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Capítulo II – Enquadramento teórico

2. O ensino do latim na escola

2.1. Evolução do ensino do latim em Portugal

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Apesar de afirmarmos de ante mão que o latim é, nos dias de hoje, uma língua pouco valorizada, relembramos que esta foi, durante muito tempo, uma língua bastante prestigiada. Além de ter adquirido, durante a Idade Média, o estatuto de língua universal, serviu posteriormente, durante o Renascimento, para alimentar uma extensa e influente rede cultural que, por toda a Europa, comunicava e publicava as suas obras naquela que foi, por longo tempo, a língua franca das mais variadas manifestações do saber. Serviu, também, de modelo sintático e estilístico como base para o desenvolvimento das línguas modernas (Viaro, 1999: 2). Do mesmo modo, até há algum tempo, as celebrações litúrgicas católicas, bem como as descrições da Zoologia e da Botânica eram todas em latim, e os nomes científicos ainda hoje o são (Viaro, 1999: 2). Porém, ao longo dos séculos, o estatuto do latim foi-se modificando e a sua centralidade foi dando lugar ao papel dominante das línguas vernáculas.

A partir do início do século XX, o estatuto do latim e o seu lugar no ensino começaram a ser debatidos. Durante todo esse século, assistiu-se a uma progressiva redução, quase extinção, do ensino da língua latina. Carneiro (1993: 158-161) demonstrou de que forma o ensino do latim foi desaparecendo, aos poucos, das escolas e universidades portuguesas, enunciando as várias reformas do sistema educativo que ocorreram, ao longo do século passado, nos currículos do ensino secundário. Com base nesta comunicação, afirmamos que, entre 1905 e o 25 de abril de 1974, vários golpes significativos foram desferidos no ensino do latim. Em 1972, por ação de José Veiga Simão, o latim acabou por ser reduzido “à situação de cadeira opcional para os cursos de Letras, mantendo-se como obrigatória apenas para os cursos de Filologia Clássica e de Direito, deixando de ser obrigatória também para este último curso, a partir do ano lectivo de 1972/73” (Carneiro, 1993: 159).

Ainda na mesma comunicação, o autor dá-nos conta de que, após a Revolução de Abril, as universidades se reestruturaram, renovando cursos e respetivos currículos. No que respeita às Faculdades de Letras, estas passaram a admitir que fosse conferido o grau de licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos, sem a frequência de qualquer unidade curricular de Latim (Carneiro, 1993: 161). Pouco tempo depois, algumas universidades voltaram a exigir a frequência de, pelo menos, uma cadeira anual de Latim, nas licenciaturas de todas as variantes de Estudos Portugueses e, ainda, a frequência de dois anos da disciplina de Latim no ensino secundário, para o acesso aos cursos de Letras (Carneiro, 1993: 161). Ainda assim, Camelo (1987: 113) dá-nos conta de que a situação política, que resultara da revolução, “não foi favorável ao Latim e ao Grego”. O autor

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deixou patente que, além de se ter continuado a contestar a sua metodologia, começou-se a pôr em causa, também, “a sua vitalidade cultural, esquecendo-se até as razões mais válidas do estudo do Latim/Grego” (Camelo, 1987: 113).

Depois de vários ataques ao latim, o ensino desta língua, nos ensinos básico e secundário, continuou a desaparecer das escolas portuguesas. A aprendizagem do latim realizava-se, apenas, em algumas situações particulares – por exemplo, como condição necessária para a frequência de cursos destinados à formação de professores de português, exigida pelas universidades.

Numa tentativa de reverter a situação descrita anteriormente (comum a outros países da Europa), a UNESCO recomendou em 2010, que o latim fosse ensinado nas escolas de todos os países em que se falam línguas românicas. Procurando seguir esta recomendação, surge, em 2015, uma nova reforma do ensino do latim em Portugal, na qual se enquadra o Projeto Educativo “Oferta Escola” e onde está integrada a componente curricular de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas. Este projeto foi dado a conhecer em maio de 2015. Ao abrigo do Decreto-Lei nº 139/2012, de 5 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 91/2013, de 10 de julho, “os Agrupamentos de Escolas/Escolas não agrupadas podem oferecer, no Ensino Básico ‘componentes curriculares complementares’.”20 A inserção desta disciplina no ensino básico é a resposta do

Ministério da Educação e Ciência à necessidade de se dar a devida importância à formação cultural e linguística dos alunos, conferindo especial destaque ao desenvolvimento de conhecimentos mais profundos da língua materna e das suas raízes.21

Relativamente ao ensino secundário, entraram em vigor, no ano letivo de 2015/2016, as Metas Curriculares de Latim A do Ensino Secundário - 10.º e 11.º anos22,

homologadas em conformidade com os programas de Latim A de 22 de fevereiro de 200123, tendo em conta os conteúdos, as finalidades, e os objetivos gerais e específicos

por ele apresentados24. Segundo o Ministério da Educação e Ciência, a articulação de

todos estes fatores “estabelece o conjunto de conhecimentos e de capacidades essenciais que os alunos devem adquirir e desenvolver nos 10.º e 11.º anos, na disciplina de Latim A”.25 Os motivos que levaram o Ministério a incluir, nos currículos do ensino básico, a

20 MEC (2015a).

21 MEC (2015a).

22 Pimentel & Costa (2015).

23 Martins, Sardinha & Silva (2001a); Martins, Sardinha & Silva (2001b). 24 MEC (2015b).

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componente curricular de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas são os mesmos com que justifica a importância da disciplina de Latim A, no ensino secundário.

No entanto, atualmente, o Latim A sujeita-se à condição de disciplina opcional, pertencendo unicamente ao currículo do curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades. A esta situação desfavorável junta-se, muitas vezes, a necessidade de existir um número mínimo de alunos inscritos, para se justificar a abertura da disciplina. Devido ao número bastante reduzido de alunos interessados em estudar latim, poucas são as escolas onde, atualmente, se confirma o ensino do latim a decorrer.

Pela consulta de um estudo de Gomes (1995: 292), pudemos perceber que, naquela altura, mesmo os alunos que se inscreviam em Latim A, não encontravam as suas expetativas satisfeitas do modo que desejariam. Nesse estudo (Gomes, 1995: 292), o autor dá-nos a conhecer três razões apresentadas pelos mesmos para a sua desmotivação: “a inexistência de bases científicas a nível da língua materna”; “um programa demasiado extenso para a disciplina de língua latina”; “o facto de latim ser uma língua difícil e sem interesse porque não proporciona a conversação”. Passada mais de uma década, desde a realização deste estudo, acreditamos que a posição da maioria dos alunos em relação à disciplina ainda se mantém, tendo em conta, principalmente, a última razão apresentada.