• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I- O trabalho indígena no Direito Colonial Internacional

2. Noções gerais

2.5. Formação e evolução do Direito Colonial Internacional do Trabalho

2.5.1. As fases do processo de formação e da evolução

2.5.1.4. Fase da transição para o Direito Internacional do Trabalho em Geral

A última fase da formação e evolução do direito Colonial Internacional do Trabalho é a que se iniciou depois da última guerra e que parece particularizar-se pela tendência para a descaracterização das normas de direito Colonial Internacional do trabalho, pela sua assimilação às normas de Direito Internacional do Trabalho em geral, o que tem que ver, fundamentalmente, com a forte influência que a OIT começa a ter no contexto global, por um lado, e também com o iniciar das descolonizações.

Ø Os projectos de Convenção posteriores à última Guerra. O princípio da não discriminação

Iniciada a guerra em 1939, à primeira vista, parece que devia automaticamente cessar a acção da OIT; porém, como vimos no Capítulo I, assim não sucedeu. Este organismo sobreviveu e, à medida que o fim da guerra se tornava previsível, a sua actividade foi renascendo. Com o fim de guerra até se intensificou.

E para o que ao nosso trabalho interessa, foram em 1947 publicadas cinco Convenções que parecem marcar o início de uma nova era do Direito Colonial Internacional do Trabalho. Ei-las:

· Convenção sobre a política social nos territórios não metropolitanos;

· Convenção relativa à aplicação de normas internacionais do trabalho aos territórios não metropolitanos;

· Convenção sobre o direito de associação e conciliação de conflitos de trabalho nos territórios não metropolitanos;

61

· Convenção sobre a duração máxima dos contratos de trabalho dos trabalhadores indígenas.56

Das cinco Convenções anteriores interessa-nos particularmente a primeira, por conter as regras gerais sobre a política social a seguir nos territórios coloniais e, consequentemente, os princípios que dominam o Direito Colonial Internacional na parte que se refere ao trabalho em geral e ao trabalho indígena em especial.

A Convenção em referência consta de 32 (trinta e dois) artigos e divide-se em nove partes subordinadas às seguintes epígrafes:

Parte I – Obrigações das partes; Parte II – Princípios gerais;

Parte III – Melhoria dos níveis de vida;

Parte IV – Disposições relativas aos trabalhadores migrantes; Parte V – Remuneração do trabalho e questões conexas;

Parte VI – Não discriminação em matéria de raça, de cor, de sexo, de crença, de pertença a um grupo tradicional ou de filiação sindical;

Parte VII – Educação e formação profissional; Parte VIII – Medidas diversas;

Parte IX – Disposição finais.

É porém, o art. 18º que enumera o princípio que se nos afigura fundamental e, por isso, passaremos a analisá-lo. Prevê que deverá ser um dos fins da política social suprimir toda a discriminação entre trabalhadores, fundada nas seguintes razões: raça, cor, sexo, crença, pertença a um grupo tradicional ou filiação sindical, a respeito das seguintes matérias:

a) Legislação e Convenções de trabalho; b) Admissão aos empregos públicos e privados; c) Condições de emprego e promoção;

d) Facilidade de formação profissional; e) Condições de trabalho;

f) Medidas relativas à higiene, segurança e bem-estar; g) Disciplina;

h) Participação na negociação de convenções colectivas;

56Estas Convenções podem ser vistas em Premier rapport de L’Organisation Internationale du travail aux Nations Unies, (1947).

62

i) Salários;

Estas devem ser estabelecidas de acordo com o princípio a trabalho igual, salário igual, no mesmo serviço e empresa, na medida em que o reconhecimento deste princípio se verificar no território metropolitano.

Este preceito, prevê ainda a tomada de todas as medidas práticas e possíveis para reduzir as diferenças na taxa dos salários resultantes das discriminações fundadas na raça, cor, sexo, crença, pertença a um grupo tradicional ou filiação sindical, elevando com esse fim as taxas aplicáveis aos trabalhadores mais mal pagos e que os trabalhadores provenientes de um território, contratados para trabalhar noutro, possam obter, além do salário, vantagens em dinheiro ou em géneros para fazer face aos encargos pessoais ou familiares razoáveis, resultantes do emprego fora da residência habitual.

Finalmente, faz-se a previsão de as disposições precedentes deste preceito não prejudicarem as medidas que a autoridade competente julgue necessárias ou oportunas tomar para proteger a maternidade e assegurar a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores.

A questão que se coloca é esta: qual o alcance da integração do Direito Colonial Internacional do trabalho nas normas do Direito Internacional do Trabalho? Terá ele o alcance de proclamar, nas relações do trabalho, o princípio da assimilação do primeiro pelo segundo?

Para alguns segmentos da doutrina a resposta é negativa, porque, embora se neguem privilégios de raça, cor, religião e tribo, não se faz referência, todavia, às diferenças de civilização.57

No entanto, e de uma maneira geral, podemos concluir que o princípio da não discriminação marca a tendência para a descaracterização do Direito Colonial Internacional regulador do trabalho indígena, pela extinção das diferenças entre normas aplicáveis a indígenas e a não indígenas.

57A grande motivação e até a pretensa justificação para a colonização era a “civilização dos indígenas”. E é esta a tónica do

Código de Trabalho dos Indígenas das Colónias Portuguesas de África de 1928, como adiante veremos. É também neste diapasão que versa a obra de Silva Cunha que temos vindo a citar. Veja-se, a este propósito, o que se diz na pág. 66, vamos citar, - “Mas, como se compreende que se negue a discriminação baseada nas diferenças de civilização a respeito da admissão a empregos públicos e a participação nas negociações colectivas, os primeiros supondo um mínimo de habilitações, os segundos exigindo uma mentalidade que, pelo menos, permite a compreensão da sua utilidade? Parece-nos que a conclusão deve ser a de que a Convenção procura consagrar no campo internacional uma regra que há muito existe no nosso direito interno (e até com âmbito mais largo): a de que os colonizados assimilados devem ter igual medida de direitos e obrigações que os pertencentes aos colonizadores. Só assim se compreende que se advogue a abolição das distinções baseadas no sexo. De contrário a regra teria até um certo aspecto de comicidade quando aplicada, por exemplo, aos povos atrasados de África, em que toda a orgânica social, que se afirma querer-se preservar e para cuja defesa se tomam medidas no campo internacional, se baseia numa organização familiar em que há rigorosa distinção entre os direitos e deveres dos dois sexos, embora nem sempre isso corresponda a um predomínio do sexo masculino, sabido como é que em África se encontram grupos sociais de base matriarcal.” Para falar em “colonizados assimilados, importa fixar aqui o conceito técnico-jurídico da expressão assimilação. Na vigência do Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, distinguia-se entre cidadania originária e cidadania derivada (assimilação), atribuindo-se sempre ao termo cidadania o conteúdo de estado caracterizado pela atribuição do estatuto de direito comum, isto é, pela integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses. A assimilação originária não se perde, ao passo que a segunda pode ser retirada nos termos do art. 64º do retro mencionado Estatuto.

63

2.5.2. O sistema de construção de normas do Direito Colonial Internacional de Trabalho