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Fatos e direito: entre a superação e a funcionalidade da distinção

Na Constituição de 1988, não há qualquer previsão realizando distinção de tratamento entre questão de fato e questão de direito no âmbito dos recursos excepcionais dirigidos ao STF e ao STJ, tampouco a atribuição de qualquer característica específica no tratamento das questões probatórias.176 De fato, os artigos 102 e 105 da Constituição Federal apenas estabelecem as hipóteses de cabimento dos recursos especial e extraordinário, as quais, resumidamente, relacionam o recurso à violação à Constituição ou lei federal, ou seja, especifica as hipóteses de cabimento, mas não matérias que gerem exclusões de cabimento.

Conforme Trento, o fundamento das primeiras decisões do STJ (que foi criado pela Constituição de 1988) ao rejeitar a análise de questões probatórias em sede de recurso especial – e, consequentemente, o fundamento da Súmula 7 do STJ – remete ao à Súmula 279 do STF, que data de 1963.

As recentes produções brasileiras que versam a respeito de uma Teoria da Decisão Judicial encaminham-se no sentido de que haveria uma inseparabilidade entre as questões “de fato” e as questões “de direito”.

A maior, como é o caso da obra de Schmitz e de Lanes, baseia-se nas ideias de Antonio Castanheira Neves, que tratou de forma ampla sobre o que chamou de problema metodológico da juridicidade, que versa sobre a possibilidade de existirem questões puramente “de fato” e puramente “de direito” no pós-positivismo.

Castanheira Neves177 distingue analiticamente a questão de fato da questão de

direito enquanto momentos metodologicamente diferentes de análise do caso jurídico, defendendo até mesmo a possibilidade de se divisar dois momentos metodológicos na questão de fato – o momento de relevância e o momento de comprovação – e duas abordagens distintas para a questão de direito – a questão de direito em abstrato (que tem por objeto a determinação

175 TRENTO, Simone. A medida da cognoscibilidade das questões concernentes à prova dos fatos em recurso especial e extraordinário: a assunção pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal do status de cortes de precedentes. Tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2016, p. 113. 176 TRENTO, Simone. A medida da cognoscibilidade das questões concernentes à prova dos fatos em recurso especial e extraordinário: a assunção pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal do status de cortes de precedentes. Tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2016, p. 131-132. 177 CASTANHEIRA NEVES, A. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra, 1993, p. 163- 166.

do critério que haverá de orientar a solução do caso) e a questão de direito em concreto (que seria o próprio juízo que decidirá o caso).

O autor entende que a questão de fato é também uma questão jurídica: a questão jurídica de se determinar quais são os fatos relevantes do problema jurídico concreto e de se avaliar a sua comprovação.

Segundo Schmitz178, trata-se de discussão relevante devido à forma como é enxergada, no Brasil, a separação entre fatos e direito. O autor afirma que a ideia de que a cognição do juiz tem por necessidade o acertamento dos fatos e a aplicação do direito é bastante arraigada na doutrina clássica de direito processual e faz uma constatação interessante: seria até possível admitir que, depois de uma decisão judicial já estar fundamentada, um intérprete futuro possa proceder à uma separação entre a atividade histórica de acertamento dos fatos e a atividade de valoração jurídica de tais fatos. Porém, a indagação a ser realizada seria acerca da possibilidade de que estas duas etapas realmente ocorram separadamente no momento do “raciocínio jurídico”.

Citando Liebman179, afirma que a ordem na qual devem ser resolvidas as várias questões não é sempre a mesma, podendo a qualificação jurídica ser preventivamente necessária para determinar quais as circunstâncias de fato, quais fatos é necessário investigar e como ocorreram.

Porém, se para individualizar os fatos relevantes de um caso for necessário ir à sua qualificação jurídica, estar-se-ia diante de um falso silogismo, ou uma tentativa de reduzir a regras da lógica formal uma operação que não respeita essas mesmas regras.180 Seria precisamente nesse ponto que residiria a impossibilidade da cisão entre questões “de fato” e questões “de direito”, o que seria fruto da não superação da ideologia do racionalismo.

Segundo Ovídio Baptista (Processo e Ideologia, p. 36),

“A separação entre direito e fato, inspirada nos dois mundos kantianos, o mundo do ser e o do dever ser, que deita raízes no racionalismo do filósofos do século XVII, permanece intocada na doutrina contemporânea, mesmo que ninguém tenha dúvida de que o Direito, como ciência da compreensão, exista no ‘fato’ hermeneuticamente interpretados.”

178 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 145.

