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3.3 Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar

3.3.2 Estudos de narrativas em LA

A escrita tornou-se então fluida, e tanto que às vezes me sentia escrevendo pelo puro prazer de narrar, que é talvez o estado humano que mais se parece à levitação. Gabriel García Márquez. Embora o meu conceito de ―narrativa‖ já tenha sido apresentado e debatido em páginas prévias, cabe ainda alguns apontamentos mais teóricos. Afinal, cada época conta com determinadas formas narrativas (BARTHES, 2011; MOTTA, 2013), e as sociedades narram e são narradas em razão do contexto sócio-técnico discursivo que lhes acompanha. A exemplo disso, cabe considerar: se na Era Pré-Moderna o narrar podia ser entendido como emergência de uma prática ―artesanal‖, muito atrelada a interações específicas e orais, com a Modernidade, as formas e os meios de narração se complexificam e proliferam, ocupando inclusive espaços nos quais não cabiam outrora. É nesse sentido que, hoje, há múltiplos modos de produção e difusão de narrativas – de si e do outro – em formas mais dinâmicas, rizomáticas e em escalas de abrangência que podem ser globais, abertas e de fácil acesso, atreladas a diversos suportes midiáticos (VIÇOSA et al., 2019; COSTA; PICCININ, 2020).

Assim, é imperativo situar o que se entende por ―narrar‖ em um determinado tempo-espaço e em um determinado viés teórico-metodológico, dentro de uma abordagem científica. O objetivo é evitar ambiguidades sobre o termo ―narrativa‖, já empregado em tantos campos do saber (a Comunicação Social, a História, a Antropologia, a Literatura, a Linguística...) e com conotações por vezes tão distintas.

A experiência narrativa está presente em (e é própria de) cada tempo e sociedade (BARTHES, 2011), e a sociedade – essa grande aldeia global permeada de conexões em rede – conta com inúmeras ferramentas (tecnológicas, semióticas, multimodais) e estratégias para a complexificação das narrativas, que vão desde o rompimento da lógica linear cheia de hierarquizações (no passado) até as hibridizações das formas de narrar-se (na atualidade), conforme já assinalado em Costa e Piccinin (2020). Portanto, os debates sobre a complexificação da narrativa contemporânea não podem desconsiderar as atuais ―múltiplas plataformas midiáticas geradas pelos avanços tecnológicos" (PICCININ, 2012, p. 77), nem a imersão desses modos ―de ser e de fazer do indivíduo contemporâneo‖. Tais plataformas,

além de não cristalizarem-se umas sobre outras, na verdade apresentam como característica, no lugar de hierarquia ou diferenciação, a hibridação geradora de inovações nesse exercício de contar histórias. Um movimento que, na verdade, já começa com o surgimento da linguagem audiovisual ainda na virada do século XIX para o XX. Primeiro com a fotografia e depois com o cinema. Mais tarde o rádio, a televisão e a internet durante os séculos XX e XXI, no que vai se denominar era da imagem, vão mostrar que essas mídias produzem continuamente intersecções que ganham força na atualidade, neste diálogo gerado entre os formatos narrativos ditos canônicos e os novos jeitos e maneiras de contar. Estão ancorados em suportes também inovadores, ainda que preservem e mantenham o que é perene de fato: a arte de contar histórias como uma necessidade intrínseca da humanidade (PICCININ, 2012, p. 77).

Todos esses elementos apontados até aqui contribuem para a configuração de um novo paradigma científico quanto aos estudos da narrativa na LA. As implicações desse paradigma emergente – que não é balizado pela ideia de ―olhar para algo novo‖, mas sim de ―olhar de um novo modo para algo que já estava lá‖ (isto é, a ação de narrar) – estão presentes em estudos prévios da seara de LA sobre narrativas de professores de línguas.

Um primeiro estudo que faço questão de mencionar quanto a essa perspectiva emergente sobre a narrativa é de autoria de Paiva (2005a). Tal estudo foi desenvolvido a partir de 100 narrativas de aprendizes de línguas coletadas e armazenadas no repositório do projeto ―Aprendendo com Memórias de Falantes e Aprendizes de Línguas Estrangeiras‖ (AMFALE21). Tal projeto reúne pesquisadores interessados em investigar aspectos diversos dos processos de aquisição e de formação de professor de línguas estrangeiras através de narrativas de aprendizagem. Além da própria professora Vera Paiva, outros pesquisadores (juntamente a seus orientandos) fazem estudos a partir dessas autonarrativas.

