1994, 1999).

O modelo de Kim Bartholomew foi aliás uma grelha de leitura que privilegiamos neste trabalho (vide Figura 3), já que inclui uma análise dimensional em conjunto com uma análise categorial, permitindo contemplar o sujeito psicológico em diferentes posicionamentos relativamente ao quadrante categorial onde se insere no momento actual. Diferentes

57 Referimo-nos aqui ao indivíduo psicológico enquanto solicitador e receptor de cuidados na infância para um papel de solicitador e receptor mas também de prestador de cuidados ao nível de diferentes relações já na adolescência e adultícia (simétricas, de afiliação e amorosas mas também assimétricas ou parentais).

estudos que o utilizaram permitiram verificar empiricamente a sua aplicabilidade em diversas faixas etárias58 e em diferentes contextos relacionais (pais, pares e par amoroso).

FIGURA 3.

Modelo bidimensional e protótipos de vinculação adulta de Kim Bartholomew

Desinvestidos Amedrontados Preocupados Modelo do Self (Ansiedade) Seguros M od el o do O ut ros ( E vi ta m ento )

Positivo (baixo) Negativo (alto)

Negativ o ( baix o ) P o si tiv o (a lto) S S S S S S S P P P P P P P D D D D D D D A A A A A A A Desinvestidos Amedrontados Preocupados Modelo do Self (Ansiedade) Seguros M od el o do O ut ros ( E vi ta m ento )

Positivo (baixo) Negativo (alto)

Negativ o ( baix o ) P o si tiv o (a lto) S S S S S S S P P P P P P P D D D D D D D A A A A A A A

(Adapt.: Griffin & Bartholomew, 1994a e b)

Dada a utilização neste trabalho deste quadro conceptual como grelha de leitura e como referência de muitos dos procedimentos estatísticos que efectuamos, segue-se uma breve descrição de cada um dos Protótipos de Vinculação sugeridos pelo modelo de Bartholomew. Estas descrições têm por base quer o que se apresenta na Peer Attachment

Interview (Bartholomew, 1996), quer em artigos (Bartholomew, 1990; Bartholomew e

Horowitz, 1991) quer ainda nos documentos que são disponibilizados na página do laboratório dirigido pela própria Kim Bartholomew na Simon Fraser University (Bartholomew's Research Lab; http://www.sfu.ca/psyc/faculty/bartholomew/research/).

58 Embora este modelo teórico tenha sido testado para a adultícia Kim Bartholomew assumiu já a relevância da sua aplicabilidade na faixa etária adolescente. “The four-category model of attachment was developed to describe the attachment characteristics of adult/young adult close peer relationships (Bartholomew, 1990; Bartholomew & Horowitz, 1991). The RQ and RSQ were not designed to assess the attachments of young children, nor were these measures designed to assess adults' retrospective childhood attachment to their parents. However, researchers have revised these measures and created versions to use with adolescent samples. Dr. Elaine Scharfe at Trent University has adapted these measures for use with an adolescent population. Since the RSQ tends to evidence low internal consistency in both the adult and adolescent versions (see Griffin & Bartholomew, 1994 for a discussion), we suggest if you are using a self-report approach that you collect multiple measures (e.g., IPPA & RSQ) from multiple sources (e.g., child, parent, & teacher).” (Bartholomew, 2006, www.sfu.ca/psyc/faculty/bartholomew).

Protótipo Seguro

Os sujeitos que se encontram no quadrante seguro (Secure) definem-se por apresentarem níveis de coerência e autoconfiança de moderados a elevados, uma abordagem positiva aos outros circundantes e ainda por deterem graus elevados de intimidade nos seus relacionamentos. As representações internas de si e dos outros são claramente positivas. O passado relacional é avaliado de forma realista e integrado na forma actual de funcionamento como uma oportunidade de aprendizagem crítica. Os sujeitos seguros tendem a utilizar estratégias de coping activas que incluem o recurso aos outros como fonte de apoio em situações ansiogénicas. São indivíduos moderados em termos emocionais, não dependendo apenas do seu/sua parceiro(a) relacional (quer se trate de um par, par amoroso ou elemento parental), mas antes buscando novos laços para a sua rede social afectiva. Tendem a orientar-se para a Procura de proximidade, sendo capazes de se

exporem perante os outros íntimos. As suas relações são caracterizadas pelas qualidades

da mutualidade, intimidade e pelo envolvimento.

Protótipo Preocupado

Os indivíduos caracterizados no modelo como Preocupados (Preoccupied) são

consumidos pelos relacionamentos. Por norma incoerentes, tendem a endeusar as suas

relações; são habitualmente altamente dependentes dos outros na busca de auto-estima e por isso mesmo orientados para as relações com os outros. Excessivamente expressivos, estes indivíduos apresentam-se com discursos muito elaborados porém incongruentes. Alternam na descrição dos outros entre o divinizada e o desvalorizada, despoletando em quem os ouve sensações de falta de objectividade. As suas estratégias de resolução de problemas implicam quase sempre o recurso aos outros. A confiança em si mesmos é extremamente baixa e quando sujeitos a situações de separação, exibem normalmente graus elevados de ansiedade. Muitíssimo exigentes nos seus relacionamentos, procuram activamente companhia e atenção, experimentando contudo sentimentos de falta de valorização pessoal por parte dos outros. As relações amorosas têm uma primazia na vida pessoal dos Preocupados. Tentam um envolvimento total com contornos sufocantes, e parece estarem sempre apaixonados, como numa tentativa de nunca se encontrarem sós. Ciúme e possessividade caracterizam os relacionamentos destes sujeitos e é patente um modelo de si que impende para a negatividade e um modelo dos outros no extremo da positividade.