179 “La cognizione del giudice ha per necessità due oggeti diversi: l’accertamento dei fatti e l’applicazione del diritto”. LIEBMAN, Enrico Tulio. Manuale di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, v. II, 1959, p. 146. 180 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 145.

Schmitz afirma que o CPC/2015 veio a acentuar a dicotomia entre questões de fato e questões de direito, ao possibilitar o julgamento de teses de modo generalizado181, sendo previstos novos mecanismos, tais como o Incidente de Assunção de Competência (art. 947) e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976), bem como o julgamento dos recursos especial e extraordinário repetitivos (art. 1.036), cuja ideia geral seria justamente racionalizar e facilitar o julgamento de casos em que a questão de direito se repete, a demonstrar a indigitada separação combatida pelo autor. Trata-se, como no exemplo do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, de um escolher um caso “paradigma” cujo julgamento vinculará a resolução de casos futuros que “veiculem o mesmo raciocínio jurídico abstrato” (p. 148).

Schmitz cita Ovídio Baptista, afirmando que este defende a possibilidade de cognição abrangente pelos tribunais superiores, superando o que chama de “equivocada distinção entre questão de fato e questão direito”, para reconhecer que a verdadeira missão das cortes superiores seria o controle da motivação fática das sentenças, bem como o controle dos erros de fatos na apreciação da prova.182

Porém, Trento obtempera que quando a jurisprudência das cortes brasileiras procede à diferenciação entre questão de fato e questão de direito para o fim de submeter ou deixar de submeter a questão à jurisdição das cortes superiores em recursos excepcionais, isso tradicionalmente é retirado da previsão normativa de cabimento restrito dos recursos excepcionais apenas para recursos que veiculem violação à Constituição ou a tratado ou lei federal.183

Nesse caso, a intenção da distinção entre questão “de fato” e “de direito” é realizar uma filtragem de casos e questões a serem submetidos à jurisdição especial ou extraordinária, “o que é feito tendo em vista a função a ser desempenhada pelo STJ e pelo STF no julgamento dos recursos especial e extraordinário de acordo com o desenho normativo institucional que tem por primeira fonte a Constituição.”184

181 O autor considera perigoso afirmar que teses jurídicas possam ser objeto de julgamento devido à absoluta ausência de referibilidade entre textos normativos e facticidade. SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 146.

182 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 145-147.

183 TRENTO, Simone. A medida da cognoscibilidade das questões concernentes à prova dos fatos em recurso especial e extraordinário: a assunção pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal do status de cortes de precedentes. Tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2016, p. 132-134. 184 TRENTO, Simone. A medida da cognoscibilidade das questões concernentes à prova dos fatos em recurso especial e extraordinário: a assunção pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal do status de cortes de precedentes. Tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2016, p. 132.

Porém, essa cisão metodológica não seria possível. Schmitz afirma que não há questão de fato que não diga respeito a algum ramo do direito e não há questões de direito que seja despida de facticidade e que querer isolar questões puramente de direito da realidade seria um resquício de uma mentalidade muito arraigada à visão de Direito como produto de uma investigação racionalizada185. Afirmando que não existem “questões de fato” e “questões

sociológicas” para a sociologia, bem “questões políticas” puramente sem fatos, o autor conclui que é fictício cindir questão de fato de questão de direito e que, dessa ficção, surge o problema da “discricionariedade oculta pela criptoargumentação”.

Na visão do mesmo autor, a tese mais razoável é aquela defendida por Teresa Arruda Alvim Wambier quando afirma que há questões predominantemente de fato e de direito, mas nunca uma ruptura entre as duas categorias.

Cândido Rangel Dinamarco afirma que

Há questões de fato, correspondentes à dúvida quanto a uma assertiva de fato contida nas razões de alguma das partes; e de direito, que correspondem à dúvida quanto à pertinência de alguma norma ao caso concreto, à interpretação de textos, legitimidade perante norma hierarquicamente superior, etc.186

Para Lanes, a unidade fático-jurídica da causa é a matéria-prima da fundamentação adequada. O enlaçamento dos elementos de fato e de direito permite o esforço argumentativo vinculado à individualização, à valoração e à escolha dos significados possíveis.187

A teoria cognitivista da interpretação jurídica encampa dois importantes entendimentos. O primeiro seria no sentido de que as questões de fato e as questões de direito não se misturam. O segundo informa que o ato de aplicação do direito envolve exclusivamente um processo lógico-dedutivo, fundado sob um silogismo puro, em que a premissa maior seria a norma e a premissa menor o fato, sendo a decisão jurisdicional a conclusão.188

Nesse sentido de cunho cognitivista, o processo de interpretação e de aplicação do direito pressupõe o isolamento e a ausência de recíproca implicação entre fato e direito, reduzindo a fundamentação ao iter lógico da decisão, retomando-se um esquema silogístico. Para Lanes, se a construção dos fatos envolve alguma abstração, como a aplicação do direito também envolve, seria evidente a impossibilidade de que a confecção da motivação da sentença

185 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 146.

