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Fatos históricos que marcaram a trajetória da PcD

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 LINHA DO TEMPO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: DA EXTINÇÃO À

2.1.2 Fatos históricos que marcaram a trajetória da PcD

O ‘surgimento da Língua de Sinais’: sabe-se que um médico que também era matemático, chamado Gerolano Cardano, se dedicou a inventar, entre os anos de 1501 a 1576, um código para ensinar o surdo a ler e escrever. Essa invenção despertou no Padre Ponce de Leon (1520 a 1584) a busca de um método de educar pessoas surdas, por meio de sinais. Nascia assim, originalmente, a Língua de Sinais que, na época, não era reconhecida como uma língua, mas esses sinais serviam de comunicação entre as pessoas com deficiência auditiva (DA) e destas com as pessoas não deficientes (BRASIL, 2012d, p. 3).

De 1712 a 1789 viveu Abade Charles de Lepée que foi considerado o ‘pai dos surdos’ e responsável pela criação e difusão da língua gestual brasileira, embora esta já existisse mesmo antes dele. Esse autor foi também o criador do Instituto Nacional de

Surdos-Mudos3, em Paris, que foi a primeira escola do mundo aberta ao público de e para os surdos.

Quanto às questões relacionadas ao deficiente físico, os registros apontam que somente em 1595 foi construída a primeira cadeira de rodas, não mais como um instrumento a ser utilizado no carregamento de utensílios, mas como ‘cadeira para inválidos’, que foi especialmente desenvolvida para o Rei Filipe II da Espanha, que, na época, tinha dificuldades de locomoção. Com a utilização da cadeira de rodas, ele podia se locomover nas dependências do palácio em que residia.

A história aponta que já, na Antiguidade, existia a preocupação sobre aspectos relacionados à acessibilidade ‘para’ as pessoas com deficiência, bem como a criação de aparatos que pudessem incrementar a qualidade de vida das pessoas com deficiência. O Sistema Braille aumentou as possibilidades relativas à alfabetização, especialmente, quanto ao deficiente visual, o qual não poderia conhecer o sistema de letras e grafia por meio dos métodos tradicionais de leitura e escrita.

Assim, em 1825 foi criado o método de leitura e escrita tácteis, mundialmente reconhecidos e utilizados pelas pessoas com deficiência visual (DV) e designados como Sistema Braille, criado por Louis Braille. Braille perdeu a visão aos três anos de idade e, aos dezoito anos, tornou-se professor do Instituto de Cegos de Paris. O Sistema Braille foi criado a partir de uma invenção militar chamada sonografia, que tinha como objetivo a comunicação.

Na era contemporânea ressalta-se, ainda, uma filósofa que nasceu, em 1880, nos EUA, com o nome de Hellen Keller, a qual ficou cega e surda com 18 meses de idade, mas, com o apoio da professora Anne Sullivan, aprendeu a ler e escrever, a partir do domínio do alfabeto Braille e por meio do toque do alfabeto manual.

Hellen demonstrou seu potencial, ao enfrentar os estigmas e mitos de impossibilidades e incapacidades das pessoas com deficiência, superou qualquer limitação e, mesmo sendo cega e surda, não apenas conseguiu sua alfabetização, como se tornou uma célebre escritora, filósofa e conferencista, formada pela escola de Cambridge e pela Universidade de Radcliffe nos Estados Unidos.

3A expressão ‘surdo-mudo’ não é utilizada atualmente, por se considerar que o ‘mudo’ não fala pelo motivo

de não ouvir e, assim, não se considera correto usar tal expressão e utiliza-se apenas a terminologia ‘surdo’ ou ‘deficiente auditivo’.

A referida filosofa serviu de tema para um filme que conta sua história e seu método de aprendizagem. O filme repercutiu no mundo e, até hoje, tem sido exemplo teórico e prático para muitas instituições que atuam com pessoas com deficiência, especialmente, com os surdo-cegos.

Na época do Brasil Colonial, o Brasil caracterizava-se como uma sociedade aristocrática, elitista, rural, escravocrata e com limitada participação política. Tais características não estimulavam a avançar sobre as questões relacionadas às diferenças. As pessoas com deficiência eram confinadas pela família e, em caso de desordem pública, eram confinadas em Santas Casas, hospitais ou até mesmo em prisões: “Somente no século XIX aconteceram as primeiras ações para atender as pessoas com deficiência” (BRASIL, 2010b, p. 29).

O Decreto nº 82, de 18 de julho de 1841, determinou a criação do primeiro hospital para o tratamento de alienados, o Hospício Dom Pedro II vinculado à Santa Casa de Misericórdia, na cidade do Rio de Janeiro, que começou a funcionar em dezembro de 1852. Durante o século XIX, o Brasil apenas contemplava ações para educação das pessoas surdas ou cegas. Em 1854, foi fundado o Instituto de Meninos Cegos que, na época, era destinado a pessoas cegas do sexo masculino e, em 1856, o Instituto dos Surdos-Mudos. Houve significativa evolução desses Institutos, que até hoje perduram com os nomes de Instituto Benjamin Constant (IBC) e Instituto Nacional dos Surdos (Ines), ambos situados na cidade do Rio de Janeiro.