Destaco, aqui, esse trabalho de Paiva (2005a) também em função de seu referencial teórico, o Pensamento Complexo, e de dois pressupostos que me respaldam na minha pesquisa: 1) as narrativas de aprendizagem de língua inglesa (no caso da pesquisa da

professora Vera Paiva) revelam como os narradores se adaptam a diferentes situações e contextos de ensino e aprendizagem, se adaptando ao meio; e 2) esses mesmos sujeitos narradores, em vez de, passivamente, aceitarem as limitações curriculares das escolas e das práticas de ensino de línguas, desenvolvem suas próprias estratégias, exercem sua autonomia e tornam-se autores de suas próprias histórias de aprendizagem e, eu acrescento, de vida.

Outro estudo digno de menção é o de Fontana (2015), que versa sobre as dinâmicas de afeto e de conflito de um grupo constituído por professores em formação na EaD (o mesmo contexto de pesquisa que o meu), também na perspectiva do Pensamento Complexo. Debruçando-se sobre narrativas (memoriais autobiográficos) de alunos que concluíram o curso de Letras - Espanhol e Literaturas EaD (UFSM-UAB) em 2013, Fontana (2015) realizou uma pesquisa exploratória em que identifica a potência do conflito: apesar de não ser encarado como algo desejável, o conflite serve como potencial mantenedor do sistema social complexo, pois tem o poder de estimular novas maneiras de pensar a criação de estratégias inovadoras de trabalho e novas dinâmicas de interação entre as pessoas.

A inovação decorrente do conflito funciona como força neguentrópica, que se contrapõe à entropia ou perda de energia sistêmica, contribuindo para a longevidade desse sistema e para a obtenção de resultados positivos em termos pedagógicos. Essas conclusões tendem a contribuir com a compreensão sobre as dinâmicas das relações na Educação a Distância, permitindo aos seus professores uma percepção maior sobre a importância das interações humanas que se descortinam por detrás dos computadores (FONTANA, 2015, p. 8).

Um terceiro trabalho que destaco é a recente obra organizada por Gomes Júnior (2020):

Pesquisa narrativa: histórias sobre ensinar e aprender línguas. Partindo do pressuposto de

que nossas narrativas (sejam reais, sejam ficcionais) guiam, transformam, influenciam e colorem a nossa vida, o organizador do livro conecta oito capítulos que, em comum, apontam para a ideia de que ―Narramos quando aprendemos; e aprendemos quando narramos‖ (GOMES JÚNIOR, 2020, p. 11). Em sinergia com as atuais perspectivas teórico-metodológicas dos estudos em LA, incluindo o Pensamento Complexo, os textos que compõem o livro abordam diversos conceitos, princípios e direcionamentos da pesquisa (de) narrativa internacional e brasileira: a formação de professores de línguas e a questão da identidade de docentes, as narrativas de aprendizes de línguas, as reflexões epistêmicas, as narrativas multimodais etc.

Ao reler esses e outros trabalhos com base em autonarrativas de professores de línguas à luz do Paradigma da Complexidade, noto semelhanças entre eles e alguns dos estudos do GAIA, o qual tem elaborado nos últimos anos um aparato teórico-metodológico fortemente respaldado pela Biologia da Cognição (MATURANA; VARELA, 1998; 2001), pelo

Pensamento Complexo (MORIN, 2015) e por uma série de pensadores que nos ajudam a superar uma visão pragmática-reducionista do ato de narrar. Dentre tais pensadores, destaco von Foerster (2003), cuja obra me permite argumentar o seguinte: se a pesquisa clássica descreve o mundo ―lá fora‖ como algo objetivo e independente do sujeito que o observa, é necessário pensar, agora, uma teoria do observador como um ser vivo incluído, implicado na ação de observar (VON FOERSTER, 2003). Tal percepção parece estar em acordo com a visão de Maturana e Varela (2001) sobre o mundo composto a partir da perspectiva do observador, e pode (talvez deva) ser trazida para o campo dos estudos das narrativas pedagógicas na contemporaneidade (COSTA; PICCININ, 2020).