186 DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito no processo civil. In: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, t. 1, p. 308.

187 LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e Direito no Processo Civil Cooperativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 213

188 LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e Direito no Processo Civil Cooperativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 189

possa se dar sem o entrelaçamento e a recíproca implicação entre fato e direito, mesmo que em diferentes graus.189 O cognitivismo interpretativo, portanto, desaguaria no excesso de utilização da máxima iura novit curia.

A desatenção a algum dos elementos fático-jurídicos poderá importar em subnutrição de conteúdo da fundamentação, além de, por óbvio, frustrar o diálogo entre partes e julgador, necessário à formação da decisão. O impositivo debate prévio sobre os elementos fático-jurídicos, abraçado à ideia de inseparabilidade entre fato e norma, desautoriza a motivação que empregue a máxima iura novit curia. Em vendo a inseparabilidade entre questões de fato e questões de direito, o processo ganha em organização de na obtenção cooperativa da decisão justa para o caso.”190

Nagibe de Melo Jorge Neto afirma preferir classificar as questões jurídicas como gênero das quais são espécies as questões de fato e as questões de Direito, pois, segundo o autor, a questão fática nunca é uma questão meramente fática, não se discutindo no processo judicial se os fatos existem ou são verdadeiros, mas se estão provados, o que envolveria um conceito normativo e, assim, para os fins de uma teoria da decisão judicial, não haveria diferenças significativas entre uma questão de fato e uma questão de Direito.191

Pode-se concluir que não se pode – nem se pretende - tratar do “fato” separando-o completamente do “direito” ou ignorando suas implicações jurídicas. Toda a problemática tradicional relacionada à separação entre as questões de fato e as questões de direito surgiu a partir de erros metodológicos, sem levar em consideração as peculiaridades dos diferentes ordenamentos jurídicos, buscando definições absolutas onde era necessário tomar em consideração situações muito diferentes e, além disso, eram abordadas questões que em nada se relacionam ao problema da prova no processo. 192

Resta claro que a determinação dos fatos depende, em grande medida, do direito haja vista que é o direito que firma quais são os fatos relevantes e os meios de prova admissíveis para prová-los judicialmente, determinado, portanto, aquilo que, no processo, constitui um fato ser provado. Dessa forma, para a decisão, os únicos fatos que devem ser determinados são aqueles aos quais a norma adotada como critério jurídico de decisão é aplicada, introduzindo a questão da relevância jurídica do fato: objeto da decisão é o fato que a norma define e qualifica como relevante.

189 LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e Direito no Processo Civil Cooperativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 192.

190 LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e Direito no Processo Civil Cooperativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 193.

191 NETO, Nagibe de Mello Jorge. Uma teoria da decisão judicial: fundamentação, legitimidade e justiça. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 176

192 TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Tradução de Jordi Ferrer Béltran. 2.ª ed. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 91.

Dessa forma, o problema fundamental diz respeito às escolhas que o juiz efetua no sentido de selecionar as premissas fáticas de sua fundamentação, o que importa em um inevitável processo de recorte da realidade a partir da base do critério de relevância assumido.

Segundo Schmitz,

Perceba-se o quanto a crise de paradigmas tem elementos paradoxais: a produção do direito em massa retira o mundo prático da decisão judicial, enquanto o solipsismo incentiva que a reintrodução do aspecto fático seja feita de acordo com a consciência subjetiva de quem julga.193

Assentadas essas bases, tem-se que o problema central não é sobre se o processo deve ou pode estar dirigido à determinação da verdade dos fatos, mas bem estabelecer o que se deve entender por “verdade dos fatos” no âmbito do processo e quando, em que condições e mediante que meios se pode alcançar a verdade de tais fatos. Para Taruffo, esse é um problema eminentemente epistemológico, pois afeta às modalidades de conhecimento acerca os fatos, ainda que no âmbito de um contexto específico, regido por regras e exigências institucionais particulares. No dizer de Trento,194 a questão a ser resolvida no processo é se a hipótese fática em exame deve ser aceita como verdadeira para a finalidade processual de atribuir uma determinada tutela jurisdicional.

