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CAPÍTULO I- O trabalho indígena no Direito Colonial Internacional

2. Noções gerais

2.5. Formação e evolução do Direito Colonial Internacional do Trabalho

2.5.1. As fases do processo de formação e da evolução

2.5.1.1. Fase Preliminar

“A formação e a evolução das normas do Direito Colonial Internacional, que têm por objecto o trabalho indígena, podem dividir-se em quatro fases”, como sistematiza Silva Cunha:42/43

A primeira, preliminar, decorre sob o signo de preocupação da abolição do tráfico de escravos. Vejamos, de modo breve, algumas das modificações desta preocupação.

41Veja-se a abordagem doutrinária aprofundada sobre esta matéria in Ramalho, Maria do Rosário Palma (2009). Direito do

Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 2ª Edição Actualizada ao Código do Trabalho de 2009, Almedina, págs. 184 e 185.

42Segundo critério adoptado por Cunha, Silva (1955). OC, pág. 29.

43Atente-se que estamos a falar, neste domínio, da Formação e evolução do Direito Colonial Internacional do Trabalho, e não dos

primeiros passos visando a regulamentação internacional do trabalho. Com efeito, as relações laborais e o Direito do Trabalho são domínios onde, desde cedo, se reconhecem processos normativos e institucionais de internacionalização e de mundialização, sendo neste sentido, como assinala Casimiro Ferreira, “[… ] áreas que configuram uma “velha globalização” [… ]”. Vide a este respeito Pureza, José Manuel & Ferreira, António Casimiro (2001). A teia global – Movimentos sociais e instituições. Porto. Edições Afrontamento, pág. 103.

Muito embora haja registo de várias movimentações anteriores, a primeira tentativa efectiva para a regulamentação internacional do trabalho foi a Conferência de Berlim, de Março de 1890, por iniciativa do Imperador da Alemanha, que convidou a França, Bélgica, Suíça e Inglaterra a entrarem em negociações para um acordo visando satisfazer alguns desejos do operariado. Nesta Conferência fizeram-se representar outros Estados, entre os quais Portugal. Segundo destaca Ulrich,” nenhum acordo obrigatório surgiu desse congresso, pois, como era natural, cada Estado quis salvaguardar a sua liberdade de legislar; além de que a variedade de condições próprias a cada país dificultava consideravelmente a elaboração de um regime uniforme”. Vide sobre esta matéria Ulrich, Rui Ennes (1906). Legislação operária português. Coimbra. França Amado – Editor, pág. 21.

A Santa Sé esteve também presente neste congresso, oficiosamente representada por Mgr Kopp, tendo mesmo o Papa Leão XIII escrito ao Imperador alemão aprovando a ideia de um entendimento internacional: “É necessário que este difícil e importante problema seja resolvido segundo as regras da justiça [… ] A acção combinada dos governos contribuirá poderosamente para a obtenção de tão desejado fim” – Cfr. o art. de Max Turmann, intitulado “A legislação internacional do trabalho e os cristãos sociais”, publicado na Revue Internationale du Travail, vol. VI, 1922, págs. 3-10, que aborda um versão histórica extensa sobra esta matéria.

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Ø O tráfico de escravos. A reacção internacional contra o tráfico. A acção da Inglaterra