Com efeito, as lentes teóricas do Paradigma da Complexidade e da Biologia da Cognição defendem a impossibilidade de realidades externas independentes ao sujeito (PELLANDA; BOETTCHER, 2017). Isso, por sua vez, assemelha-se à perspectiva de narratologia defendida por Motta (2013), que entende que ―o mundo cultural passa a existir na medida em que nós falamos sobre ele, nós o relatamos e construímos‖ (MOTTA, 2013, p. 83). Assim, a invenção do mundo se dá pela invenção do ―eu‖. De igual forma, a narração e o que é narrado inexistem sem o narrador (COSTA; PICCININ, 2020). Por isso que a perspectiva histórica da aversão à narração de educadores, malvista e invalidada, inclusive pela presença ―do próprio punho‖ do educador/escritor (PRADO; SOLIGO, 2007), deve ser ressignificada. Toda narrativa docente, escrita com o próprio punho ou oralizada, ou manifestada por qualquer outro meio, demanda a presença e a existência do educador enquanto narrador. Tal presença se dá no arranjo da linguagem e nas sequências temporais, nas ideologias, nas crenças expostas, nas atribuições (conscientes e inconscientes) de juízos e valores (PRADO; SOLIGO, 2007), e em incontáveis outros aspectos (COSTA; PICCININ, 2020).

Somos, em nossa condição humana, organismos narrativos, por sermos linguageiros, perspectiva em comum acordo com os estudos de Maturana e Varela (1998; 2001), de von Foerster (2003), de Pellanda e Boettcher (2017), entre outros. Enquanto indivíduos que narram, em nossas experiências narrativas, relacionamos ―as dimensões prática e teórica, as quais são expressas através da metarreflexão do ato de narrar-se, dizer-se de si para si mesmo como uma evocação dos conhecimentos das experiências, construídos pelos sujeitos‖ (SOUZA, 2006, p. 140).

4 METODOLOGIA

Caminha, e o caminho se abrirá. Provérbio budista. Nos últimos anos, tenho interpretado que alguns jargões acadêmicos, ainda hoje muito recorrentes no meio universitário, como ―metodologia de pesquisa‖, ―análise de dados‖ e outros, podem ser empregados com sentidos e significações que aludem a um fazer científico inerente ao Paradigma Clássico (ver PELLANDA; BOETTCHER, 2017; COSTA; PICCININ, 2020). Esse Paradigma Clássico, cartesiano e positivista, trouxe consequências deletérias à vida dos seres humanos em termos existenciais, cognitivos, ontológicos, éticos e sociais (PELLANDA; BOETTCHER; PINTO, 2017b), devido à extrema fragmentação das dimensões da realidade.

O Paradigma da Complexidade (MORIN, 1977) opõe-se ao Paradigma Clássico, no sentido de interpretar como insustentável essa lógica científica excessivamente positivista, por sua radicalidade, já que pressupõe o apagamento do ―sujeito autor‖ no fazer científico e, ao mesmo tempo, atrela-se à fragmentação (ou disciplinarização) dos saberes. Sobre essa questão, Gai (2009, p. 138) destaca: o paradigma científico clássico, no apogeu da Modernidade, centralizou-se na racionalidade e considerou a evidência física enquanto única premissa da verdade, algo que, mais tarde, revelou-se um caminho insuficiente de acesso ao conhecimento. Em outras palavras: a lógica subjacente a esse paradigma anterior (clássico) é uma lógica formal, linear, simplista e excludente, que teria causado as implicações referidas. Optamos, então, por lógicas complexas, não lineares, capazes de responder às incertezas, às flutuações e às dimensões sutis da realidade.

Em função da necessidade de um posicionamento teórico-metodológico coerente e em sinergia com o Pensamento Complexo, pesquisadores podem opor-se a esse paradigma clássico esgotado (PELLANDA; BOETTCHER, 2017) por meio de ressignificações e subversões de sentidos atrelados às palavras. Quero dizer, com isso, que é possível demarcar uma oposição ao paradigma cientificista clássico evitando alguns termos considerados ―malditos‖ pela sua limitação conceitual, bem como ressignificando outros tantos, mais capazes de vincular-se ao Paradigma da Complexidade.