Entre os séculos XVIII e XIX, a era industrial foi marcada por um novo sistema. O capitalismo tornou-se o sistema econômico vigente, que visava a aperfeiçoar a crescente produção da indústria, a qual submetia operários a exaustivas horas de trabalho com condições precárias de alimentação e saúde. Tal descaso tendia a gerar uma série de doenças, epidemias e muitos acidentes de trabalho, fato que levava muitos operários a se tornarem pessoas com deficiência, fossem estas temporárias ou permanentes.

Surgem, nesta época, novos métodos de tratamento das doenças. A deficiência não era uma característica política importante, era sinônimo de doença e, nesse tempo, prevalecia o modelo ‘médico’, modelo esse em que “as pessoas com deficiência tem problemas orgânicos a serem curados [...], cuja problemática individual exige um esforço terapêutico de modo que se encaixem na sociedade” (BRASIL, 2012d, p. 6).

Registros, no documento Brasil (2010b), apontam que, até a metade do século XIX, a deficiência intelectual era considerada uma forma de loucura e tratada em hospícios.

Entre 1939 a 1945 acontece a Segunda Guerra Mundial que choca o mundo com suas barbáries. O Holocausto, liderado por Hitler, elimina judeus, negros, ciganos e pessoas com deficiência ou pessoas que faziam parte de grupos politicamente organizados e indesejados pelo regime nazista comandado por Hitler. Ainda sobre o Holocausto, vê-se que as pessoas com deficiência eram alvo de extermínio: “cerca de 275 mil adultos e crianças com deficiência são eliminados e 400 mil pessoas por serem suspeitas de terem hereditariedade de cegueira, surdez e deficiência mental. São esterilizados em nome da política da raça ariana pura” (BRASIL, 2012d, p. 7).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo precisou se reorganizar e, além das necessidades básicas que deveriam ser proporcionadas aos sobreviventes das batalhas, os adultos com sequelas precisavam de tratamento médico e reabilitação. Em 1945, foi criada, em Londres, a Organização das Nações Unidas (ONU), com objetivo de buscar soluções para os principais problemas que precisavam ser solucionados, especialmente daqueles que se referiam ao tratamento das pessoas vítimas de discriminação.

Em 1948, é promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que foi adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III), por todos os povos e todas as nações. Na referida Declaração, objetivos foram traçados para que, “[...] cada indivíduo e cada órgão da sociedade se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades [...]” (ONU, 2013). Ainda no artigo 25 da citada Declaração encontra-se uma pequena menção sobre a PcD que, na época, era denominada ‘doente’ ou ‘inválida’:

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle (ONU, 1948).

Na primeira metade do século XX, observa-se o surgimento de organizações e instituições criadas e geridas pelas pessoas com deficiência. Essas iniciativas tinham como foco principal o auxílio mútuo entre os pares, ou seja, pessoas com o mesmo tipo de deficiências passaram a se organizar e lutar por objetivos comuns, surgindo, assim,

diversos movimentos associativistas, como: dos cegos, dos surdos, dos deficientes físicos e, ainda, das associações esportivas.

Vale destacar a lentidão que marca a defesa dos direitos das pessoas com deficiência: “na primeira metade do século XX, o Estado não promoveu novas ações para as pessoas com deficiência e, apenas expandiu de forma muito lenta os Institutos de cegos e surdos para outras cidades” (BRASIL, 2010, p. 29).

Assim, diante da ineficiência no atendimento a esse público-alvo por parte do Estado, a sociedade civil se organiza e cria as ONGs voltadas à assistência nas áreas de educação e saúde para as pessoas com deficiência. Entre essas: a Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenasp) (1932) e a Apae (1954).

Ao final dos anos cinquenta, emerge a tão conhecida tragédia da Talidomida. Remédio que as mães injetaram para os enjoos sentidos durante a gravidez. Passam a ser descritos os primeiros casos de malformações congênitas de crianças nascidas com focomelia, que se caracteriza pelo encurtamento dos membros superiores e inferiores.

A partir de 1946, começam a surgir, nos Estados Unidos e na Inglaterra, os primeiros movimentos organizados de esportes para pessoas com deficiência com origem nos Estados Unidos. As pessoas com deficiência, brasileiras, que conseguiram ir para os Estados Unidos em busca de tratamento conheceram esportes adaptados e, ao retornarem para o Brasil, fundaram, em 1958, os primeiros clubes brasileiros de esportes adaptados, como o Clube dos Paraplégicos de São Paulo e o Clube do Otimismo, na cidade do Rio de Janeiro.

De 1980 a 1996, o Brasil destaca-se nas paraolimpíadas, jogos oficiais para as pessoas com deficiência, que cresce e avança com maior número de participantes e de categorias de esportes.

Atualmente, a exemplo do que aconteceu na última paraolimpíada, as pessoas com deficiência passam a carregar no peito maior número de medalhas do que as pessoas sem deficiência, demonstrando a garra, a organização das associações, do governo e das ONGs. Surgem apoios financeiros, mesmo que ainda pequenos, mas relevantes para as ações dessa natureza. A partir do esporte, as pessoas com deficiência passam a ser reconhecidas pela sociedade brasileira em relação às suas possibilidades.