Segundo Silva Cunha, “[… ] a escravatura formava a armadura no sistema económico do mundo antigo, e existiu na Europa durante a Idade Moderna. O tráfico de escravos, ou seja o comércio para fornecimento de escravos, existia paralelamente à escravatura. O tráfico de escravos, porém, cuja repressão vem a constituir normas do Direito Internacional durante quase todo século XIX, surge no século XVI, quando as necessidades de desbravamento e exploração de terras americanas, aliadas à insuficiência e inaptidão dos indígenas da América, forçam a recorrer à importação do trabalho africano, tendo-se intensificado particularmente nos séculos XVII e XVIII e prolongando-se pelo século XIX. Em 25 de Março de 1807, porém, na Inglaterra, depois de uma campanha que atingiu profundamente a opinião pública, foi publicada uma Lei que proibiu o comércio de escravos para as suas colónias. Logo a seguir, este país lançou-se num movimento pro-universalização da medida, levada pela necessidade de defesa da sua produção colonial contra a concorrência daqueles países que, possuindo colónias e continuando a dispor de mão-de-obra escrava, podiam produzir em melhores condições. Assim surgiu a campanha internacional antiescravagista que se limitava inicialmente ao tráfico marítimo atlântico, abrangendo, sucessivamente, o tráfico que da África Central, que se fazia para o Norte e Nordeste (tráfico terrestre) e para a costa Oriental (tráfico marítimo para o Oriente) para, na sua fase final, se traduzir num ataque à própria escravidão [… ]”.

Na reacção internacional contra o tráfico de escravos, será bom de se notar a acção da Inglaterra sobre Portugal.

Terminada a guerra civil Portuguesa com o triunfo dos liberais, a Inglaterra retomou a sua pressão diplomática para que Lisboa assinasse um tratado que interditasse totalmente o tráfico de escravos e que fosse de molde a permitir uma acção mais lata e eficaz dos cruzeiros da Royal Navy. Esta pressão conhece antecedentes. Numa nota de 12 de Março de 1832, o embaixador britânico em Lisboa transmitia ao governo português informações que referiam o uso da bandeira Portuguesa para o tráfico ilícito. Depois de enunciar os vários compromissos sucessivamente assumidos pelos tratados, a nota recordava que todos os governos, que se tinham sucedido em Portugal desde 1810 haviam declarado que a abolição era algo que contemplavam, pelo que, e uma vez que os interesses portugueses já não estavam ligados a essa actividade “tão repugnante a todos os princípios da honra e da benevolência”, parecia chegado o momento oportuno de lhe pôr um fim. No ano seguinte William Rossel repescava o assunto acusando João Batista Moreira, o Cônsul português no Rio, de colaborar no tráfico, fornecendo documentos a mais brasileiros. Em resposta, Cândido José Xavier asseverava que o Cônsul já havia sido demitido “por motivos não menos desagradáveis” e que se haviam renovado as “mais positivas ordens” ao seu substituto para que tais abusos não se repetissem. Mas, foi após a sedimentação do regime liberal que a pressão britânica se intensificou e sistematizou. Em Setembro de 1834, Palmerston, considerava que Portugal deveria estar “ansioso de reunir” as obrigações abolicionistas que contraíra, enviava ao seu embaixador em Lisboa, Howard de Walden, um

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rascunho de tratado para ser presente ao governo português e negociado “com a menor demora”. A partir dos finais desse ano, Londres começou a bombardear o Ministério dos Estrangeiros com cópias dos ofícios dos cônsules britânicos dos navios dos cruzeiros, que chamavam a atenção para o envolvimento disseminado de portugueses no odioso comércio.44

Como remata João Pedro Marques, “[… ] as autoridades navais viam geralmente com irritação as denúncias britânicas, não só porque traziam à superfície a panóplia de artimanhas e jogos legais a que várias autoridades portuguesas recorriam para perpetuar o tráfico, mas também porque tornavam evidente que Portugal não cumpria a sua própria legislação, nomeadamente o alvará 26 de Janeiro de 1818, que interditara o tráfico a norte do Equador [… ] Como acentuava Howard de Walden, os navios eram apresados no Hemisfério Norte, condenados pela comissão mista da Serra Leoa, os casos eram denunciados ao governo de Lisboa, que repetidamente prometia aplicar a Lei, sem que nada daí resultasse. Numa palavra, a pressão inglesa tornava urgente a promulgação de nova legislação e, sobretudo, a sua aplicação vigorosa e sem ambiguidade [… ]”.45