Essa prática de alargar determinadas acepções e, com isso, resgatá-las das amarras simplificadoras de epistemologias lineares e fragmentadoras da realidade, tem sido recorrente no GAIA, em função do grupo de pesquisa estar vinculado ao eixo ―Educação e Complexidade‖. Dentre algumas das metas maiores do GAIA, menciono: estudar e praticar a

educação numa perspectiva complexa, razão pela qual muitos dos pesquisadores do grupo ressignificam não só as noções de ―método‖ e ―análise de dados‖, mas também ―cognição‖ e ―narrativa‖ (PELLANDA, 2008; PELLANDA; BOETTCHER; PINTO, 2017b).

Quando tomo, por exemplo, a etapa da ―análise de dados‖ de uma pesquisa, interpreto que tal terminologia não estabelece sintonia adequada com o fazer científico do GAIA. Isso porque, em primeiro lugar, ―nada está dado‖ se considerarmos o viés da Física Quântica22

, que questiona a própria natureza da matéria, ―sustentando que a realidade fundamental é indeterminada, que nada está dado e que não existe nada determinado em relação à nossa vida cotidiana‖ (PELLANDA; BOETTCHER, 2017, p. 41). Além disso, como observa Gai (2009, p. 139): ―O ambiente, tal como o percebemos, é uma invenção nossa‖, assim como em qualquer narrativa (ficcional ou não) está implícita a ideia de invenção. Ou seja:

a realidade é um conceito construído; é conformada a partir da explicação da experiência do observador implicado; este é um ser vivente, ou seja, é o ser que se observa a si mesmo sendo, o ser que se pensa a si mesmo no seu processo de viver, de existir (GAI, 2009, p. 139).

Consequentemente, em segundo lugar, entendo que não ―analisamos‖ algo, no sentido cartesiano da palavra, assumindo a pretensão de descrever o fenômeno, mas, sim, o interpretamos. Entendo que a ―descrição‖ parece presumir noções de verdades e totalidades em fatos, o que pode ser questionado numa lógica complexa, diferentemente da noção de ―interpretação‖, que não nega a correlação subjetivação-cognição no processo de conhecer-viver. Parto da popular ideia atribuída ao filósofo Nietzsche – de que não há fatos, apenas interpretações (PIMENTA, 2020) –, não para incorrer na postura radical de negação dos fatos, mas para sinalizar minha perspectiva teórica: o nosso ser-estar no mundo se dá por interpretações, por subjetivação-cognição.

Nessa linha de pensamento, um dos termos que, no GAIA, buscamos ressignificar (de modo a retirar as conotações positivistas lançadas sobre ele) é o próprio ―método‖, conforme já apontei. Na mesma direção de Passos e Barros (2012, p. 17), busco a reversão do sentido de método, ou seja, ―não mais um caminhar para alcançar metas prefixadas (metá-hódos)‖, mas o primado do caminhar que traça, no percurso, suas metas. Essa reversão afirma, pois, um ―hódos-metá‖ (PASSOS; BARROS, 2012).

Portanto, quando emprego o termo ―método‖, estou aludindo a um percurso metodológico à luz da Complexidade, isto é, um fazer científico a partir do qual olho

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Em apertada síntese, e com base em minhas leituras sobre o Pensamento Complexo, entendo a Física Quântica como uma grande área de estudo que, na atualidade, contribui também para um fazer científico que considera o papel do observador implicado no objeto observado e, logo, na realidade circundante, num viés holístico.

determinados fenômenos com as lentes teóricas do Pensamento Complexo. Sob o prisma da Complexidade, busco um fazer científico a partir do qual, no convívio e no diálogo com a incerteza, eu possa olhar e interpretar o objeto no seu contexto, juntando o que foi disjuntado, compreendendo, nesse processo, as recursividades, o caos, as simbioses e as complementaridades. Nesse método, o objeto é vislumbrado na relação parte-todo, a partir de um princípio hologramático, que opera na configuração do reconhecimento da unidade na diversidade e da diversidade na unidade (MORIN, 1977).

