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Capítulo II – Enquadramento teórico

2. O ensino do latim na escola

2.2. Importância do estudo do latim

Como já confirmámos anteriormente, o latim é, na atualidade, uma língua bastante desvalorizada pela sociedade. Ora há quem lhe critique os métodos, ora quem não lhe encontre qualquer utilidade. Num artigo de 2017, Ferreira constata que esta situação se deve a mais do que um fator: “um deles é o entendimento generalizado de que o conhecimento considerado mais erudito e abstrato deve dar lugar ao conhecimento prático e funcional; outro fator é a crítica aos métodos tradicionais que se associam ao ensino das Línguas Clássicas” (Ferreira, 2017: 54).

Porém, a ideia de inutilidade do latim, associada ao seu caráter de língua muito complexa, conta já com algumas décadas. Relembramos que, no ponto anterior, através de um estudo de Raúl Gomes (1995), pudemos perceber que até os alunos que se inscreviam na disciplina consideravam o latim uma língua “difícil” e “sem interesse.” No mesmo sentido, já havia defendido Gomes (1973: 59) que “o ensino desta disciplina se encontra eivado dos mais diversos preconceitos: políticos, sociais, culturais e até

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religiosos”; o mesmo autor designou a imagem que se guardava da disciplina de Latim como “penosa”, revertendo para a ideia de algo demasiado difícil e muito trabalhoso.

Na verdade, o descrédito da cultura e línguas clássicas é algo que foi ganhando força com a progressão científica e tecnológica e a consequente evolução da sociedade na direção de um utilitarismo cada vez mais imediato. Acreditamos que esta perceção do latim está essencialmente relacionada com o facto de se tratar de uma língua de cultura, sem prática oral frequente (aquilo a que muitos chamam uma língua “morta”), tal como defendera Ribeiro (1987: 60), em relação aos estudantes de Línguas e Literaturas Modernas:

A relação incontestavelmente difícil entre os estudantes de Línguas e Literaturas Modernas e o Latim (…) parece-me decorrer sobretudo de uma atitude preconceituosa que determina, da parte dos alunos, a relutância na aprendizagem de uma língua morta cuja real utilidade lhes custa a perceber, já que dela não obtêm o lucro imediato que desejariam.

Ainda que seja incontestável o legado que a antiguidade clássica nos deixou, estamos certos de que a grande maioria da sociedade desconhece essa herança, a sua importância e o seu valor inestimável, ou seja, cada vez mais, a influência da cultura greco-latina na construção de toda a cultura ocidental é ignorada.

Como vimos em 2.1, pela enunciação das sucessivas reformas que operaram no ensino do latim nos séculos XX e XXI, podemos afirmar que este problema de política educativa é ainda hoje muito polémico. No âmbito do panorama atual do latim, surgem sempre questões como as seguintes: “Para que serve, hoje, o latim?”, “Qual a utilidade de estudar uma língua morta, que requer tanto esforço e dedicação?”. É sobre este assunto que iremos refletir nos próximos parágrafos, de forma a demonstrar quais os motivos que tornam a aprendizagem do latim e da cultura latina tão importantes e em que medida podemos encontrar no seu estudo uma mais-valia para o estudo da língua portuguesa.

Em primeiro lugar, além de o estudo do latim nos permitir compreender, avaliar e julgar melhor o presente (os seus homens e os seus problemas), por confronto com os do mundo clássico (Faria, 1973: 67), também constitui o melhor meio de nos levar a conhecer a Antiguidade, raiz da cultura ocidental (Gouveia, 1973: 90). Atentemos no que refere Viaro (1999: 2):

O latim serve-nos de trampolim para mergulhos mais profundos na nossa visão de mundo, no nosso modo de pensar, na nossa vida. Aquele que entende bem a mensagem que o latim passa

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em seus textos se questionará melhor e verá que antes de nossos valores, havia outros, muito distintos, mas perfeitamente coerentes, que merecem nossa admiração e respeito.

Em 2017, Ferreira defende também o seguinte:

A relação direta que o Latim estabelece com o Português, a herança que a Cultura Ocidental recebeu da Antiguidade Greco-Latina e as repercussões que esta tem tido em vários domínios, como as artes plásticas, a literatura, o teatro, a filosofia ou a ciência, mostram a vitalidade das línguas grega e latina. (2017: 51)

Com efeito, fica claro que “este é um mundo demasiado valioso para que lhe voltemos as costas” (Deserto, 2007: 1).

Em segundo lugar, “o latim possibilita-nos aprender melhor outras línguas.” (Viaro, 1999: 9). É indiscutível o contributo do latim, enquanto língua-mãe das línguas românicas, para um estudo consciente, uma compreensão clarificada, um domínio mais perfeito da língua românica materna e para uma melhor aprendizagem de outras línguas modernas estrangeiras - o conhecimento do latim auxilia na perceção de laços e analogias que entre elas subsistem e que facilitam ao falante de uma, a aprendizagem de outra(s) (Ribeiro, 1987: 60).

Partindo desta última razão, defendemos que o argumento mais forte em defesa do ensino de latim nas escolas portuguesas, se traduz, ainda hoje, nas vantagens que este acarreta para o aprofundamento do estudo da língua portuguesa, já que, para nós, um conhecimento básico de latim continua a ser “fundamental e indispensável para um estudo profundo e sério da língua portuguesa” (Carneiro, 1993: 162).