Protótipo Desinvestido

Os sujeitos Desinvestidos (Dismissing) são aqueles que apresentam uma representação de si próprios positiva e um modelo negativo dos outros. Crentes nas suas capacidades, desvalorizam activamente o papel dos relacionamentos nas suas vidas.

Apresentam-se emocionalmente frios, racionais e distantes, dando ao exterior uma imagem de arrogância. As suas estratégias de resolução de problemas são na maioria das vezes a defensibilidade e o evitamento relacional. A desvalorização ou a supressão dos sentimentos pessoais são visíveis no seu comportamento. De si próprios apresentam um sentido de autoconfiança que varia do moderado ao elevado e, quanto ao que os outros pensam deles, quase sempre afirmam não ser de importância apesar de considerarem que as opiniões que deles formam são na sua maioria negativas. Quase não se observa a componente de

Protesto de separação nestes sujeitos e a Procura de proximidade é também baixa. Os

relacionamentos pessoais tendem a ser muito pobres em termos de proximidade emocional, intimidade e expressividade pelo que a contenção é algo que lhes é particularmente característico.

Protótipo Amedrontado

Finalmente, no extremo das representações negativas quer de si quer do outro, agrupam-se os sujeitos Amedrontados (Fearful). O medo da rejeição parece ser a razão para o evitamento da intimidade, e a ambivalência entre querer e recear a intimidade com outros enraízam-se na falta de confiança pessoal. Vulnerabilidade, falta de confiança e insegurança são adjectivações que definem de modo adequado estes sujeitos. As suas estratégias de coping são na maioria dos casos ruminativas, não procurando a proximidade e o conforto dos outros. Imaginam que a representação que dele fazem, é a de alguém ausente de qualidades, imagem acrescida com especificidades negativas e desvalorizantes. Caracteristicamente dependentes nas suas relações de intimidade, dificilmente as iniciam e só o fazem quando têm a certeza de que não serão rejeitados, o que raramente acontece.

Retomando de novo as questões metodológicas mais puras, este estudo recorreu a uma metodologia de recolha de dados transversal e quantitativa como forma de observar a realidade adolescente no que respeita à leitura das representações de vinculação nas relações com pais, pares e par amoroso.

Simpson e Rholes (1998) e Bartholomew e Shaver (1998) chamaram a atenção para as duas tradições de avaliação da vinculação na adultícia, ao afirmarem que a componente

diferenças individuais advém da Situação Estranha de Ainsworth, existindo a partir dela

duas vertentes: a tradição da família nuclear, com as correspondentes medidas baseadas na Adulta Anexo Intervier (Gere, Kansas & Main, 1985) e a tradição dos pares/par amoroso, com o seu correlato nos instrumentos de auto-relato. Segundo os primeiros autores as tradições são relevantes para diferentes componentes dos modelos internos dinâmicos/estruturas representacionais em diferentes níveis de consciência, focando a sua análise nas vantagens de um e de outro método, não rechaçando contudo nenhum deles.

Os segundos investigadores avançam também para a convergência de métodos, pese embora afirmem das diferenças encontradas ao nível quer do domínio relacional considerado, quer do método quer ainda, do tipo de abordagem considerada (dimensionalidade versus categorização).

Confirmando empiricamente as posições referidas estão Griffin e Bartholomew (1994a) que, ao utilizarem cinco métodos de avaliação da vinculação adulta, concluíram que “ (…) as duas dimensões subjacentes à vinculação podem ser avaliadas com confiança por medidas de auto-relato.” (Griffin & Bartholomew, 1994a, p. 443).

Dado que a inflexão teórica é a de que a escolha da metodologia de avaliação das relações de vinculação deverá ter em linha de conta o domínio (família, pares e/ou par romântico) e a dimensionalidade (categorias, protótipos, classificações ou dimensões), bem como a fidelidade dos instrumentos, cabe ao investigador a escolha entre instrumentos de auto-relato altamente confiáveis ou uma metodologia mista de entrevista e medidas de auto- relato (vide Bartholomew & Shaver, 1998). As entrevistas são um terceiro método válido a ter em conta, pese embora seja moroso e oneroso.

Nesta investigação optou-se pela metodologia quantitativa já que dois dos domínios a estudar eram justamente os dos pares/amigos e par amoroso, sendo um estudo experimental, correlacional e causal-comparativo. O desenho é transversal, abordando idades entre os 13 e os 23 anos. Presidiu à escolha de cada instrumento de avaliação a replicabilidade e robustez estatística dos mesmos. Uma outra consideração foi a necessidade de recurso a metodologias que oferecessem tanto qualidades fidedignas, quanto características ao nível da economia de administração e tratamento dos dados. Temos vindo a assistir por parte da investigação empírica a esforços no sentido de garantir estes objectivos. Se Hazan e Shaver (1987), pese embora com limitações ao nível metodológico, levantaram a possibilidade de avaliar a vinculação amorosa em adolescentes e adultos utilizando medidas de auto-relato, Brennan, Clark e Shaver (1998) realizaram um estudo donde resultou o Experiences in Close Relationships (ERI), um instrumento de auto- relato que por ser construído a partir de diferentes questionários, e detendo uma consistência interna elevada, poderia vir a revelar-se um instrumento mais fiável e válido que os que lhe deram origem. Estes autores pretenderam deste modo a utilização de uma medida de auto-relato comum, cientes que estavam da impossibilidade para a maioria dos investigadores de utilizarem entrevistas como meio de avaliação da vinculação.

Na medida em que também as relações de vinculação aos pais, bem como as hierarquias de vinculação, a auto-estima e acontecimentos de vida serão avaliados neste trabalho, optou-se por manter a metodologia quantitativa, observando contudo os critérios já indicados no que concerne ao vigor estatístico e à replicação extensa dos instrumentos.