Assim como Edgar Morin, encontro na origem da palavra ―método‖ o significado de ―caminho‖, mas apenas para aceitar o ―caminhar sem caminho‖, que é também o ―fazer o caminho no caminhar‖ (MORIN, 1977, p. 25). Citando o poeta modernista espanhol Antonio Machado (―Caminante no hay camino, se hace camino al andar23‖), Morin (1977, p. 25) defende que o método só pode formar-se durante a investigação.

Essa ideia de caminhar e fazer a pesquisa no caminho não é totalmente nova na LA, conforme registro de Leffa (2001), em um clássico texto sobre a área e seu compromisso social. Segundo o autor (LEFFA, 2001, p. 4), o grande desafio de fazer pesquisa em LA pode ser ilustrado pela metáfora da busca por petróleo no mar: para tanto, nós, pesquisadores, ―precisamos abandonar o conforto de caminhar em terra firme, com balizas enterradas no chão, e aprender a navegar‖. Em outras palavras: na seara da LA, há sempre a necessidade de explorarmos e navegarmos mares desconhecidos.

Outra metáfora pertinente é a do papel do laboratório no fazer científico do pesquisador em LA: de acordo com Leffa (2001), na condição de cientistas, não trazemos um problema a ser estudado para dentro do laboratório, limpo e desinfetado, cuidadosamente desembaraçado de todas as variáveis que possam atrapalhar ou sujar nossas hipóteses: ―fazemos o caminho inverso. Saímos do laboratório e vamos pesquisar o problema onde ele estiver: na sala de aula, na empresa ou na rua‖ (LEFFA, 2001, p. 7). O pesquisador é aquele que pesquisa em vida, no fluxo do viver, em uma epistemologia complexa, da mesma forma que pesquisa trilhando o caminho do pesquisar.

Portanto, destaco: em pesquisas práticas, aplicadas ou experimentais, a interpretação e a discussão dos dados geralmente são feitas a partir de ―critérios de análise‖, delimitados previamente com base na literatura da área e/ou selecionados em função de padrões estabelecidos a priori. Não adoto, aqui, tal procedimento metodológico, em função da perspectiva complexa subjacente ao estudo. Conforme explica Pellanda (2008), no GAIA,

Não trabalhamos com categorias porque acreditamos que elas não são adequadas para lidar com uma realidade complexa e sempre em devir. As categorias essencializam os fenômenos e isso compromete o tipo de abordagem que estamos querendo atingir (PELLANDA, 2008, p. 1080).

Destarte, a análise (ou melhor, a interpretação) e a discussão dos fenômenos vividos são feitas a partir de emergências que afetaram e perturbaram os pesquisadores, e que possivelmente tenham perturbado também os docentes participantes do curso de formação proposto e implementado. Essas emergências registradas em autonarrativas e estudadas à luz do Paradigma da Complexidade e da Biologia da Cognição (MATURANA, 1997), considerando ―padrões de organização individual e/ou comunitários‖ (OLIVEIRA, 2017), permitem a cartografia complexa, a qual é uma das alternativas daquilo que, no GAIA, inspirados no biólogo chileno Francisco Varela, chamamos de ―metodologia de primeira pessoa‖ (PELLANDA; BOETTCHER, 2017, p. 67). Essa metodologia de primeira pessoa é, em síntese, uma perspectiva metodológica que parte dos seguintes pressupostos: 1) conhecer é um ato sobre mim mesmo; 2) não existe representação ou dados; e 3) nós nos constituímos nos narrando e nos entendemos como humanos – nos nossos modos de ser – por meio de tecnologias autopoiéticas, como as próprias autonarrativas.

Tendo em vista as considerações prévias, registro minha opção por desenvolver meus estudos na perspectiva da pesquisa qualitativa, em um viés complexo e transdisciplinar, cujo método central entendo ser o da ―cartografia complexa‖. Interpreto a cartografia complexa como possibilidade de acompanhar e viver, em fluxo, os processos da investigação (PELLANDA; BOETTCHER; 2017; CHAGAS, 2019). Passo, na sequência, a apresentar o conceito de cartografia complexa, o contexto da pesquisa (isto é, um curso online de formação de professores de línguas), os participantes da pesquisa e os instrumentos e as técnicas empregados nesta pesquisa em fluxo.