Pretendemos aqui deixar patente que, com a passagem do tempo, embora tenham existido muitas mudanças, no âmbito do ensino da língua portuguesa que parecem enfraquecer este tipo de argumentos - como o surgimento do DT e do Novo Acordo Ortográfico –, estes não se tornaram, do nosso ponto de vista, inválidos. Porém, é absolutamente necessário ter em conta que há um obstáculo a ser ultrapassado – o conflito terminológico entre a gramática tradicional usada na disciplina de Latim A e o dicionário terminológico - e que não pode nem deve ser ignorado. Independentemente das soluções que venham a ser adotadas no futuro, o importante a reter, na nossa opinião, é o seguinte: apesar da constatação deste problema didático (que se manifesta mais numas áreas da gramática do que noutras), o paralelismo entre as duas línguas mantém-se evidente. Sendo

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o latim a língua mãe do português, esta será sempre o cerne do nosso idioma e a principal chave para a compreensão dele (Viaro, 1999: 10).

Apesar das inúmeras razões que abonam a favor do estudo da língua latina na escola, o panorama do ensino do latim neste momento, não é, como vimos, o mais animador. Mas por que razão isto acontece? Pela bibliografia consultada, além dos pensamentos utilitaristas, um dos fatores que mais contribui para a desvalorização do latim e, por sua vez, para o decréscimo desta disciplina nas escolas portuguesas traduz-se na crítica aos métodos tradicionais utilizados, que, segundo vários estudiosos, lhe atribuíram as designações de língua “penosa” e “difícil”.

Fátima Ferreira (2017: 49) dá-nos conta de que igualmente a área da Didática do Latim não tem sido uma aposta forte no nosso país, facto esse que, em seu entender, pode estar relacionado com o quase desaparecimento da disciplina de Latim do ensino secundário português. Ferreira (2017: 50) afirma que esta situação – “e a consequente falta de aposta (sobretudo dos governantes) nesta disciplina” – tem aumentado devido às práticas “desajustadas” no ensino desta língua, que se mantêm alheias “de todas as tendências inovadoras do ensino de línguas”. A autora declara, ainda, que o sistema de ensino português tem reservado um “papel menor” ao latim, perante a ascensão de diversas outras disciplinas (Ferreira, 2017: 51).26 Perante estas circunstâncias, Ferreira

(2017: 54) alerta:

A importância inegável do Latim requer que se repense o modo como esta língua se aprende, sendo, para tal, necessário que se revejam os métodos, nomeadamente a abordagem da gramática e a integração da cultura, aproximando-os do contexto histórico e social em que vivemos e trabalhando a interação com outras áreas.

Na nossa opinião, não negamos que alguns métodos devam ser mantidos, mas muito pode ser modificado. Assim, concordamos com a autora, quando esta defende que um investimento nas Línguas Clássicas, atualmente, requer que se faça “uma síntese entre as práticas do passado e uma metodologia de ensino mais ativa, que valorize a oralidade, a compreensão textual e a aquisição de vocabulário” (Ferreira, 2017: 49).

Deste modo, não pretendemos aqui tirar o mérito aos métodos antigos, mas sim deixar patente que a integração de novas metodologias e o repensar do processo de ensino-aprendizagem, não obriga a que práticas que sempre foram vistas como boas e

26 Uma tentativa recente para dar um novo impulso ao ensino do latim em Portugal foi a publicação de

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eficazes sejam, agora, descartadas. A propósito de “boas práticas”, chamamos a atenção para a relevância das atividades de análise morfossintática, compreensão e tradução do texto latino. A tradução “demonstra o conhecimento das estruturas da língua (quem traduz corretamente é porque conhece as estruturas fundamentais da língua latina comparativamente com as da portuguesa)” (Borregana, 1993: 204), isto é, promove “o domínio mais perfeito das estruturas morfossintáticas da língua portuguesa, paralelamente às da língua latina” (Borregana, 1993: 204). Logo, este exercício constitui “a prova final de que se conhecem as estruturas das duas línguas” (Borregana, 1993: 205). Outro exercício também muito importante é a versão de português para latim, pois a análise da estrutura da frase portuguesa exigirá ao aluno um maior rigor nos conhecimentos que possui da língua materna. Este exercício torna-se bastante útil, já que o aluno precisa, primeiro, de identificar corretamente as estruturas do português, para de seguida ser capaz de elaborar, também de forma correta, a versão da sua língua para a língua latina, o que faz com que adquira um conhecimento refletido das duas línguas.

Por último, destacamos que é de extrema importância a inclusão de atividades que estabeleçam, constantemente, relações com o português (ou com outras línguas românicas) (Carneiro, 1993: 162), partindo, sempre, do presente para o passado, isto é, do português para o latim, tanto na abordagem de temas culturais como na análise de temas linguísticos. Colocando, tanto quanto possível, o latim ao serviço do estudo da língua portuguesa, damos ao seu ensino uma finalidade prática e sempre atual (Carneiro, 1993: 165). Tal como afirmou Viaro (1999: 11), é preciso trabalhar com o objetivo de “revitalizar o valor que o latim tem”.

Considerando – por tudo o que aqui foi dito - o papel preponderante do estudo da língua e cultura latinas, é inegável que o latim merecia ocupar um lugar de maior valor nos currículos dos ensinos básico e secundário. Todavia, uma possível mudança de “cenário”, nos currículos do século XXI, exigirá um grande esforço por parte dos docentes, no sentido de promover uma maior consciencialização da importância desta disciplina na escola.

3. Orações subordinadas adjetivas e orações subordinadas substantivas – contexto