Ø A repressão do tráfico atlântico

A criação de normas de Direito Internacional destinadas à repressão do tráfico pode considerar- se iniciada com o Tratado Anglo-Luso de Comércio e Navegação de 19 de Fevereiro de 1810, pelo qual, nos termos do seu art. 10º, dispõe-se o seguinte: “O Regime de Portugal, estando plenamente convencido de má política de comércio de escravos, e da grande desvantagem que nasce da necessidade de introduzir e continuamente renovar uma estranha e factícia população para entreter o trabalho e a indústria nos seus domínios do Sul da América, tem resolvido cooperar com S.M. Britânica na causa de humanidade e de justiça, adoptando os meios mais eficazes de conseguir em toda a extensão dos seus domínios uma gradual abolição de comércio de escravos”. E movido por este princípio, S.A.R. o Príncipe Regente de Portugal se obriga a que aos seus vassalos não será permitido continuar o comércio de escravos em outra alguma parte da costa de África que não pertença actualmente aos domínios de S.A.R., nos quais este comércio foi já descontinuado e abandonado pelas Potências e Estados da Europa que antigamente ali comercializavam, reservando contudo para os seus próprios vassalos o direito de comercializar e negociar escravos nos domínios Africanos da Coroa de Portugal.

Em 1815, foram negociadas Convenções, uma com Portugal e outra com a Espanha, que podem considerar-se as primeiras manifestações da política de repressão do tráfico atlântico de escravos e, sucessivamente, foram sendo celebradas outras com países europeus e americanos de tal forma que, em 1865, podia considerar-se praticamente extinto o tráfico atlântico. Sob pressão da Inglaterra, as "abolições" pressionadas sucederam-se na Europa: Em 1813 na Suécia, na Holanda

44A pressão da Inglaterra sobre Portugal vem particularmente retratada in Marques, João Pedro (1999). Os Sons do Silêncio: o

Portugal de Oitocentos e a Abolição do Tráfico de Escravos. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, pág. 195.

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em 1814; no ano seguinte, definitivamente, na França; na Espanha em 1817 (para entrar em vigor em 1820). Portugal aboliu o tráfico a norte do equador em 1815 (e de forma total em 1836).46

Passamos, então, a ver rapidamente as principais Convenções celebradas entre 1815 e 1865. Logo em 1817 foi assinada em Londres nova Convenção Anglo-Lusa destinada a completar a Convenção de 1815. Em 1818 é celebrado um Tratado com os Países Baixos. Em 1824 um Tratado do mesmo género é celebrado com a Suécia e Noruega. Em 1826 o Brasil, já então Estado independente, reconhece a validade das Convenções celebradas com Portugal e obriga-se a abolir, num prazo de três anos, todo o comércio de escravos por mar. E pela mesma altura, as então recém-formadas Repúblicas Sul-Americanas, em tratados de comércio com a Grã- Bretanha, obrigam-se a colaborar também na repressão do tráfico.

Ia-se, assim, alargando consideravelmente a rede; mas, para a sua completa eficácia, faltava à Inglaterra conseguir a adesão à campanha das grandes potências de então. A esse intento se dedicaram os esforços Ingleses que em 1821 (4 de Março) conduziram à celebração de uma Convenção com a França, completa por uma outra assinada em 1833 (22 de Março), concluindo com a celebração, em 1941, de uma Convenção assinada, além da Inglaterra, pela França, pela Áustria, pela Rússia e pela Prússia, e, em 1842, com a celebração de um Tratado com os Estados Unidos da América do Norte. O Tratado de 1841 poderia considerar-se o coroamento dos esforços ingleses para a criação de um Direito Internacional Geral proibitivo de tráfico, se tivesse tido plena eficácia.

Quisemos, ao mencionar a acção da Inglaterra e a repressão do tráfico Atlântico, através dos exemplos acabados de descrever, demonstrar a preocupação da abolição do tráfico de escravos, que constitui a primeira fase da formação e evolução do Direito Colonial Internacional do Trabalho. Outrossim, integram esta fase, ainda, a repressão do tráfico marítimo para o Oriente, a repressão do tráfico terrestre.

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2.5.1.2. Fase da preocupação do combate da escravidão e tendência para a proibição do