Uma vez relativizada a noção de verdade, Taruffo introduz a ideia de graus ou medidas de conhecimento. Um grau de conhecimento é um grau (e, nesse sentido, um conhecimento relativo) na medida em que se situa em algum ponto intermediário entre o desconhecimento e o conhecimento da verdade absoluta de algo.

Com esse suporte teórico o problema da aceitabilidade (atendibilidade) de uma hipótese se traduz na valoração relativa ao grau de confirmação que a hipótese tenha recebido sobre a base dos elementos de prova aportados: se tal grau é considerado suficiente, a hipótese é aceitável e, portanto, pode ser levado em consideração como base da decisão. Trata-se, portanto, de uma valoração ou apreciação discricionária que o julgador efetua ao tempo da decisão.

Há situações mais simples, em que a hipótese vem confirmada por um único elemento de prova e situações mais complexas, quando existências duas hipóteses em colisão (contrárias ou incompatíveis) – a escolha de uma delas será feita baseando-se no critério da

193 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 31.

194 TRENTO, Simone. A medida da cognoscibilidade das questões concernentes à prova dos fatos em recurso especial e extraordinário: a assunção pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal do status de cortes de precedentes. Tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2016, p. 22.

confirmação prevalente, isto é, deverá ser escolhida a hipótese que possua um apoio relativamente maior a partir do conjunto dos meios de prova disponíveis.

Conforme Taruffo195, é um dado comum e recorrente nas diversas culturas jurídicas que o fato constitui o “objeto” da prova, a sua finalidade fundamental, no sentido de que constitui aquilo que é, efetivamente, provado no processo, já que descarta, salvo poucas exceções, que as provas possam versar sobre textos normativos. Esta ideia tem particular utilidade no sentido de traçar algumas distinções importantes no contexto processual, delimitando o âmbito daquilo que pode constituir “objeto da atividade probatória”.

Dessa forma, a prova também serve para estabelecer os limites dos conhecimentos próprios que o juiz pode introduzir no processo e utilizar na decisão, assumindo-se que não pode o juiz utilizar de sua própria ciência privada sobre os fatos que devem ser provados em juízos, mesmo por que o princípio iura novit curia diz respeito unicamente à identificação do direito aplicável à decisão.

É importante destacar que, no contexto do processo, não se demonstram fatos para satisfazer exigências de conhecimento em estado puro, mas para resolver controvérsias jurídicas acerca da existência de direitos, ou seja, não se pretende determinar o fato em si mesmo senão na medida em que este é pressuposto para a aplicação de normas no caso concreto.196

No processo, os fatos a respeito dos quais deve-se estabelecer a verdade são identificados sobre a base de critérios jurídicos, representados essencialmente pelas normas que se consideram aplicáveis para decidir a controvérsia específica. Taruffo sintetiza da seguinte forma: é o direito que define e determina o que, no processo, constitui-se “o fato”197.

Segundo o autor, isto não implica nem permite confusões entre fato e direito, nem autoriza a retirar a autonomia do fato para diluí-lo e anulá-lo na genérica dimensão jurídica da controvérsia. Assim, mais importante do que discutir em termos gerais a distinção entre fato e direito é levar em consideração as diferentes modalidades com as quais o fato é identificado através das normas aplicáveis ao caso específico. Trata-se de entender corretamente em que consiste a denominada “qualificação jurídica do fato” e de que forma esta condiciona a identificação do fato a respeito do qual é necessário determinar a verdade.

195 TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Tradução de Jordi Ferrer Béltran. 2.ª ed. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 89.

196 TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Tradução de Jordi Ferrer Béltran. 2.ª ed. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 90.

197 TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Tradução de Jordi Ferrer Béltran. 2.ª ed. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 92.

Trento, enriquecendo a discussão, afirma que a aceitabilidade de uma hipótese sobre fatos em um determinado processo depende simultaneamente dos elementos de juízo disponíveis e do standard de prova que haverá de ser adotado para o caso198. A epistemologia seria, então, necessária para determinar o grau de probabilidade de que um fato tenha ocorrido, mas ela nada afirma sobre o nível de probabilidade suficiente para que, no processo jurisdicional, se considere provado o fato controvertido. A decisão acerca de qual é o standard de prova aplicável é uma decisão de ordem jurídico-político-moral, sobre a qual o direito deve ser pronunciar e não a epistemologia.

Para os fins do presente trabalho, a questão de uma aparente separação entre juízo de fato e juízo de direito não necessariamente pressupõe uma separação formal entre fato e direito, cuja rígida separação constitui um problema de teoria geral do Direito.